Na primeira entrevista concedida após a prisão de Lula, o juiz da Lava Jato Sergio Moro disse à revista Crusoé que não se sentiu desafiado pelo fato de o ex-presidente ter desrespeitado o prazo concedido para se apresentar à Polícia Federal. “Isso nunca foi e não é uma questão pessoal entre ele e eu. Estou apenas fazendo o meu trabalho como juiz”, afirmou.
A ordem de prisão foi emitida no dia 5 de abril, uma quinta-feira, e Lula deveria ter se entregado no dia seguinte. Mas preferiu resistir até o sábado, 7 de abril, entrincheirado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP).
“Não era uma questão de mostrar quem era mais forte, mas de agir com sabedoria”, disse Moro, que falou ainda sobre momentos de tensão, arrependimentos e riscos a sua integridade física por causa do trabalho na Lava Jato.
Acompanhe a seguir os melhores momentos da entrevista dele:
A prisão de Lula e o descumprimento do prazo
“O prazo foi concedido em virtude da dignidade do cargo por ele ocupado e igualmente para prevenir riscos aos policiais, a ele e aos militantes partidários, se o mandato de prisão tivesse que ser cumprido a força. O ex-presidente escolheu não aproveitar a oportunidade e entregou-se apenas no dia seguinte (...). Não é uma questão de mostrar quem é o mais forte, mas de agir com sabedoria. Mas não me senti desafiado, isso nunca foi e não é uma questão pessoal entre ele e eu. Estou apenas fazendo o meu trabalho como juiz.”
O senhor votou em Lula ou no PT?
“Não revelo minhas preferências políticas nem votos pretéritos. Um juiz tem que tomar muito cuidado para não externar preferências políticas.”
Brasil está vencendo a corrupção?
“Os processos são importantes, tem que haver resposta institucional, as pessoas que cometeram crimes têm que ser punidas, mas é preciso fazer reformas. Estamos cuidando apenas do aspecto patológico da corrupção, e não de suas causas, embora a impunidade seja também uma causa. Tenho a firme crença de que só enfrentar os casos na Justiça não é suficiente.”
Democracia em risco
“Não vejo isso. Não vejo revolução, revolta nas ruas. Não vejo risco de retrocessos autoritários. Eu vejo o contrário. As instituições estão funcionando, e o que está prevalecendo é o império da lei. A impunidade que nos envergonha, embora ainda exista, não está mais no mesmo nível do passado (...) Ao fim desse processo, a minha crença é que a democracia estará ainda mais forte no Brasil do que no passado.”
Ataques que sofre na internet
“Tentam retirar minha legitimidade e a minha credibilidade. Eu acho muito deplorável isso. Não vejo condições de vir publicamente, a cada momento, refutar as fake news que aparecem em sites ou, às vezes, até por supostos jornalistas. Eu acho que não vale a pena. Não se deve dar atenção a quem não merece. Tem um velho ditado que diz que não se deve atirar uma pedra em todo cão que ladra.”
Acusação de ligação com a CIA
“Isso é fake news. É algo tão sem sentido... Há gente que se comporta como se estivéssemos na Guerra Fria, na década de 1960, 1970, 1980.”
Maior decepção na Lava Jato
“Eu acho injusta as críticas de que o meu trabalho seria seletivo. Isso eu acho injusto. Aí há quem queira manipular a opinião pública e, no fundo, se defender. Não raramente, quem afirma isso não é porque quer ver punida a pessoa que ainda não sofreu os rigores da lei, mas sim porque quer usar isso como álibi para sair livre. Às vezes colocam responsabilidade aqui sobre a 13ª Vara de casos que nem se encontram em nossas mãos (...) Não temos aqui em Curitiba uma jurisdição universal.”
Momentos de tensão
“Foram vários os momentos tensos nesses quatro anos. Logo no início houve aquela decisão do ministro Teori Zavascki que determinava a liberação de todos os que tinham sido presos preventivamente na primeira fase da operação: Paulo Roberto Costa, Alberto Yousseff e um grande traficante de drogas. Havia risco de fuga e de destruição de provas. Mas, melhor informado, o ministro Teori voltou atrás e manteve as prisões (...). A primeira audiência pública que revelou a extensão dos crimes na Petrobras (...) no sentido de que compreendi que não tinha mais retorno. Abrimos uma porta e não tinha como voltar atrás (...). A fase em que houve as prisões cautelares de vários dirigentes de empreiteiras, pelo poder econômico dos presos (...). E o próprio momento em que houve a condução coercitiva do ex-presidente (Lula).”
Um arrependimento
“Aquela foto com o senador (Aécio Neves) em um evento público. Nada contra o senador, ele tem os problemas dele na Justiça, tem que responder lá (...), mas aquilo foi utilizado para ilustrar algo que não é real, para mostrar alguma influência do senador, alguma seletividade (...). Foi um momento ruim porque deu uma impressão errada, gerou uma impressão que não era verdadeira.”
Tem medo de morrer?
“Sou um juiz criminal faz tempo e um juiz, assim como um policial, procurador ou até advogado, se envolve em situações de risco. Então, (morrer) não é uma coisa que passa muito pela minha cabeça (...) A minha expectativa natural é que eu possa percorrer todo esse caminho sem incidentes de violência. É claro, no entanto, que preciso tomar uma série de cautelas.”
O desejo de deixar a Lava Jato
“Eu gostaria de sair realmente, porque foi um trabalho realmente desgastante. Gostaria de sair, de ter oportunidade para aprimorar meus estudos, até para retornar sendo um melhor juiz. Mas gostaria de fazê-lo quando esse trabalho estivesse encerrado. Passar um tempo fora, estudando (...) Mas, com certeza, pelo menos em 2018, a operação segue.”
A fama
“Tem que ter sempre o pé no chão. Esse não é um trabalho de um único indivíduo. Envolve várias pessoas, de várias instituições. Do Judiciário, do Ministério Público, da polícia principalmente (...) É preciso ter presente que os méritos são institucionais, o que é o lado mais importante. A operação será algo positivo se, ao final, tivermos instituições mais fortes (...) Tendo isso presente, eu chego à conclusão de que a fama pessoal é passageira, que decorre do calor do momento. Essas coisas passam.”
Já passou pela cabeça entrar na política?
“Eu fiz uma promessa que não ia concorrer a nenhum cargo político. Pretendo manter essa promessa. Mas a meu ver não tem nada de inerentemente errado no fato de um juiz, um procurador ou um membro da polícia seguir a carreira política.”