Nos grampos entregues pela JBS na semana passada, aparece um áudio em que Joesley Batista e Ricardo Saud, executivo da empresa, falam sobre um diálogo com o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que teria sido gravado. Na conversa entre os dois delatores, Saud cita ainda pelo menos três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
O nome “Marco Aurélio” aparece na conversa, mas não é uma referência ao ministro do STF, Marco Aurélio Mello, e sim a Marco Aurélio de Carvalho, advogado e sócio do ex-ministro da Justiça em um escritório.
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Três de cinco
Saud e Joesley falam sobre uma suposta proximidade da ex-presidente Dilma Rousseff e da atual presidente do STF, Cármen Lúcia. Nesse trecho, ele diz, entre outras coisas, o seguinte: “Porque ele [interlocutor não identificado] falou da Cármen Lúcia (inaudível), da Cármen Lúcia que vai lá falar do (inaudível) com a Dilma e tal, os três juntos, tal tal tal... ‘ah, então ele tem mesmo essa intimidade?’ (inaudível) os cara... falei não é mentira não”.
O executivo diz também a Joesley que Cardozo poderia teria cinco ministros do STF nas mãos, e que conversou sobre isso com um terceiro interlocutor. O executivo da J&F diz a Joesley que essa pessoa, que não está claramente identificada, teria duvidado do tamanho da influência descrita sobre o STF. “Ele falou ‘cinco eles não têm, não... ele têm... ah, só se eles, só se eles contam o Lewandowski até hoje’... ele falou, falei ah daí eu não sei, não deu nome não... Mas se contar Lewandowski pode ser sim”.
Os dois discutem ainda sobre uma briga de alguém que conhecem com Gimar Mendes. E concluem que a confusão deve ser esquecida para que eles possam “pegar” três ministros do STF.
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Arapuca para o STF
Há alguns meses, Joesley Batista e Saud tiveram a ideia de atrair Cardozo para um encontro, sob o pretexto de que gostariam de contratá-lo para serviços advocatícios. O objetivo era, no meio da conversa, arrancar do ex-ministro da Justiça informações sobre magistrados do STF. Dependendo do teor delas, a J&F entregaria o conteúdo à PGR.
Os executivos da JBS entendiam que os procuradores tinham grande desejo de que as investigações alcançassem o Supremo. No diálogo, Saud fala a Joesley que já tinha alertado um homem chamado Marcelo [supostamente o ex-procurador Marcelo Miller] de que, para comprometer o STF, o caminho seria José Eduardo Cardozo.
O encontro com Cardozo efetivamente ocorreu e a proposta de contratação também. A armadilha, porém, não teria funcionado a contento. Cardozo teria feito afirmações genéricas sobre os magistrados e teria inclusive recusado propostas de pagamentos de honorários fora das vias regulares.
O que diz Gilmar Mendes
O ministro do STF Gilmar Mendes disse nesta terça-feira (5), em Paris, que não está preocupado com seu nome ter sido citado nas novas gravações feitas pelo empresário Joesley Batista e o lobista Ricardo Saud, e que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, quer sua cabeça.
“Um dos objetivos [citados nos novos áudios] era me gravar, entregar a minha cabeça, porque era assim que o Janot operava (...) Isso tudo mostra que estão usando a delação premiada para outra finalidade, para vingança política”, acusou o ministro. Ele disse ainda ter certeza que a gravação feita por Batista mostra uma relação promíscua entre delatores e a Procuradoria.
Em entrevista na Embaixada brasileira em Paris, Mendes não poupou críticas à ação da Procuradoria-Geral da República, ao afirmar que elas beiram a criminalidade.
“Examine esse caso e você vai verificar que elas estão muito próximas, se é que já não estão totalmente dentro do Código Penal”, disse o magistrado, citando os novos áudios, que poderiam invalidar o acordo de delação premiada fechado com o empresário.
Gilmar Mendes defendeu os membros do STF de terem participação em atos ilícitos e disse ter a impressão de que Janot tentou envolver o Supremo com o objetivo de auxiliá-lo no que chamou de “operação tabajara” e “trabalho malfeito”.
“Se há erro no Supremo, foi não ter colocado limites aos delírios de Janot, apenas isso”, disse Gilmar.
Para o magistrado, os novos áudios representam um desastre para as investigações. O ministro do STF disse ainda que “certamente essa delação terá de ser completamente revista.
“É a revelação de um desastre, a crônica de uma morte anunciada, algo malconduzido desde o início, sem parâmetros técnicos”, afirmou o ministro.
O magistrado disse que não acredita que as investigações possam ser comprometidas por causa das novas revelações.
Em relação à validade das provas, caso a delação premiada seja revista e invalidada, Gilmar disse que a questão terá de ser “examinada em cada tópico” antes que haja uma decisão sobre a matéria. Isso implica diretamente o presidente Michel Temer, que já foi alvo de denúncia feita por Janot ao STF e que deve ser novamente denunciado pelo procurador-geral nos próximos dias, baseado exatamente em delações premiadas.
“Desde o começo ele [Temer] vem batendo nessa tese e chamando a atenção para o fato de que pode ter havido uma ação controlada sem ordem judicial. Tudo indica, pelos elementos que estão aí -e isso vinha sendo alegado pela defesa e negado pela Procuradoria- que os delatores receberam treinamento da Procuradoria e tudo mais, muito antes de fazer aquela primeira investida”, afirmou o ministro.
Reação
O corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, disse nesta terça-feira (5) que certamente a imagem do Supremo Tribunal Federal (STF) já está arranhada em meio a menções de delatores da JBS
Nos novos áudios da delação de executivos da JBS entregues à Procuradoria-Geral da República (PGR), obtidos pela revista Veja, os delatores Joesley Batista e Ricardo Saud falam sobre “dissolver” o Supremo.” Certamente (isso) já arranhou (a imagem do Supremo)”, disse Noronha, que atua no CNJ ao lado da ministra Cármen Lúcia, que preside o conselho e o STF.
O corregedor, no entanto, ressaltou que não acredita que qualquer ministro do STF esteja envolvido em irregularidades no caso. “Nossa Corte é composta dos homens e mulheres mais dignos deste país”, afirmou.
Delação
Para o corregedor, a delação premiada passou a ser um “instituto universal”, que visa à obtenção de “informações necessárias para a apuração dos crimes ocorridos no país”.
“O gerenciamento da delação premiada é muito importante. Por exemplo, não é razoável você pressionar alguém a delatar. Não é razoável prender pra delatar. Não sei se isso aconteceu, acontece. Não tenho caso concreto que alguém foi pressionado”, disse Noronha.
“O Delcídio (o ex-senador Delcídio do Amaral) delatou um monte de gente e não está provando. Isso desmerece a delação premiada? Ele pode perder os benefícios. Uma coisa é delação, outra coisa é comprovação dos fatos”, continuou o corregedor.
Em alegações finais enviadas à Justiça, o Ministério Público Federal, no Distrito Federal, pediu que Delcídio perca os benefícios assegurados no acordo de colaboração premiada. A Procuradoria da República afirma que o ex-parlamentar mentiu sobre fatos que levaram à abertura de ação penal contra sete pessoas.
“Eu quero que o Brasil seja passado a limpo, seja o pequeno, o médio, o grande. E que a Justiça seja a mesma para todos. Só isso”, concluiu Noronha.
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