| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

O advogado norte-americano Mike Godwin observou que quase sempre que alguém estava perdendo uma discussão longa e acalorada recorria ao nazismo como argumento para tentar reverter a derrota iminente. Seria uma espécie de última cartada, um gesto de desespero argumentativo. Afinal, ninguém em sã consciência pode defender os nazistas. E então ele cunhou, em 1990, aquela que hoje é conhecida como a Lei de Godwin: “À medida que cresce uma discussão, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou o nazismo aproxima-se de 100%”.

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A defesa do ex-presidente Lula caiu na armadilha das analogias nazistas. E, na prática, os advogados dele admitiram qual resultado esperam no primeiro julgamento do ex-presidente numa ação da Lava Jato: a condenação pelo juiz Sergio Moro.

Nas alegações finais do processo do tríplex, os defensores do ex-presidente afirmaram que a tese usada pelo Ministério Público Federal (MPF) para pedir a condenação de Lula é a mesma utilizada por Hitler para viabilizar o nazismo na Alemanha: a flexibilização do princípio jurídico da presunção de inocência em nome do suposto “bem da sociedade”.

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Nesse sentido, a defesa tenta colocar Moro contra a parede: uma eventual condenação o transformaria imediatamente num “nazista”. Afinal, quem quer ser chamado de nazista?

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Exagero retórico

A analogia com o nazismo é um evidente exagero retórico da defesa de Lula. A Alemanha de Hitler foi uma máquina de extermínio de massa em nome da suposta pureza e superioridade da raça ariana. Perseguiu, segregou e matou sistematicamente – como política deliberada de Estado – milhões de judeus, ciganos, homossexuais, eslavos, deficientes, dissidentes políticos. Sem qualquer tipo de julgamento.

Não há nada equivalente por aqui. Buscar uma comparação entre o Brasil de hoje e a Alemanha do período entre 1933 e 1945 chega a ser uma ofensa à memória das vítimas do nazismo, pois reduz as atrocidades cometidas por Hitler.

A favor da defesa de Lula, porém, deve-se esclarecer que as alegações finais apenas sugerem que o Brasil está numa situação similar ao início da implantação do nazismo na Alemanha, quando o pior estava por vir.

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Mas essa também é uma argumentação fraca. Nesse caso, os advogados do ex-presidente parecem recorrer à chamada falácia da rampa escorregadia: exagera-se nas consequências futuras de algo que pode ocorrer agora. É uma estratégia enviesada de convencimento. A falácia é claramente identificável em argumentos do tipo: se isso for feito, não será possível evitar aquilo. Como se alguém, ao subir numa rampa lisa demais, não conseguisse evitar o inevitável: o deslize.

O argumento falacioso da defesa de Lula é sugerir que uma condenação do ex-presidente vai levar o Brasil ao nazismo. Nunca se pode desconsiderar as ameaças à democracia. Mas muitíssimo mais coisas teriam de ocorrer para que o país se aproximasse de um regime como a da Alemanha nazista. Nem mesmo a ditadura militar brasileira (1964-1985) passou perto disso.

A tática da defesa de Lula é a mesma usada contra o PT por muito tempo com o sinal trocado: os petistas, se forem eleitos, vão implantar o comunismo no Brasil. Implantaram? Claro que não.

Desvio de foco

A ação contra Lula, enfim, é tão somente isto: uma ação contra o cidadão Lula. Um processo importantíssimo por todo o simbolismo que carrega. Mas apenas um processo contra Lula. Não uma ação de vida ou morte contra um segmento social ou étnico inteiro.

Obviamente, a acusação e o julgamento são passíveis de erro. E talvez esteja aí o maior equívoco da defesa do ex-presidente em apelar para o exagero retórico: desviar a atenção daquilo que realmente importa no processo. Afinal, há juristas independentes, sem qualquer vinculação partidária, que veem muitas fragilidades nas provas contra Lula no processo do tríplex.

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Essa é uma discussão técnico-jurídica que certamente irá chegar às instâncias judiciais superiores, onde o ex-presidente terá novas oportunidades para provar sua alegada inocência. E nas quais a Lava Jato eventualmente poderá ter seus supostos exageros corrigidos.

Mas é preciso considerar que Lula quer ser candidato a presidente em 2018. E o ex-presidente precisa de um discurso para os eleitores. O de vítima costuma cair bem numa campanha. Melhor ainda se for vítima de “nazistas”. No imaginário coletivo, quem se opôs a Hitler é um herói.