O partido do presidente da República abre mão de disputar a Presidência da Câmara dos Deputados. Opta por endossar a candidatura de um político tarimbado, que pode ajudar o andamento dos projetos do governo federal e contribuir para os objetivos da sigla do chefe do Executivo.
O roteiro acima explica o movimento do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, que recentemente fechou com Rodrigo Maia (DEM-RJ) na corrida pela presidência da Câmara. Mas também poderia ser aplicado a episódios do passado, como as decisões do PT de apoiar Michel Temer (PMDB-SP) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) na eleição pelo comando da Câmara, respectivamente, em 2009 e 2013, nas gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Decisão tem um motivo essencial: governabilidade
São decisões sempre tomadas com base na chamada governabilidade – isto é, no entendimento de que o governo não pode fazer tudo sozinho e que precisa ceder um pouco para chegar onde almeja. É um contexto que, com frequência, modifica quadros inicialmente esperados.
Logo após o primeiro turno das eleições de 2018, por exemplo, quando o PSL obteve 52 deputados federais e Bolsonaro mostrou favoritismo para o segundo turno, seu partido falava em ter o presidente da Câmara. Eduardo Bolsonaro (SP) e Delegado Waldir (GO) foram citados como eventuais pré-candidatos. Mas a composição de forças que se seguiu a partir dali – além do entendimento de que o comando da Câmara concentraria poder demais em uma única legenda – fez com que o pragmatismo imperasse, e o PSL firmasse apoio a Rodrigo Maia.
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A decisão de apoiar Maia foi anunciada pelo presidente do PSL, o deputado eleito Luciano Bivar (PE), e saudada por diferentes membros da legenda. “Maia se comprometeu a apoiar as pautas do governo Bolsonaro. O PSL vai ganhar o espaço que merece devido ao tamanho de sua bancada”, disse Bivar na quarta-feira (2), quando o apoio se tornou público. O senador eleito Major Olímpio (PSL-SP) falou que “o povo brasileiro” foi quem mais ganhou com a parceria. E mesmo a deputada federal eleita Joice Hasselman (PSL-SP), que havia feito críticas públicas a Maia em ocasiões anteriores, celebrou o acerto.
A parceria prevê que o PSL será contemplado com a segunda vice-presidência da Câmara e com a presidência de duas comissões: a de Finanças e Tributação (CFT) e a de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), considerada a mais importante da Casa. Olímpio avaliou que o PSL “tirou água de pedra” ao costurar o acordo.
“O presidente da Câmara pode ser o maior líder da oposição”
“O presidente da Câmara pode ser o maior líder do governo ou o maior líder da oposição. Basta querer.” A avaliação é de Aldo Rebelo, que ocupou o comando da Casa entre 2005 e 2007 e se candidatou ao cargo sem sucesso em outras duas ocasiões, em 2007 e 2009.
Rebelo justifica sua opinião por causa da alta fragmentação partidária que existe na Câmara dos Deputados. Como há muitos partidos, há muitos blocos, grande parte deles com tamanho reduzido. Isso, somado aos poderes que o regimento confere ao presidente, dá ao comandante da Casa um acúmulo de poder.
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Como prova das capacidades dos presidentes da Câmara, Rebelo cita os impeachments de Dilma Rousseff e Fernando Collor. Os dois únicos afastamentos de presidentes da história tiveram como momentos-chave uma intensa rota de colisão entre os chefes do Executivo e os comandantes da Câmara – Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no caso de Dilma, e Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) no caso de Collor.
“O Ibsen abriu impeachment contra o Collor; o Cunha abriu contra a Dilma. E eu arquivei vários pedidos de impeachment contra o Lula. O presidente da Câmara pode abrir um processo [de impeachment], e só ele pode. Não depende da Mesa, não depende do plenário, não depende do colégio de líderes”, afirma.
Para além das possibilidades de afastamento, há o dia a dia nas relações entre Legislativo e Executivo. Projetos que o governo quer priorizar podem não avançar se o presidente da Câmara não o quiser, assim como “pautas-bomba” podem ser aprovadas com velocidade fora do padrão.
“O presidente [da Câmara] controla a agenda, a pauta. Se tem um presidente alinhado, com diálogo mais alinhado com o governo, que defende que o governo defende, é lógico que isso facilita e muito o processo”, afirma o deputado federal Eduardo Barbosa (PSDB-MG), que em fevereiro iniciará seu sétimo mandato na Câmara.
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As alianças para a governabilidade podem também focar metas de fora do Legislativo. Ao apoiar Michel Temer na eleição da Câmara em 2009, o PT deu um grande passo para trazer o PMDB para a chapa de Dilma Rousseff na sucessão presidencial de 2010, que acabaria com a vitória da petista. A adesão à candidatura de Henrique Eduardo Alves em 2013 também passou por isso, e contribuiu com que o o PMDB (hoje MDB), maior partido do Brasil, continuasse no projeto presidencial do PT, mesmo com as críticas e a impopularidade que Dilma já registrava no fim de seu primeiro mandato.
Por pragmatismo, parte da oposição embarca na candidatura governista
Até quem não está alinhado com o governo costuma embarcar em candidaturas governistas na Câmara. A última vitória de Rodrigo Maia, em 2017, contou com o apoio do PCdoB, o parceiro mais fiel do PT e uma das legendas mais críticas do ex-presidente Michel Temer.
Quando Aldo Rebelo foi candidato em 2007, contou com o apoio do DEM, que fazia oposição à gestão de Lula. O PSDB, que lançaria Aécio Neves contra Dilma Rousseff na eleição presidencial de 2014, no ano anterior esteve ao lado de Henrique Eduardo Alves, apoiado pelos petistas. E até o embarque recente do PSL no projeto atual de Rodrigo Maia, os votos de membros de PT e PCdoB ao atual presidente da Câmara eram dados como certos.
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A explicação para a timidez na “rebeldia” contra o candidato favorito vem, também, do poder que dispõe o presidente da Câmara. Como é ele quem distribui as presidências das comissões, acaba sendo mais vantajoso para diferentes partidos estarem ao lado de um favorito do que lançar uma candidatura fadada ao fracasso.
“Nós vamos ouvir as propostas dos candidatos para a Câmara. Mas também veremos as posições estratégicas que os candidatos vão estar delegando para que nós tenhamos algum protagonismo [na Câmara]. Todo mundo quer isso, inclusive nós, que somos a terceira maior bancada”, diz o deputado Fausto Pinato (PP-SP).
Apoiadora de Rodrigo Maia, a líder do PV, Leandre (PR), faz comentário semelhante: “Somos um partido independente, e ao longo da gestão do Rodrigo sempre fomos ouvidos e considerados. O Rodrigo sempre mostrou diálogo, desde o início”.
“Se o PT tiver alguma inteligência política, vai apoiar o Rodrigo Maia”
“Se o PT tiver alguma inteligência política, ele vai apoiar o Rodrigo Maia também, porque é importante os partidos terem uma boa relação com o presidente da Câmara”, afirma Aldo Rebelo. “A não ser que o PT queira apenas fazer figuração de rede social. Se quiser ser oposição de verdade, tem que ter uma boa relação com o presidente da Câmara.”
Na mesma linha, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) criticou em seu perfil no Twitter, na quinta-feira (3), a ideia de os partidos de esquerda se unirem para a disputa da presidência da Câmara. “Vai voltar a fase em que grandes líderes vão lançar uma campanha por uma candidatura única da esquerda para presidência da Câmara. Igual foi pra presidente. Todo mundo sabe que não acontecerá. Mas cada um fala pra sua rede. E ganha likes”, disse.
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Segundo o parlamentar do PCdoB, o PSL identificou – ao contrário dos líderes da esquerda – que precisa atuar dentro da realidade do Legislativo. “O PSL descobriu que não basta ter 50 deputados. Se ficar falando apenas para as redes sociais, ficarão totalmente à margem do funcionamento real da Câmara”, afirma.
À parte das críticas de Silva, o PSol lançou o deputado eleito Marcelo Freixo (RJ) como candidato a presidente da Câmara. O líder do PT, Paulo Pimenta (RS), disse à imprensa que considera Freixo um bom nome para o posto, mas afirmou que o partido ainda não fechou posição para a disputa.
Campanha tende a ser diferente
Outros deputados já anunciaram ser pré-candidatos à Presidência da Câmara: JHC (PSB-AL), Fábio Ramalho (MDB-MG), Capitão Augusto (PR-SP), Alceu Moreira (MDB-RS) e o futuro parlamentar Kim Kataguiri (DEM-SP).
A avaliação entre deputados é que a campanha ainda não engrenou. “Acho que a coisa começa a partir da semana que vem. Para ficar em clima de guerra nos últimos 10 dias antes da eleição”, avalia Pinato.
Já o tucano Eduardo Barbosa acredita que o espírito de renovação que marcou as eleições de 2018 também muda a dinâmica da votação na Câmara. “Esse ano vai ser um pouco atípico, porque tem 51% de renovação. Então as pessoas não se conhecem direito, ou mesmo não chegaram a se conhecer”, diz. Pinato vê também diferença em relação à influência que líderes e presidentes de partidos podem exercer. Segundo ele, também pela renovação e pela dinâmica mais direta entre eleitorado e deputado, as movimentações tendem a ser mais de caráter individual.
Um cenário bem diferente do de 2015, quando Eduardo Cunha empreendeu esforços quase hercúleos para ser eleito. O ex-deputado, hoje preso pela Lava Jato, chegou a viajar a todos os estados brasileiros atrás de votos. “Ele jogou bem pesado naquela votação”, diz Barbosa.
Eleição na Câmara está marcada para 1.º de fevereiro
A eleição para a presidência da Câmara está prevista para 1.º de fevereiro, dia em que se iniciará a próxima legislatura. O voto é secreto. Vence o deputado que conquistar a maioria dos votos, o que corresponde a 257 apoios. Se nenhum chegar ao número, é realizado um segundo turno.
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