Os veículos aéreos não tripulados (VANT) estão parados em um galpão de São Miguel do Iguaçu desde 2016| Foto: /Divulgação

Há dez anos, os veículos aéreos não tripulados (VANT) despontavam como um reforço de peso ao patrulhamento da Polícia Federal (PF) nas regiões de fronteira. Os primeiros testes começaram naquele ano, mas a operação para valer, só em 2011. O projeto era ambicioso e milionário: além dos dois aparelhos, comprados de Israel, havia planos para expansão e compra de mais unidades. A PF desembolsou ao menos R$ 145 milhões com o projeto, que acabou deixado de lado em 2016. As duas aeronaves -- que estão pegando pó e sem manutenção em um galpão em São Miguel do Iguaçu, no Oeste do Paraná – agora serão cedidas à Força Aérea Brasileira (FAB).

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As corporações dizem que vão atuar em conjunto, mas não há detalhes dos tipos de operações que serão realizadas e se elas se restringem à região de fronteira. A FAB tem um histórico de participações em megaoperações das Forças Armadas, como a Ágata, comandada pelo Ministério da Defesa. Já a PF segue com o trabalho que já desenvolve nessas localidades.

O comunicado sobre a cessão foi publicado em Diário Oficial no dia 8 de janeiro, e pegou de surpresa os agentes da PF que trabalham diretamente na região da fronteira. Bibiana Orsi, presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Paraná, diz que não houve espaço para diálogo com os agentes e questiona a transferência das aeronaves.

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Além da aquisição dos dois aparelhos – comprados por US$ 27,9 milhões da empresa israelense IAI –, a corporação investiu na formação de pilotos para os VANTs, transferência de agentes e treinamento de pessoal. Os gastos com manutenção também eram elevados e exigiam mão de obra específica e qualificada.

“Não entendemos que o VANT é um mal projeto. É um instrumento fantástico, que está parado, simplesmente guardado no galpão. Isso faria muita diferença no combate ao tráfico na fronteira, diante do pequeno efetivo que temos aqui”, pondera Bibiana. Ela explica que a situação dos VANTs é um exemplo de má gestão e sucateamento das estruturas da PF – inicialmente, o plano era a aquisição de 14 aeronaves, para atender todo o país, e formação de 45 pilotos, mas só dez foram capacitados de fato. A capacidade dos VANTs não se compara a de nenhum drone, porque tem mais qualidade, autonomia e segurança para o policiamento de fronteira.

Falha de segurança?

Bibiana lembra do “megaassalto” a uma empresa de transporte de valores, ocorrido no Paraguai, na fronteira com o Brasil, em abril de 2017. Na ocasião, criminosos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), participaram de uma ação que roubou US$ 40 milhões em dinheiro. Parte da quadrilha fugiu para o Brasil, atravessando o Lago de Itaipu. Para a agente, caso os dois VANTs estivessem em operação na época, o desfecho poderia ter sido diferente.

A perseguição policial prendeu nove criminosos, mas deixou três mortos – os bandidos chegaram a roubar uma viatura do Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFron), da Polícia Militar do Paraná (PM-PR), para continuar a fuga. “Os bandidos fugiram e escaparam pelos nossos dedos entrando no Brasil. Se tivéssemos o VANT, poderíamos fazer o acompanhamento e um confronto eficiente contra esse grupo”, pondera.

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A principal crítica do grupo de agentes da PF é que eles não participaram do processo de discussão sobre o projeto. “Reclamamos do VANT não porque queremos ‘nos livrar’ dele, mas porque queremos que ele volte a voar. Não é para ser um mimo precioso parado em um hangar, seja da PF ou da FAB. Esses milhões já investidos poderiam ter comprado muitas outras coisas, armas e viaturas, ou contratado mais policiais. E agora, vão desativar o projeto?”, questiona.

Por meio de nota, a PF diz que o acordo de cooperação celebrado entre a corporação e a FAB visa a operação conjunta dos veículos “com a otimização dos recursos e do custeio dessa ferramenta e a franca economia de recursos públicos”. O acordo atenderia às necessidades operacionais da PF. A corporação ainda ressalta que PF e FAB mantêm projetos e ações de cooperação e atuação coordenada.

Procurada, a FAB também se manifestou por meio de nota. A cessão de uso dos VANTs “tem por objetivo a otimização de recursos, especialmente envolvendo aspectos logísticos e de manutenção”. Segundo a FAB, o acordo foi celebrado a pedido da PF, e também há previsão de repasses financeiros, para a manutenção dos equipamentos. “Os ARP [Aeronaves Remotamente Pilotadas] em questão executam missões de reconhecimento, portanto não envolve capacidade bélica. O acordo prevê que a operação dos equipamentos será conjunta”, ressalta.

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Segurança nas fronteiras

A segurança em região de fronteira foi um dos temas presentes na agenda de quase todos os candidatos à presidência durante a campanha, inclusive do eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Em seu plano de governo, a única menção às fronteiras estava no tópico de defesa nacional, ressaltando o peso das Forças Armadas no combate ao crime organizado e buscando mais integração com outros órgãos de segurança pública, principalmente para elevar a segurança na fronteira.

Apesar de o tema estar no radar de Bolsonaro há tempos, ainda não foi anunciada nenhuma ação específica para essas regiões. Tampouco essa decisão de ceder os VANTs da PF para a FAB partiu dessa gestão. De acordo com Bibiana, esse acordo não foi discutido com a nova diretoria da PF, que nem foi empossada ainda. A segurança pública está sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, comandado pelo ex-juiz Sergio Moro, que tem bom relacionamento com a PF. A corporação, inclusive, vê com essa nova gestão uma oportunidade para tentar sobrar seu contingente.