Depois de uma semana tensa, a relação entre o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), entra em uma nova semana sem expectativa de melhora. Depois de uma intensa troca de farpas entre os dois, que teve seu ápice no final de semana, o líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), afirmou que o presidente está convicto de suas atitudes, em um indicativo de que a temperatura não deve baixar tão cedo.
“Nosso presidente está certo e também convicto de suas atitudes. Estive com ele hoje pela manhã. As práticas do passado não nos levaram ao caminho em que queremos estar. Todos nós, em particular do PSL, somos agentes para ajudar a mudar a situação em que nos encontramos”, escreveu o líder no grupo de deputados, por volta de 13h30 deste domingo (24).
“Todos que nos elegemos nessa legislatura (passamos, pois, pelo crivo das urnas e da população que não aguenta mais...), eleitos e reeleitos, temos a possibilidade de escolher de que lado estar... somos todos a nova política. Não dá mais...”, completou Vitor Hugo.
Pressão do Congresso
A crise começou a tomar forma ainda na semana retrasada, depois de uma reunião entre Bolsonaro e Maia para tratar da tramitação da reforma da Previdência. O presidente da Câmara alertou Bolsonaro da necessidade de melhorar a articulação com o Congresso Nacional, que vinha se sentindo desprestigiado. Após a reunião, em uma videoconferência com ministros que visitavam a estação brasileira na Antártida, Bolsonaro bateu na “velha política”.
A reclamação foi feita no mesmo dia em que o governo anunciou a liberação de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares. "Vocês sabem que as pressões são enormes porque a velha política parece que quer nos puxar para fazer o que eles faziam antes. Nós não pretendemos fazer isso", disse o presidente.
As críticas irritaram Maia, que ironizou a interferência do governo no Legislativo. "Eu acho engraçado. Quando dizem que o Parlamento quer indicar alguém no governo é toma lá da cá. Quando eles querem indicar relator aqui e interferir no processo legislativo não é toma la da cá?", disse o presidente da Câmara, na última quarta-feira (20).
O clima ficou ainda mais pesado depois que o ministro da Justiça, Sergio Moro, cobrou de Maia a tramitação do projeto de lei anticrime na Câmara. Para Maia, o ministro “passou da fronteira” ao tentar interferir no andamento do projeto na Casa.
Prisão de Temer
Na quinta-feira (21), Bolsonaro aumentou a temperatura da crise ao atribuir à “velha política” a prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB) na Lava Jato do Rio de Janeiro. "Cada um responde por seus atos, mas está claro que a política em nome da governabilidade, feita no passado, não deu certo, não estava correta", afirmou Bolsonaro sobre a prisão.
Além de Temer, a Polícia Federal também prendeu o ex-ministro Moreira Franco, que é sogro de Rodrigo Maia.
Nas redes sociais, o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, ironizou Maia ao comentar a troca de farpas do presidente da Câmara com seu pai. “Por que o presidente da Câmara anda tão nervoso?”, questionou Carlos no Facebook, logo após a prisão de Temer e seus aliados.
O ataque deixou Maia ainda mais irritado. O presidente da Câmara chegou a ligar para o ministro da Economia, Paulo Guedes, para dizer que não faria mais parte da articulação política para aprovar a reforma da Previdência. Maia teria dito que a partir de agora faria a “nova política”, que segundo ele se resume a não fazer nada e esperar por aplausos nas redes sociais”.
Viagem ao Chile
Ao viajar ao Chile, Bolsonaro voltou a atacar a “velha política”, deixando Maia ainda mais irritado. O presidente da Câmara deu diversas entrevistas no final de semana criticando Bolsonaro e dizendo que ele precisa se envolver mais na articulação pela reforma da Previdência. E criticou os ataques à política.
“Nós estamos na nova política, nós queremos a nova política, o Brasil quer mudar e os deputados sabem disso. O presidente foi eleito, com esse discurso, mais até do que muitos deputados que foram reeleitos que já vêm da política, que fazem política. Agora, o Brasil quer construir um ambiente novo, ele foi eleito para isso, mas ele precisa colocar alguma coisa no lugar”, disse Maia no sábado (23) pela manhã. “Infelizmente, nem Trump colocou nada no lugar, nem aqueles que defenderam o Brexit colocaram ainda algo no lugar, nem a Espanha colocou nada no lugar porque teremos novas eleições porque o governo caiu. Esses movimentos são muito competentes para tirar algo do lugar, mas ainda não construíram um caminho para colocar algo”, complementou o presidente da Câmara.
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Enquanto isso, no Chile, Bolsonaro continuava criticando o que chama de velha política. “Tem atritos que acontecem, mesmo eu estando calado, fora do Brasil, ocorrem na política lá dentro, porque alguns, não são todos, não querem largar a velha política”, disse o presidente.
Sobre as críticas do presidente da Câmara, Bolsonaro disse não entender o tom agressivo. “Nunca o critiquei, eu não sei por que ele de repente está se comportando dessa forma um tanto quanto agressiva no tocante à minha pessoa”, disse o presidente. “Eu até perdoo o Rodrigo Maia pela situação pessoal que ele está vivendo. O Brasil está acima dos meus interesses e do dele. O Brasil em primeiro lugar", afirmou Bolsonaro, fazendo referência à prisão de Moreira Franco.
Assessor de Bolsonaro endossa críticas e aumenta a temperatura
O assessor especial do presidente Jair Bolsonaro para assuntos internacionais, Filipe Martins, usou o Twitter no fim de semana para defender que alas do governo se unam e articulem uma mobilização popular para proteger a Lava Jato, promover reformas econômicas e quebrar “a velha política”. Em uma série de postagens na rede social e sem citar nomes, Martins afirmou que “há uma flagrante tentativa de isolar” o grupo “anti-establishment” do governo, no qual ele se insere.
Segundo ele, é “ilusão” acreditar que será possível avançar sem “romper com a forma convencional de fazer política no Brasil”. Por isso, em sua avaliação, é preciso que o governo trabalhe para aquecer seu eleitorado. “A única forma de ativar a lógica da sobrevivência política é por meio da pressão popular, por meio da mesma força que converteu a campanha eleitoral do presidente da República Bolsonaro em um movimento cívico e tornou possível sua vitória. É necessário, em suma, mostrar que o povo manda no país”, escreveu.
As publicações foram feitas no momento em que a relação do presidente da Câmara com o Executivo ficou estremecida por causa de ataques ao deputado postados nas redes sociais por partidários do presidente.
A declaração contribuiu para aumentar a cizânia entre governo e Maia. “Uma pessoa que afronta a democracia brasileira nas redes sociais, você me desculpa, ou ele é autoritário, ou ele tem algum problema. E nós não podemos aceitar. A gente não pode brincar com a democracia no Brasil”, disse Maia ao jornal O Estado de S.Paulo ao ser questionado sobre a publicação.
Ainda em meio à crise, o líder do governo na Casa, major Vitor Hugo (PSL-GO), afirmou a deputados de seu partido neste domingo (24) que o presidente Jair Bolsonaro está convicto de suas atitudes. Em mensagens de Whatsapp para a bancada do PSL, ele indicou que Bolsonaro não negociará e fez criticas à velha política, acirrando a tensão entre poderes. As postagens no grupo da sigla ocorreram logo depois de um encontro dele com o presidente, no Palácio da Alvorada.
Turma do deixa disso
Após as novas declarações, interlocutores de Maia e de Bolsonaro tentam jogar água na fervura política e marcar uma conversa entre os dois. O deputado, porém, está irredutível e diz que não precisa falar com o presidente.
Na noite de domingo (24), em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o líder do PSl na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), buscou baixar o tom agressivo das declarações e pediu “amadurecimento”. Segundo ele, “é um grande equívoco continuar fazendo essa diferença entre nova e velha política” e Bolsonaro e Maia estão numa “acirrada disputa pelo nada”. “As ações do Rodrigo e do presidente, essa troca de farpas não é algo importante para o país. As pessoas estão morrendo por falta de emprego, segurança e saúde. Nós temos que mudar a pauta parlamento. Coloquem suas divergências de lado.”
O próprio Maia parece ter decidido não acirrar mais os ânimos. Num jantar em sua casa na noite do domingo (24), lideranças do Centrão – grupo de partidos do qual Maia faz parte – decidiram tentar “baixar a temperatura” da crise entre o governo e o Congresso.
Durante o jantar, os parlamentares conversaram sobre o decreto de Bolsonaro que isentou norte-americanos de visto para entrar no Brasil. Na semana passada, um grupo ameaçava retaliar o governo com a aprovação de um projeto que anularia este decreto de Bolsonaro. Segundo um líder, Maia sugeriu que essa estratégia fosse abandonada, justamente para acalmar os ânimos. No entanto, esse recuo ainda não é consenso entre os líderes. Eles devem ainda bater o martelo sobre essa questão no início desta semana.
Os aliados de Maia, contudo, defendem que ele não assuma a função de articular a aprovação da reforma da Previdência. “Esse é o trabalho dos líderes do governo”, disse um interlocutor. “Maia não tem essa responsabilidade institucional”, afirmou.