Em junho de 2013, antes do início da operação Lava Jato, o governo Dilma Rousseff trazia como uma de seus maiores projetos o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Cinco anos depois, entre as dez maiores obras do programa naquela época, seis estão inacabadas ou até abandonadas, com orçamentos elevados em vários bilhões de reais. Em alguns casos, como na Usina Termonuclear Angra III, uma solução está longe de ser alcançada e há riscos de que a conta da corrupção e da má gestão seja empurrada para o consumidor de energia elétrica.
Criado em 2007, o PAC materializou o sonho intervencionista e desenvolvimentista da gestão do PT. Com grandes obras, e tendo Dilma como a gerente, o programa era vendido para dar a força motriz do desenvolvimento econômico brasileiro. A fórmula era a concessão de empréstimos via BNDES para que as grandes empreiteiras realizassem as obras, muitas vezes em parceria com empresas estatais. A história acabou mal, com algumas obras do PAC – como Angra III e a Usina Hidrelétrica de Belo Monte – sendo apontadas pela Lava Jato como vértices da corrupção.
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Até hoje, o site do PAC ainda evidencia essa intenção do governo petista em fazer girar a economia por meio do investimento estatal em infraestrutura, com grande resistência às privatizações. Ao descrever o PAC, o site oficial diz que o programa “teve importância fundamental para o país durante a crise financeira mundial entre 2008 e 2009, garantindo emprego e renda aos brasileiros, o que por sua vez garantiu a continuidade do consumo de bens e serviços, mantendo ativa a economia e aliviando os efeitos da crise sobre as empresas nacionais”.
O PAC também foi utilizado pelo governo Dilma em sua “contabilidade criativa”, que depois resultaria nas pedaladas que levaram a presidente ao impeachment. Os valores investidos em obras no PAC podiam ser descontados da meta de poupança para pagamento dos juros da dívida pública, o chamado Resultado Primário do Governo Central. Com isso, o governo Dilma conseguiu continuar investindo nos projetos mesmo quando não havia mais dinheiro. O programa chegou a ter 37 mil projetos em seu portfólio.
Abaixo, listamos seis grandes obras do PAC que acabaram emperradas, estão atrasadas ou têm futuro incerto:
Refinaria Premium I - Maranhão
A obra, no Maranhão, ajudaria o país a suprir uma grande lacuna: a dependência no refino de combustíveis. Considerada a maior obra do PAC II, era orçada em R$ 41 bilhões. Quando pronta, a refinaria teria capacidade de processar cerca de 600 mil barris de petróleo ao dia. O início das operações estava previsto para 2017 e a obra e operação posterior, pela Petrobras, gerariam 100 mil empregos diretos e indiretos, divulgava o governo Dilma. Mas o projeto foi enterrado para sempre.
Dilma era presidente do Conselho da Petrobras em 2006, quando o projeto foi incluído no plano de negócios da empresa. Em 2015, a Petrobras divulgou em nota afirmando que em 2013 havia contratado consultoria para revisar o projeto desta refinaria e de outro projeto irmão, a refinaria Premium II, no Ceará, o que levou ao cancelamento das obras. “Após o desenvolvimento das revisões do projeto, de outras iniciativas tomadas pela Companhia, como busca de parcerias e de uma reavaliação das projeções de mercado, não foram obtidos resultados econômicos satisfatórios, levando a Petrobras a decidir pela descontinuidade dos projetos”, divulgou a petroleira. As obras iniciais da refinaria já estavam em andamento.
Em 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) pediu responsabilização de Dilma e demais conselheiros da Petrobras por prejuízo de quase R$ 3 bilhões no projeto. O TCU divulgou que os relatórios da Petrobras indicavam 98,4% de chances de prejuízo em relação à refinaria do Maranhão e 97,8% em relação à do Ceará, caso o projeto aprovado por Dilma fosse tocado adiante.
Ministério responsável tecnicamente pela obra, o Ministério de Minas e Energia não respondeu aos questionamentos da reportagem solicitando dados de custo inicial da obra e previsão de conclusão e encaminhou o questionamento à Petrobras.
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro
Uma obra iniciada em 2008, com previsão de entrada em operação em 2013 e que até hoje não processou uma gota de combustível sequer, e com prejuízo estimado em US$ 12,5 bilhões (algo em torno de R$ 40 bilhões), sob investigação da Operação Lava Jato. Localizado no município de Itaboraí (RJ), o Comperj foi uma grande promessa de geração de emprego e renda para o estado do Rio. O complexo teria capacidade de processar 165 mil barris de petróleo ao dia e produzir óleo diesel e outros derivados. Segundo o governo federal, a obra geraria mais de 200 mil empregos diretos e indiretos.
A primeira parte da obra estava orçada em R$ 26,5 bilhões, mas hoje já passa dos R$ 30,5 bilhões, segundo previsão do PAC (mas que pode ser algo em torno de R$ 57 bilhões, pelas contas do TCU em relatório do ano passado). O TCU também avaliou que o custo da corrupção na obra chegaria a algo em torno de R$ 9,6 bilhões, em prejuízo “causado pela atuação do cartel nas contratações relativas ao Comperj”.
No fim do ano passado, a Petrobras anunciou que não vai desistir da construção do Comperj. É uma prioridade da companhia a construção da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) do Comperj e a previsão é que as obras sejam realizadas entre 2018 e 2019, com início de operação em 2020.
O Ministério de Minas e Energia não respondeu aos questionamentos da reportagem solicitando previsão de conclusão e custo atualizado do projeto e encaminhou o questionamento à Petrobras.
Trecho sul a ferrovia Norte-Sul – Tocantins-São Paulo
Depois de emperrar no PAC, a obra foi incluída no Programa de Parcerias em Investimentos (PPI), do governo Michel Temer, mas seu futuro ainda é incerto. Parte da obra já foi concluída, com recursos do orçamento. Em 2013, a previsão era de um investimento total de R$ 6,9 bilhões para a obra toda.
O leilão de concessão desse trecho da ferrovia, que liga Palmas (TO) a Santa Bárbara D’Oeste (SP) e tem cerca de 1,5 mil quilômetros, ainda está travado. A previsão era de que a obra fosse leiloada neste ano, em fevereiro, depois de vários adiamentos, mas no setor a impressão de é que, com eleições neste ano, a licitação não sai em 2018.
A Valec, estatal da área logística, vem construindo diversos trechos dessa obra, que deverá sem concedida à iniciativa privada já pronta ou parcialmente construída. A obra, que é um dos maiores projetos do PAC, ainda precisa de mais R$ 5,5 bilhões em investimentos e está 93% concluída. A previsão atual é de conclusão no primeiro semestre deste ano, mas os órgãos responsáveis já contam internamente com atraso.
Em outros trechos da obra, já concluídos, o TCU encontrou diversas irregularidades. É o caso do trecho entre os municípios de Campo Limpo e Ouro Verde (GO), onde foi constatado superfaturamento de R$ 30,3 milhões e existência de cartéis formados nas licitações promovidas pela Valec desde 2001, gerando prejuízos totais de R$ 54 milhões, incluindo o seguro-garantia para o certame. O vencedor do leilão foi a empreiteira Camargo Corrêa, uma das empresas citadas na Lava Jato.
Usina Nuclear Angra III – Rio de Janeiro
A conta da corrupção e ineficiência nesta obra ainda pode ser debitada do consumidor de energia, podendo chegar a R$ 20 bilhões a mais do que o orçado. A usina nuclear faz parte do complexo de usinas em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. A terceira usina do grupo teve seu projeto retomado em 2008, dentro do PAC, com investimentos previstos em R$ 8 bilhões, para ter uma capacidade instalada de 1.124 MW. A previsão era que fosse concluída em 2018.
A obra também foi alvo da operação Lava Jato, que constatou irregularidades que levaram à prisão do então presidente da Eletronuclear (do grupo Eletrobras), condenado a 43 anos de prisão por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, ligados à construção da usina.
O governo ainda busca uma solução para a retomada das obras, interrompidas em 2015, e enfrenta um dilema: se decidir enterrar o processo, o custo do desmonte da estrutura, quitação do empréstimo para construção e devolução de maquinário custará R$ 12 bilhões, de acordo com o TCU. Ainda são necessários outros R$ 17 bilhões para tocar o projeto, que é realizado pelas construtoras Queiroz Galvão, Empresa Brasileira de Engenharia, Techint Engenharia e Construção e UTC Engenharia.
O governo federal busca uma solução para a continuidade das obras e no ano passado firmou uma parceria com a estatal russa de energia nuclear, a Rosatom. Porém, os custos dessa parceria ainda não foram divulgados. Para que seja vantajosa para a Rosatom, a parceria teria de culminar em receitas com a venda da energia, o que poderia cair no colo do consumidor de energia elétrica de todo o país.
O Ministério de Minas e Energia informou que a usina foi retirada do PAC “pois estava com obras paralisadas e sem previsão de entrada em operação”. A pasta não informou sobre novas projeções de conclusão da obra e custos.
Transposição do Rio São Francisco – Nordeste
Incluída no PAC em 2007, a obra que foi um panfleto da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva foi capturada por Michel Temer como uma forma de aproximar o presidente do povo do Nordeste. Inicialmente, a obra era orçada em R$ 4,5 bilhões. Hoje, a projeção é que o investimento total chegue a R$ 9,6 bilhões, quase o dobro do inicialmente previsto.
Segundo o Ministério da Integração Nacional, a obra tinha previsão inicial para ser concluída em 2012. Depois de vários atrasos e aumentos no investimento previsto, foram entregues as obras do Eixo Leste. O Ministério da Integração espera que todos os canais do Eixo Norte sejam entregues ainda neste ano.
O projeto enfrentou diversos entraves desde seu lançamento dentro do PAC. Em 2013, o TCU encontrou falhas na licitação de algumas obras da transposição. Em 2015, a Polícia Federal deflagrou a operação Vidas Secas, por suspeita de que empreiteiras contratadas para parte das obras teriam superfaturado e utilizado empresas de fachada dos doleiros Alberto Youssef e Adir Assad.
Ao longo dos dez anos de obras, o TCU encontrou diversos indícios de irregularidades e fragilidades no cumprimento dos contratos da transposição. De acordo com o órgão, ações do TCU resultaram em alterações nos orçamentos da obra pelo Ministério da Integração Nacional que economizaram R$ 34 milhões aos cofres públicos.
O projeto pretende levar água a 390 municípios do Nordeste. A obra beneficiará um total estimado de 12 milhões de pessoas nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Usina Hidrelétrica de Belo Monte – Pará
Um projeto grandioso, mas que gerará apenas metade de sua capacidade instalada elétrica. A obra, inicialmente orçada em R$ 17 bilhões, deve custar mais de R$ 30 bilhões (dos quais R$ 22 bilhões financiados pelo BNDES), e ainda não está totalmente pronta, faltando entrarem em operação metade das 24 turbinas previstas no projeto.
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte foi projetada ainda na década de 1970, mas depois de embates com indígenas e até apoio de astros internacionais como o cantor Sting, o projeto foi modificado. Em 2010 foi leiloado, em processo questionado pelos órgãos de controle.
No início do mês, a 49ª fase da operação Lava Jato apontou que PT, PMDB e o ex-ministro Delfim Netto teriam recebido um total de R$ 135 milhões em propinas para favorecer o consórcio que venceu a licitação da hidrelétrica, segundo o Ministério Público Federal.
Diversos erros foram cometidos na matemática de projeção da usina e o TCU apontou inclusive falha na definição do preço da energia.
Mesmo antes do leilão as empresas participantes do consórcio, incluindo a estatal Eletrobras, já sabiam que os R$ 19 bilhões previstos nos estudos de viabilidade eram inferiores ao valor necessário para colocar a obra de pé. Estudos apontam que em 2010 as empresas participantes do consórcio já sabiam que precisariam de R$ 26 bilhões.
A Chesf teria estimado necessidade de venda da energia a R$ 90,60 o MWh. Mesmo assim, no processo de leilão foi estipulado preço-teto inicial de R$ 83,00/MWh e na disputa, o preço final foi de R$ 77,97 por MWh, 6,02% menor.
O projeto é criticado por técnicos do setor elétrico, que questionam a necessidade de se construir uma usina tão grande no meio da Amazônia, implicando altos custos e riscos de transmissão de energia para os grandes centros. Ambientalistas também se opuseram à construção da obra, que apesar de ter um reservatório pequeno tem uma grande estrutura associada, de canais e diques, para alterar o curso do Rio Xingu.