O áudio-bomba que levou o procurador-geral da República Rodrigo Janot a determinar a abertura de investigação contra delatores do grupo J&F, controlador da JBS, por suposta omissão de informações, comprovaria que o ex-procurador da República Marcelo Miller atuava para o grupo antes de se exonerar do cargo.Tal conduta configuraria, em tese, crime e ato de improbidade administrativa. Também citaria um membro do Supremo Tribunal Federal (STF), mas não ficou claro em que circunstância. “Os áudios são gravíssimos”, disse Janot.
Miller foi citado na conversa entre o empresário Joesley Batista e o executivo da J&F Ricardo Saud, gravada em 17 de março, cujo áudio foi anexado por equívoco pela defesa dos delatores da JBS em documentos enviados à Procuradoria-Geral da República (PGR) na semana passada.
O ex-procurador foi contratado logo depois de deixar o Ministério Público Federal (MPF) para atuar no escritório Trench, Rossi & Watanabe, responsável na época por negociar os termos da leniência da JBS. Até pouco antes, ele integrou o grupo de trabalho de Janot, responsável pela Lava Jato.
A conversa entre Joesley e Saud foi gravada no dia em que foi deflagrada a Operação Carne Fraca. Não fica claro se o sócio e o executivo da JBS sabiam que estavam sendo gravados. Em tom de bravata, eles aludem a informações passadas por Miller, já deixam claro que estavam construindo uma proposta de delação premiada e fazem até manifestações chulas sobre aspectos da vida pessoal de várias pessoas.
O áudio explosivo, que pode levar à anulação dos benefícios de delatores e até da própria delação do grupo, foi incluído num rol de novos documentos que a defesa entregou na quinta-feira (31). O acordo previa prazo de 120 dias, a partir da homologação, para que os colaboradores reunissem e entregassem “elementos de provas” sobre os depoimentos prestados em abril perante a PGR para que não fossem acusados de omissão.
Constam do vasto material entregue à PGR diversos áudios, entre eles o que implicaria Miller. “Apesar de partes do diálogo trazerem meras elucubrações, sem qualquer respaldo fático, inclusive envolvendo o Supremo Tribunal Federal e a própria Procuradoria-Geral da República, há elementos que necessitam ser esclarecidos”, diz Janot.
Marcelo Miller pediu exoneração em fevereiro, mas só a efetivou em 5 de abril. Na data da conversa, Joesley já havia gravado a conversa com o presidente Michel Temer no Palácio do Jaburu. O encontro ocorreu em 7 de março. Agora, a PGR tem evidências de que Miller ajudou a formatar o encontro e a orientar Joesley a gravar o presidente.
Diálogos em sigilo
Em despacho de três páginas já encaminhado ao STF, Janot informa que enviou o áudio no qual foi verificado um suposto ato ilícito de Miller. Na petição, o procurador-geral pede que o ministro do STF Edson Fachin, relator do caso na Corte, decida a respeito do sigilo dos diálogos “que tratam da vida privada e íntima de terceiros que não interessam à investigação de fatos criminosos tampouco das possíveis omissões deliberadas dos colaboradores”, requer. Segundo o procurador-geral, os diálogos têm trechos que envolvem “direito à personalidade e à intimidade” de agentes da PGR e do próprio STF.
Ele encaminhou também o despacho no qual determinou a abertura de um procedimento administrativo de revisão da colaboração premiada de três dos delatores da JBS: Joesley Batista, Ricardo Saud e Francisco de Assis e Silva.
Janot diz que o áudio da conversa dos delatores que indica que Marcelo Miller “teria atuado em favor dos colaboradores Joesley Batista e Ricardo Saud antes de se exonerar da sua função de membro do Ministério Público Federal” e que tal fato “não foi trazido por quaisquer dos colaboradores por ocasião da assinatura do acordo em 03/05/2017”, o que indica uma possível omissão.
O procurador-geral também afirma que “Saud declarou possuir conta no exterior, mais especificamente no Paraguai, a qual não havia declarado quando da assinatura do acordo”, como outro elemento que deve ser apurado além da conduta de Miller.
Pelo acordo, o colaborador premiado fica obrigado a falar sobre todas as condutas criminosas de que tem conhecimento. na coletiva que deu á imprensa, Janot esclareceu que uma eventual revisão do acordo não implica nulidade de provas já produzidas em investigações, mas pode ter reflexos na premiação, inclusive com a perda total dos benefícios.
Defesa da JBS diz ser precipitada a conclusão da Procuradoria
A assessoria de imprensa do grupo J&F, controlador do frigorífico JBS, divulgou nota em que diz que sua defesa considera precipitada a interpretação da PGR sobre os novos áudios dos delatores do grupo empresarial.
“A defesa dos executivos da J&F junto ao Ministério Público Federal informa que a interpretação precipitada dada ao material entregue pelos próprios executivos à Procuradoria-Geral da República será rapidamente esclarecida, assim que a gravação for melhor examinada. Conforme declarou a própria PGR, em nota oficial, o diálogo em questão é composto de “meras elucubrações, sem qualquer respaldo fático. Ou seja, apenas cogitações de hipóteses – não houve uma palavra sequer a comprometer autoridades”, diz a nota.
“É verdade que ao longo do processo de decisão que levou ao acordo de colaboração, diversos profissionais foram ouvidos – mas em momento algum houve qualquer tipo de contaminação que possa comprometer o ato de boa fé dos colaboradores.”
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