Denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção e obstrução da Justiça, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) pode virar réu nesta terça-feira (17).
A decisão caberá aos cinco ministros da Primeira Turma do STF – Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso. Se aceitarem a denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR), será a primeira ação penal contra o tucano no Supremo. Ele é alvo de mais oito investigações na Corte.
Para quem não lembra, Aécio foi flagrado num diálogo estranho – para dizer o mínimo – com o empresário Joesley Batista, sócio do frigorífico JBS. A gravação foi feita em 24 de março de 2017, no hotel Unique, em São Paulo. Mais ou menos meia hora de conversa.
Ali os dois combinam a entrega de R$ 2 milhões para o tucano, divididos em R$ 500 mil por semana. Nessa hora, ambos baixam o volume. Decidem que o repasse será feito em dinheiro, por meio de intermediários. Quem vai receber por Aécio é seu primo Frederico Pacheco de Medeiros, o Fred. Joesley diz que mandará um “menino” dele.
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É um momento curioso porque, depois de citar Fred, o senador diz que “tem que ser um que a gente mata ele antes dele fazer delação”. E ri. Os dois riem. Tensão quebrada. Pouco depois, passam a falar sobre indicações para a mineradora Vale.
Aécio já se pronunciou algumas vezes sobre a gravação, a última nesta segunda (16). Lamenta o “vocabulário inadequado” e as “brincadeiras injustificáveis e de enorme mau gosto”. Diz que foi ingênuo, cometeu erros e se penitencia diariamente por eles.
Mas o senador insiste que não cometeu nenhuma ilegalidade. Que foi vítima de uma armadilha montada por criminosos. Joesley, como se sabe, usou esse e outros áudios (um deles com o presidente da República, Michel Temer) para fechar uma delação “superpremiada” que temporariamente o afastou das garras da Justiça, mas que acabou anulada por outras conversas que comprometeram o próprio empresário.
Ainda assim, é de se questionar por que alguém recebe um criminoso num hotel de luxo, conversa longamente com ele (compartilhando frustrações, analisando o cenário político, reclamando da Polícia Federal, rindo, falando palavrões) e ainda aproveita para acertar como receberá R$ 2 milhões desse mesmo bandido.
Aécio sustenta que o dinheiro não é de propina, como acusa a PGR, e sim que serviria para pagar advogados – no áudio ele dá a entender isso mesmo. Aécio também diz que não houve corrupção porque foi um negócio privado, que não envolveu dinheiro público – na conversa, Joesley conta que a soma vem de suas “lojinhas” – nem contrapartida.
A PGR, no entanto, não fala só nesse dinheiro. Aponta que os sócios da JBS disseram ter repassado em 2014 R$ 60 milhões a empresas indicadas pelo senador, além de ter pago políticos para participarem da coligação de Aécio, que naquele ano disputou a Presidência.
Segundo Aécio, também não houve tentativa de obstruir investigações. A PGR, por sua vez, argumenta que o senador tentou embaraçar da Lava Jato. Que atuou para aprovar o projeto de lei sobre abuso de autoridade e a anistia para crimes de caixa dois, além de fazer pressão sobre o governo para escolher delegados responsáveis pela operação. O começo do papo com Joesley é mesmo nesse tom.
A narrativa de Aécio faz sentido até certo ponto. Mas tem omissões importantes. Até agora ele não explicou direito por que foi pedir empréstimo ao dono do frigorífico e não ao banco, como tanta gente faz. Nem por que um empréstimo legal entre dois particulares – como alega – foi feito com o jeitão tortuoso de quem esconde alguma coisa.
Segundo a denúncia da PGR, o dinheiro foi entregue em parcelas, em abril e maio de 2017, por Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais da JBS. O dinheiro foi repassado a Fred, o primo de Aécio, e ao ex-assessor parlamentar Mendherson Souza Lima. Posteriormente, R$ 480 mil foram apreendidos na casa da sogra de Souza Lima, na Grande Belo Horizonte. E R$ 1,5 milhão foi devolvido por Fred, depositado numa conta judicial.
No memorial enviado ao STF em que reiterou a denúncia contra Aécio, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, observou que, conforme diálogo gravado, “Frederico, primo de Aécio, demonstra preocupação de ser descoberto recebendo vultosa quantia em espécie, e deixa claro que apenas está agindo daquela forma por lealdade a Aécio. Aqui, aliás, cai por terra a alegação do acusado Frederico de que não sabia da ilicitude dos valores que, com a ajuda do acusado Mendherson, recebeu”.
“Ademais”, prossegue a procuradora-geral, “desafia a lógica, o bom senso e qualquer noção de normalidade imaginar que Joesley Batista concederia empréstimo de 2 milhões de reais a Aécio Neves sem documentá-lo de alguma forma. Isso retiraria a possibilidade de Joesley, como mutuante, cobrar de Aécio Neves, o suposto mutuário, os valores emprestados. Daí se conclui que, na prática, tal empréstimo consistiu em entrega de vantagem indevida”.
ATUALIZAÇÃO: A versão original deste artigo mencionava que os R$ 2 milhões repassados pela JBS foram parar – conforme investigações da PF – na conta da Tapera Participações Empreendimentos Agropecuários, empresa de Gustavo Perrella, filho do senador Zezé Perrella (PSDB-MG). Mas, segundo a defesa de ambos, “extratos bancários comprovaram que não houve nenhum depósito ou possível relação” entre os valores mencionados e Gustavo, Zezé e seus familiares e empresas. O dinheiro foi em parte apreendido na casa da sogra do assessor parlamentar Mendherson Souza Lima (R$ 480 mil), e em parte devolvido à Justiça por Frederico Pacheco de Medeiros, o Fred (R$ 1,5 milhão).
A chamada “cota” da denúncia oferecida em junho de 2016 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fazia menção a “fortes indícios” de que a empresa Tapera pode ter sido usada como “instrumento de lavagem de dinheiro de recursos recebidos ilicitamente”, mas ponderava que “os fatos precisam ser melhor investigados”. Eles são objeto do inquérito 4519, que está em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A denúncia aceita pelo STF, que tornou Aécio réu, não diz respeito a esses indícios.
O texto original deste artigo também mencionava um helicóptero apreendido, em 2013, com 445 quilos de cocaína. Esse helicóptero não pertence a Gustavo Perrella, como afirmava o texto original, e sim a uma empresa que tem familiares dele em seu quadro societário, segundo a defesa. Além disso, a Polícia Federal concluiu, à época, não haver vínculo entre Zezé e Gustavo Perrella com o crime, e por isso eles não foram indiciados. A PF também concluiu que o piloto da aeronave foi aliciado por uma quadrilha.
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