Michel Temer surgiu para o pronunciamento no primeiro andar do Palácio do Planalto decidido a sobreviver na presidência da República. Rapidamente, expôs as armas que utilizaria: o iminente fim da recessão e a perspectiva de dias melhores com as reformas trabalhista e previdenciária. Também indicou onde irá lutar: no Supremo, com trâmites legais que permitem a gradativa resposta ponto a ponto das acusações. Uma tática de resistir um dia de cada vez, que ainda assim parecia fadada ao fracasso até o áudio da conversa com Joesley Batista vir à tona.
O áudio não permite, objetivamente, dizer que Temer anuiu com a compra do silêncio de Eduardo Cunha. Temer concorda, sim, com a retomada do diálogo entre o dono da JBS e o ex-presidente da Câmara. Será em cima deste recorte de 18 segundos, base do pedido de inquérito da Procuradoria-Geral da República, que Temer garantirá sua permanência no Palácio do Planalto pelo menos até segunda-feira.
O problema é que o escândalo da JBS não se resume aos 18 segundos que motivaram todas as manchetes de quarta-feira para cá. Joesley diz claramente que comprou um procurador da República e agia para segurar os juízes que o investigavam. Temer respondeu “ótimo”. Prevaricou. O presidente também autorizou o empresário a pressionar Henrique Meirelles para resgatar a benevolência do BNDES lulista. Deu o caminho para destravar negócios de interesse da JBS no Cade. Dá para escolher o desvio de conduta pelo qual o presidente pode ser investigado.
A delação completa da JBS fatalmente oferecerá mais elementos para encurralar o governo - além de arrancar mais esqueletos dos armários de Lula, Dilma, Renan Calheiros e grande elenco. Talvez até forneça elementos que embasem a obstrução da Lava Jato que o áudio com Joesley é incapaz de provar. Certamente dará mais subsídios para terminar de afundar Rodrigo Rocha Loures, o aliado escolhido para ser abandonado sangrando aos tubarões. Ele, a imprensa, a PGR e Fachin, em quem Temer não pensará duas vezes em bater para não apanhar mais.
Enquanto Rocha Loures for devorado e o foco se diluir entre outros políticos, Temer ganhará tempo para reconstruir o seu governo. Terá de começar pelos aliados. Apenas o núcleo duro esteve com ele no pronunciamento: Moreira Franco, Padilha, Imbassahy, Jucá e Perondi, que puxaram palmas entusiasmadas quando o chefe cravou o “não renunciarei”. Lembrava as melancólicas últimas aparições de Dilma como presidente, quando seu estafe resumia-se a Mercadante, Cardozo e mais dois ou três petistas.
PSDB, PPS e PSB pularam do barco, mas já se mostram dispostos a agarrar a boia e voltar à bordo. Sinal de abalo do apoio parlamentar conquistado à base de bondades como alongamento da dívida dos municípios com o INSS e flexibilização do estatuto do desarmamento.
Temer depende, mais do que nunca, do Congresso. Seja para aprovar as reformas determinantes para a recuperação econômica do país - seu único e verdadeiro trunfo. Seja para matar na casca os pedidos de impeachment que já lotam a caixa de entrada de Rodrigo Maia. As dúvidas são o quanto custará resgatar esse apoio e o quanto ele estará imune ao escrutínio das gavetas do Palácio do Planalto.
Desde que assumiu a presidência, em 12 de maio de 2016, Temer sabia que o sucesso do seu governo estava nas mãos do sucesso econômico. Não à toa, acabou concentrando o seu ministério de notáveis na Fazenda. Vem dando certo mais para o país do que para o presidente. E isso é bom.
No pronunciamento, Temer já se colocou como uma apólice de seguro da retomada da economia. Há uma dose de razão. Ou alguém duvida do risco que qualquer política econômica séria enfrentaria sob as mãos intervencionistas de Lula ou Bolsonaro ou diante da imperícia de um aventureiro?
Por outro lado, a última coisa que o Brasil precisa é se ver refém de um presidente que, a cada dia, terá de lutar para sobreviver. O “um dia de cada vez” pode servir para salvar Temer. E também matar a recuperação do país.
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