| Foto: Marcelo Andrade Gazeta do Povo

Certamente você já ouviu o bordão “nenhum direito a menos” por aí. O mantra ganhou força nos protestos daqueles que são contrários às reformas trabalhista e da Previdência e em vários setores mais ligados à esquerda. Ironicamente, esse mote também está servindo para o governo federal convencer os parlamentares a manter a reforma trabalhista em tramitação. E a votarem a favor, de preferência, para horror daqueles que argumentam que a mudança seria como queimar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

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Em geral, o texto que entra em vigor no dia 11 de novembro não retira direitos – muito menos destrói a legislação da década de 1940. De todas as mudanças propostas, é possível afirmar que há dois direitos revistos no texto: as horas in itinere e o intervalo obrigatório de 15 minutos para mulheres antes do início da hora extra. Ainda assim, existem argumentos coerentes para justificar essas alterações. De resto, a nova lei promove uma mudança na lógica da relação trabalhista. 

“Essencialmente, o texto por si só não retira os direitos trabalhistas. O que ele faz é flexibilizar, permitir a negociação. A começar com o intervalo do almoço, que é de uma hora, mas pode virar 30 minutos”, lembra Elton Duarte Batalha, professor de direito do trabalho da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Para ele, a versão da oposição é falsa, mas o governo também força a mão para afirmar que não há retirada de direitos – há, mas são irrelevantes.

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“A reforma não diz ‘olha, isso aqui não é mais devido’ ou ‘se trabalhar mais do que a jornada não vai poder tirar férias’. Quando se afirma que não há retirada dos direitos é por isso. Mas há mudança no eixo de proteção e se procura dar mais ênfase nas negociações”, afirma o advogado especialista em relações do trabalho Fabiano Zavanella, sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados.

Para ele, essa mudança de eixo é o principal ponto de ruptura. Desde 1943, quando passou a vigorar, até agora, a CLT passou por várias modificações, mas sempre se pautou pelo princípio de proteção: o empregado é hipossuficiente. A partir da reforma, a negociação ganha mais peso e as convenções coletivas, aquelas negociadas pelos sindicatos dos trabalhadores, podem até valer mais do que a lei.

Esse direito saiu. Mas era direito mesmo?

Entre todas as mudanças propostas pela reforma trabalhista, dois direitos foram revistos – horas in itinere e intervalo obrigatório para mulheres antes da hora extra. Mas a reflexão que fica é o quanto a retirada desses direitos irá, de fato, prejudicar o trabalhador.

A mudança mais fácil de ser criticada é a das horas in itinere. Hoje, quando o empregador fornece o transporte para o trabalhador, nos casos de locais de difícil acesso, o tempo que ele gasta no deslocamento de casa até a empresa é incorporado à jornada de trabalho. Ou seja: pode gerar mais horas extras. “Com a reforma, ele acaba por uma questão de lógica: o empregador tem um custo por um serviço que deveria ser fornecido pelo poder público. A meu ver, é um direito retirado justamente”, defende Batalha. 

E ainda há outros argumentos favoráveis à mudança. Um deles está no parecer do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), que relatou a reforma trabalhista na Câmara. “Essa medida, inclusive, mostrou-se prejudicial ao empregado ao longo do tempo, pois fez com que os empregadores suprimissem esse benefício [fornecimento de transporte] aos seus empregados”, diz o texto.

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Para Zavanella, muitas empresas sequer ofereciam oportunidades de empregos, caso precisassem ser as responsáveis pelo transporte dos funcionários para evitar possíveis condenações. “É um direito que surge a partir do momento que o transporte é oferecido pela empresa. Se ela não oferece, não é um direito”, argumenta.

A outra situação só influencia as mulheres e é alvo de discordância entre a Câmara e o Senado. Pela CLT, elas são obrigadas a fazer um intervalo de 15 minutos antes de começar a hora extra. E não há justificativa sobre a razão de isso só valer para elas – e não para todos os trabalhadores. Os deputados aprovaram a retirada da distinção da CLT. Já os senadores sugerem que o presidente Michel Temer (PMDB) vete essa modificação.

“Isso [intervalo] não é observado, a maioria das pessoas nem sabe que isso existe”, pontua Zavanella. O advogado lembra que o tema já foi discutido até para estender o benefício aos demais trabalhadores – e que geralmente o argumento usado é a fisiologia mais lenta da mulher. O professor Batalha concorda e lembra que a jurisprudência tende a considerar que se o intervalo é necessário, deve ser concedido tanto para mulheres quanto para homens.

O trabalhador que já está prestes a fazer hora extra não quer mais um motivo para sair ainda mais tarde do trabalho, principalmente quando é obrigado a fazer esse intervalo forçado. Essa mudança parece caminhar no mesmo sentido da eliminação de um artigo da CLT, que dizia que a mulher só poderia ajuizar uma ação na Justiça do Trabalho com autorização do marido. Isso já havia virado letra morta – e não há necessidade alguma de manter um dispositivo assim na lei.

Sindicato, mostra a tua cara

A ideia de fazer o negociado prevalecer sobre o legislado, como apregoa a reforma em curso, não é nova. É o que lembra o advogado Hélio Gomes Coelho Júnior, professor de direito do trabalho da PUC-PR. “Nos tempos de FHC, a Câmara dos Deputados já havia aprovado tal regra. Mas, como assumiu em seguida o Lula, e o projeto estava no Senado, houve a sua retirada”, relembra. Para ele, a proposta de permitir que empresas e sindicatos possam dispor sobre muitos temas do dia-a-dia da vida de patrão e empregado pode trazer bons avanços.

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E, da forma como está sendo conduzida, a mudança vai promover mais segurança jurídica. Batalha lembra que ao assinar uma convenção coletiva em que haja um acordo para reduzir o intervalo de almoço, haverá mais segurança de que o novo combinado será cumprido e não questionado posteriormente. “Não é um acordo feito entre empregador – mais forte – e empregado – mais fraco. É um acordo entre dois entes coletivos- empregador e sindicato”, ressalta. 

Outro aspecto é dar mais autonomia às categorias. “Cada um vai participar das decisões que vão influenciar a própria vida, ao invés de o Estado determinar quais são as melhores condições de trabalho para cada um. As condições mínimas não são alteradas”, pontua.

A grande sacada da reforma é impor que aos sindicatos que mostrem a sua cara, argumenta Zavanella. “Ao colocar o fim da contribuição sindical obrigatória, a reforma tira uma das amarras do apoio estatal. Ora, se você nada faz e vive só disso, você vai desaparecer. O sindicato terá de trabalhar para forçar que os trabalhadores se associem e contribuam”, analisa.

Para Zavanella, é preciso ficar atento para as matérias em que há mais autonomia ao empregado, como o banco de horas individual e o distrato de trabalho. “Para algumas camadas de empregados, talvez isso funcione melhor, porque eles têm mais clareza, grau de conhecimento e posição no mercado de trabalho. Mas não sei se isso atingirá a grande camada de trabalhadores, porque o mercado é muito grande. Individualmente, o empregado é frágil e para negociar sozinho é mais complicado”, pondera.

Reforma necessária. Mas há problemas

A reforma trabalhista se justifica ao atualizar uma lei antiga e vasta, trazendo pontos que cobrem a modernização das relações trabalhistas, como os novos tipos de jornada. Mas ela tem suas falhas e ainda vem sendo discutida em meio a uma grande crise política. 

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“Na verdade, essa reforma é boa, não é perfeita, ela tem vários problemas”, pondera Batalha. Para ele, um dos graves problemas é o dano extrapatrimonial – aquele que não é só material, mas também moral ou estético, por exemplo. Nessa reforma, há um teto para esse valor, baseado no último salário contratual da vítima. O teto para a ofensa gravíssima é de 50 vezes o salário da vítima e aí pode haver uma distorção. Se um gerente e uma faxineira da mesma empresa sofrerem uma injúria, ela receberia um valor muito inferior de indenização. “Justamente a pessoa que é menos empregável, que tem menos oportunidade, receberia uma indenização menor. Isso é um problema ético”, argumenta.