A Eletrobras anunciou na semana passada que firmou um memorando de entendimento com a Rosatom, estatal russa de energia nuclear. O acordo dá o primeiro passo que pode levar à retomada da construção da usina nuclear Angra 3, que já consumiu R$ 10 bilhões e ainda demandará pelo menos mais R$ 10 bilhões para ser concluída.
Mas as dúvidas sobre esse processo são enormes, com entraves legais e três grandes questões: o governo deve permitir a participação estrangeira na indústria nuclear; quem vai querer bancar o restante da construção da usina e pagar a dívida pendente; e quem vai querer comprar a energia a ser gerada, que deverá ser a mais cara do planeta?
Para aceitar apertar a mão do presidente Michel Temer e firmar parceria sobre a retomada de Angra 3, o presidente russo Vladimir Putin pode pedir que a construção de novas usinas nucleares pela Rússia venha dentro do pacote. O acordo prevê “a potencial construção de novas usinas no Brasil e suporte durante todo seu ciclo de vida”, divulgou a Eletrobras. A gestão do combustível nuclear, algo que hoje é restrito à União pela Constituição, também pode entrar no pacote.
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Ivan Dybov, presidente da Rosatom, disse à Gazeta do Povo que a “tanto a finalização de Angra 3 como a construção de novas usinas poderiam ser áreas prospectivas para essa cooperação” e que a empresa tem “experiência única em finalização de projetos que não são de design da própria Rosatom”. “No momento, estamos trocando informações sobre aspectos técnicos do projeto de Angra 3, e claro, prontos para discutir possíveis modelos de negócios com os nossos parceiros”, afirmou Dybov.
A Eletronuclear, subsidiária responsável pelas usinas nucleares, afirma que está buscando parceiros para levar adiante a obra, iniciada em 1984 e interrompida em 2015 como reflexo da Operação Lava Jato. Segundo a empresa, as obras de construção estão 67,3% concluídas. A desistência da construção significaria um prejuízo bilionário, com o vencimento do empréstimo com o BNDES.
Este ano a situação ganhou outro nível de criticidade. O BNDES começou a cobrar os juros do financiamento obtido para construir Angra 3. A Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben) calcula que esse custo é da ordem de R$ 30 milhões por mês para a Eletronuclear.
O buraco, que agora pode ser compartilhado com um parceiro internacional, pode ser ainda maior. Edvaldo Santana, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), avalia que nem 30% da usina está concluída e serão necessários mais R$ 10 bilhões para terminar a obra. “Isso uma hora vai ser repassado para o consumidor de energia”, avalia.
A energia gerada pela usina (sua capacidade prevista é de apenas 0,9% do total do Brasil) será a mais cara do mundo para essa fonte, computando os atrasos e revisões contratuais realizadas nesses 33 anos de projeto. Santana calcula que a energia de Angra 3 deve chegar a custar R$ 480 o MW/hora, a mais cara para usinas nucleares em todo o mundo. Esses valores seriam pagos pelos consumidores de energia de todo o país e são mais que o dobro do que era estimado pelo governo.
Em 2010, o Ministério de Minas e Energia atualizou os termos da contratação da energia que viria a ser gerada por Angra 3. A eletricidade foi comprada pelo governo como Energia de Reserva, por 35 anos. O preço inicial era de R$ 148,65 por MWh, em 2009, e chegaria a R$ 238,21 por MWh em 2017.
Chineses e Franceses também estão em negociação, diz Eletronuclear
O governo brasileiro também está em tratativas com China e França para arrumar uma solução para Angra 3. “Estamos buscando parceiros para ajudar na retomada da construção de Angra 3, e a Rosatom é um dos candidatos. O interesse tem sido grande”, informou a Eletronuclear à Gazeta do Povo.
“Assim como os demais candidatos – como a CNNC, da China, e a EdF francesa, em parceria com a japonesa Mitsubishi –, a Rosatom é uma empresa de grande capacidade tecnológica, fator que pode contribuir muito para a conclusão bem-sucedida das obras. Há outras companhias internacionais do setor nuclear interessadas, e a Eletronuclear conduzirá o processo de seleção do parceiro”, afirmou a estatal brasileira.
A empresa internacional que vier a se tornar parceira da Eletronuclear deverá ser remunerada com parte do resultado da venda da energia após a conclusão da obra. Esse parceiro internacional também não deve estar disposto a assumir as dívidas do passado da empresa. Quem pagará o prejuízo já contratado ainda é uma questão em estudo pelo governo federal. No balanço da Eletrobras de 2016, consta dívida de R$ 4,072 bilhões com a Eletronuclear, somente da parcela que já foi reconhecida.
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A inclusão de projetos de novas usinas nucleares no país pode ser um ponto que ajude a compensar a parceria para o investidor internacional. Outro ponto que pode interessar os estrangeiros e está prevista no acordo firmado com os russos é a manutenção do combustível nuclear, que com cortes orçamentários realizados neste ano está prejudicada. Sem caixa e com dívidas, a Eletronuclear está tendo dificuldade para pagar as Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Essa atividade também pode ser transferida ao parceiro internacional, a depender de mudanças na lei.
Continuidade depende do Congresso, que pode emperrar discussão sobre Eletrobras
O equacionamento e a retomada das obras de Angra 3 ainda não foram aprovados pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) da Presidência da República, que conta com representantes dos Ministérios de Minas e Energia, da Fazenda e do Planejamento.
Tais mudanças dependerão do Congresso brasileiro, o que demandará esforços do governo brasileiro e deverão enfrentar grande resistência da oposição e de entidades de defesa do meio ambiente, como o Greenpeace, que combateram mudanças da gestão Temer sobre regras de exploração da mineração na Amazônia e conseguiram fazer o governo recuar.
Essas mudanças poderão vir juntas da proposta de reforma do setor elétrico brasileiro, sem a qual não se pode privatizar a Eletrobras. No pacote, estará a proposta de segregar a Eletronuclear e a usina hidrelétrica de Itaipu no processo de privatização.
Em 2015, quando o então presidente da Eletronuclear, almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, foi condenado na Lava Jato por corrupção, o governo federal começou a estudar a situação de Angra 3. Na época, chegou a ser considerada a desistência da obra. Mas outro modelo surgiu, o de permitir que uma empresa internacional construísse a obra e entregasse a operação ao governo brasileiro.
O ministro de Minas e Energia à época, Eduardo Braga (senador pelo PMDB-AM), afirmava que estavam em estudo 21 pontos estratégicos para a construção de quatro novas usinas nucleares.
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