O projeto do submarino nuclear brasileiro, que completa dez anos em 2018, já consumiu R$ 21 bilhões em recursos públicos, em valores corrigidos pela inflação. Envolvido na Operação Lava Jato, o programa – que também inclui a construção de quatro submarinos convencionais – teve o cronograma atrasado pela crise econômica, que limitou os repasses de verbas nos últimos anos.
Batizado de Almirante Álvaro Alberto, em homenagem a um dos pioneiros do programa atômico brasileiro, o submarino nuclear deve ser lançado ao mar somente em 2029, segundo a meta atual, sete anos mais tarde que o previsto inicialmente.
Os quatro submarinos convencionais, de propulsão diesel-elétrica, devem ficar prontos antes, mas também com atrasos. O primeiro deles, o Riachuelo, deveria estar pronto em 2016, mas agora sua conclusão é esperada para o fim deste ano e a incorporação à frota da Marinha, para 2020. Os demais – Humaitá, Tonelero e Angostura – devem ser lançados entre 2020 e 2022.
Os prazos originais de lançamento ao mar dos submarinos constam do “Livro Branco de Defesa Nacional”, publicado em 2012 pelo Ministério da Defesa. Responsável pelo Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), a Marinha confirma o atraso de dois anos na conclusão nas embarcações convencionais, mas considera que o lançamento do equipamento nuclear foi adiado em quatro anos, e não sete, por entender que o prazo inicial era de 2025 – e não 2022, como afirma o livro do Ministério da Defesa.
Em nota enviada à Gazeta do Povo, a Marinha afirmou que ajustes de metas e de cronograma “são muito comuns e mesmo necessários” em programas de Estado estratégicos e de longo prazo, como o Prosub. E afirmou que as atuais datas de lançamento “deverão ser cumpridas”.
Parceria estratégica com a França
O Prosub foi orçado inicialmente em 6,8 bilhões de euros, cerca de R$ 26 bilhões pela cotação atual. É dividido em três ações: a construção do estaleiro e da base naval em Itaguaí (RJ); a produção dos submarinos convencionais; e a fabricação da embarcação de propulsão nuclear.
O programa faz parte de uma parceria estratégica entre Brasil e França, para cooperação na área de defesa, assinada no fim de 2008 pelos então presidentes Lula e Nicolas Sarkozy. Fabricante naval escolhida para executar o projeto e responsável pela transferência de tecnologia ao Brasil, a estatal francesa DCNS – que no ano passado mudou de nome para Naval Group – convidou a empreiteira Odebrecht para ser sua parceira local. Entre as empresas participantes está a estatal Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), fabricante dos anéis metálicos que, soldados, formam o casco do submarino.
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Os submarinos serão usados no controle da área do Atlântico Sul que o governo apelidou de “Amazônia Azul”, um território de 4,5 milhões de quilômetros quadrados que concentra 80% da produção de petróleo do país, além de grandes reservas de gás natural. O acordo entre Brasil e França foi assinado pouco mais de um ano depois que a Petrobras anunciou a descoberta de grandes reservas de petróleo e gás na camada pré-sal.
A frota brasileira tem hoje cinco submarinos, todos diesel-elétricos, lançados ao mar entre 1987 e 2005. O mais antigo foi produzido na Alemanha e os demais, no Brasil, com tecnologia alemã.
Queda nos desembolsos
Segundo informações da Marinha confirmadas pela organização Contas Abertas, que monitora a execução do orçamento federal, entre 2009 e 2017 o governo repassou R$ 16,4 bilhões às três ações do programa de submarinos, em termos nominais. Atualizando os números pelo IPCA acumulado até 2017, o valor total chega a R$ 21 bilhões.
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A maior verba foi destinada ao estaleiro e à base naval, que receberam R$ 10 bilhões, já considerando a inflação. Aos submarinos convencionais foram destinados R$ 8,2 bilhões e ao nuclear, R$ 2,8 bilhões.
O fluxo de recursos teve duas fases bem distintas, uma de bonança e a outra, que persiste até hoje, de restrições. Entre 2010 e 2014, os gastos com os submarinos foram de R$ 3 bilhões por ano, em média, em valores atualizados. Na sequência, no entanto, os desembolsos encolheram em meio à crise de caixa do governo federal, para perto de R$ 1,6 bilhão por ano. “Essa redução se deveu ao corte estabelecido, pelo governo, em função da situação fiscal global do país nesse período”, informou a Marinha.
Segundo a Marinha, 54% do orçamento total do Prosub vai para a francesa Naval Group (ex-DCNS), responsável pelo projeto dos submarinos convencionais, armamento, transferência de tecnologia e pacote de materiais. Outros 32% vão para a Odebrecht, responsável pelas obras civis do estaleiro e da base naval da Marinha, além da Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas da Nuclep. A Itaguaí Construções Navais (ICN) – sociedade formada por Odebrecht (59%) e Naval Group (41%) – recebe os demais 14%, para a construção dos submarinos.
Programa rendeu propina ao PT, segundo delator da Lava Jato
Principal contrato da Odebrecht com o governo federal, o Prosub acabou envolvido na Operação Lava Jato. Em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-presidente da construtora Odebrecht Benedicto Barbosa da Silva Júnior disse que repassou R$ 17 milhões em propinas ao PT entre 2012 e 2013. O executivo é um dos 78 dirigentes da empreiteira que assinaram delação premiada na Lava Jato.
“Ele [Marcelo Odebrecht, então presidente do grupo empresarial] me alocou R$ 17 milhões ao longo da vida do submarino”, afirmou Benedicto ao TSE em março de 2017. “Ficou uma deliberação para o Partidos dos Trabalhadores ao longo das suas necessidades. Foi feito como caixa 2, mas não era campanha.”
O programa de submarinos também está na mira de autoridades da França. Promotores franceses investigam, desde outubro de 2016, indícios de “corrupção de autoridades estrangeiras” no contrato firmado entre a DCNS e o Brasil. Quando a informação foi divulgada, em maio do ano passado, a DCNS negou qualquer irregularidade. “Não temos nenhuma relação com a Lava Jato. A DCNS respeita escrupulosamente as regras da lei ao redor do mundo”, afirmou um porta-voz na época.
Em nota encaminhada à Gazeta do Povo após a primeira publicação da reportagem, a Marinha do Brasil, por meio da Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM), negou haver denúncia de irregularidade na Lava Jato relativa ao Prosub.
“A citação ocorrida no âmbito da Lava Jato, envolvendo empresa que participa do programa, refere-se a fatos que não têm vínculo com o Prosub nem com a Marinha. Ademais, reiteramos que, por iniciativa da própria Marinha do Brasil, há fiscalização externa na execução do Prosub desde 2009, por meio do Tribunal de Contas da União (TCU), e há assessoramento ao Programa por meio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que verifica a quantidade e a qualidade dos serviços medidos na obra, e do Instituto Brasileiro de Engenharia de Custos (IBEC), que verifica os critérios de medição e os respectivos custos”, diz a nota da Marinha.
Primeiro submarino do Prosub, Riachuelo deve ficar pronto neste ano
Três seções do submarino convencional Riachuelo foram transferidas, nos dias 12 e 13 de janeiro, da Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM) da Nuclep, em Itaguaí, para o estaleiro da Marinha, no mesmo município. Juntas elas pesam 619 toneladas e têm 40 metros de comprimento. Outras duas seções, pesando 487 toneladas e medindo 30 metros, serão transportadas “em breve”, segundo a Marinha.
O estaleiro da Marinha fará a montagem final das estruturas, com a instalação de cabos e equipamentos nos cascos.A conclusão é esperada para o fim deste ano.
O Riachuelo e os outros três submarinos convencionais do Prosub – Humaitá (previsto para 2020), Tonelero (2021) e Angostura (2022) – são derivados das embarcações francesas classe Scorpène, desenvolvidas pela DCNS.
Submarino nuclear é mais rápido e tem mais autonomia
Os submarinos de propulsão nuclear são, em geral, maiores, mais rápidos e têm mais autonomia que os convencionais. Podem ficar meses sem retornar à superfície, graças à grande capacidade do reator. Indicados para águas profundas, são ideais para o patrulhamento de áreas mais distantes da costa.
Funcionam como instrumentos de dissuasão, como dizem os militares. Quem tem um submarino nuclear em sua frota quer, antes de mais nada, desencorajar a aproximação de inimigos. Hoje esse tipo de equipamento é exclusividade de seis países: Estados Unidos, Reino Unido, França, China, Rússia e Índia.
Os submarinos de propulsão diesel-elétrica são mais lentos e vulneráveis, pois precisam retornar periodicamente à superfície para capturar ar atmosférico, usado para recarregar as baterias e renovar o oxigênio da cabine. Nesses momentos, as embarcações podem ser detectadas com mais facilidade por radares, navios e aviões. Em razão da baixa autonomia, são mais adequadas para uso em águas rasas, atuando no patrulhamento do litoral e áreas próximas.
Apresentação feita pelo Ministério da Defesa após a assinatura do acordo com a França, no fim da década passada, informava que os novos submarinos convencionais brasileiros poderiam se deslocar, submersos, a velocidades entre 7 e 11 quilômetros por hora, ao passo que o nuclear alcançaria 65 quilômetros por hora.
No entanto, portais especializados em defesa divulgaram nos últimos anos velocidades médias de 39 quilômetros por hora para o Riachuelo, convencional, e 46 quilômetros por hora para o Álvaro Alberto, nuclear.
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