“O Paulo e o Onyx já trocaram beijinhos e está tudo certo.” A frase dita pelo vice-presidente General Mourão na quarta-feira (9) buscou mostrar que há paz no núcleo duro do governo federal – o “Paulo” da sentença é o Guedes, ministro da Economia, e o “Onyx” é o Lorenzoni, ministro da Casa Civil. Ambos haviam entrado em rota de colisão na semana passada por causa de um possível aumento no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Apesar da fala de Mourão, o ambiente no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios não é dos mais calmos. Ao longo dos dez primeiros dias de mandato, o governo de Jair Bolsonaro colecionou bate-cabeça, recuos, contradições e divergências dentro do primeiro escalão.
Num único dia, governo desmentiu Bolsonaro três vezes
O episódio do IOF foi o mais emblemático até o momento. Na manhã da sexta-feira passada (4), o presidente Jair Bolsonaro havia anunciado um aumento na alíquota do imposto. Acabou desmentido por Lorenzoni e pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra – e a taxa acabou sem alterações. Além do caso do aumento do IOF, no mesmo dia Onyx desmentiu outras duas declarações feitas por Bolsonaro menos de 24 horas antes: de que a idade mínima para se aposentar seria de 57 anos para mulheres e 62 para homens e de que a maior alíquota do Imposto de Renda iria cair de 27,5% para 25%.
Além da polêmica envolvendo o IOF, o Imposto de Renda e a idade mínima na Previdência, Bolsonaro teve de recuar em pelo menos outra ocasião. Ele disse que via com bons olhos a instalação de uma base militar dos Estados Unidos no Brasil. A cúpula das Forças Armadas não gostou e o presidente desistiu da ideia.
Noutro caso, foi o governo quem voltou atrás. O Incra havia determinado a paralisação de todos os processos de desapropriação de terras para a reforma agrária no país – medida alinhada com discursos de Bolsonaro de antes da posse. Um dia depois que o assunto se tornou público, contudo, o Incra revogou o “congelamento” da reforma agrária.
Onyx: um ministro em meio a controvérsias
O ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, já se envolveu em várias controvérsias neste começo de governo. Numa delas, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, negou que o governo planeje um pacote com medidas prioritárias para o início de governo – conjunto de ações que havia sido sugerido pelo próprio titular da Casa Civil. “Eu não apresentei esboço nenhum [sobre os 100 dias]”, disse Heleno na terça-feira (8), após reunião ministerial. A expectativa era de que os titulares de todas as pastas anunciassem suas prioridades setoriais.
Onyx foi também criticado por Mourão por causa de sua decisão de “despetizar” a Casa Civil – medida que levou ao desligamento de cerca de 320 funcionários e que deixou paralisados alguns órgãos do governo, como a Comissão de Ética da Presidência. Para o vice-presidente, a medida deveria ter sido feita “com mais carinho”. “Eu acho que tem que saber dosar a coisa”, afirmou.
Damares se envolveu em duas polêmicas; uma delas alvo de divergência com colega da Esplanada
Outra divergência de opiniões entre ministros não teve Onyx entre os protagonistas. Um vídeo antigo da ministra Damares Alves, dos Direitos Humanos, viralizou: na gravação, ela lamenta que a teoria da evolução “tenha entrado” nas escolas brasileiras. Algumas lideranças religiosas contestam a teoria científica, elaborada por Charles Darwin no século 19, por acreditarem que a ideia contraria o princípio de que os seres humanos foram criados por Deus.
Perguntado sobre a fala de Damares, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, declarou ser contrário à “mistura de ciência com religião” e destacou que a teoria da evolução tem sido estudada há muito tempo pela comunidade científica.
Damares também se envolveu noutra polêmica ao dizer que o Brasil estava entrando numa nova era em que “menino veste azul e menina veste rosa”. Ela foi alvo de uma enxurrada de críticas e teve de explicar que apenas usou uma metáfora contra a ideologia de gênero.
Também no campo da ciência e da educação, um dos episódios mais rumorosos do início do governo Bolsonaro foi o polêmico edital para a compra de livros didáticos que retirava exigências como a divulgação da cultura quilombola e do combate à violência contra a mulher. Após o edital vir a público, teve início uma guerra de versões entre os atuais gestores do Ministério da Educação e os antecessores, do governo de Michel Temer. O documento acabou revogado.
Até a reforma da Previdência, apontada como a principal medida da equipe econômica de Bolsonaro, foi alvo de contradições no governo. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, defendeu que os militares não sejam incluídos nas modificações, pelas condições especiais da atividade. No outro lado, o vice Mourão disse acreditar que, sim, as regras para as aposentadorias e pensões dos militares podem ser alteradas.
Presidente da Apex diz que não sai do cargo, e Bolsonaro tem de demiti-lo
O tumultuado começo do governo Bolsonaro rendeu até mesmo uma exoneração que foi anunciada como de iniciativa pessoal, mas acabou desmentida pelo próprio demitido, Alecxandro “Alex” Carreiro, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores.
O chanceler Ernesto Araújo anunciou na noite de quarta-feira (9) que Carreiro havia pedido para deixar o cargo. Carreiro não apenas negou que tenha pedido demissão como também compareceu para trabalhar normalmente. Bolsonaro teve de entrar em cena nesta quinta (10) para confirmar a decisão de Araújo de demitir Alex Carreiro.
Já o ministro do Turismo, Marcelo Alvaro Antonio, que é deputado federal licenciado pelo PSL-MG, recebeu contestações de seus colegas de partido. O site O Antagonista noticiou que ele teve a cabeça pedida por membros do PSL, que o consideram um “analfabeto político” e alguém que “não tem nível superior e nem inglês sabe falar”. Antonio, por hora, segue no cargo.
Governistas veem “trombadas” como naturais no início de gestão
Aliados de Bolsonaro têm se esforçado para minimizar o impacto das “trombadas”, justificando que os ocorridos são naturais em um governo que está começando. “Não acho que tenha havido bate-cabeça. Tem esses primeiros dez dias, que é o momento de conhecer as coisas”, diz o general Mourão. “Até porque essa transição não ocorre da forma como a gente faz nos nossos quartéis, porque aí você pega e bota o novo comandante sentadinho, cada um fala, vai lá, expõe. Aqui você traz uma equipe, muitos não têm experiência na administração... Então, isso é normal. Não teve prejuízo.” O vice-presidente também afirma que o governo precisa de um porta-voz, mas está passando por dificuldades para encontrar alguém para a vaga.
O próprio Mourão, por sinal, também esteve no centro de uma polêmica que expôs Bolsonaro a críticas por estar descumprindo a promessa de não promover indicações políticas: o filho do vice, Rossel Mourão, foi nomeado assessor do novo presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, triplicando seu salário no BB. O vice não viu motivo para polêmica: “Se pudesse, teria o meu filho na minha equipe”.
Os deputados federais eleitos Carla Zambelli (PSL-SP) e Filipe Barros (PSL-PR), assim como Mourão, também acreditam que os desencontros no começo do governo são normais. Para Carla, o quadro atual é reflexo de uma nova linha de governantes “que têm formação técnica muito boa, mas pouca experiência com a política”.
“Eu acho que isso é comum nas primeiras semanas de governo. Não podemos esquecer que estamos no dia dez, e portanto o governo está aí há apenas dez dias. É comum essas falhas de comunicação, e com o passar do tempo, com o passar dos dias, isso vai ser corrigido, principalmente quando o presidente Bolsonaro escolher um porta-voz”, diz Barros.
Divergências não afetaram a boa expectativa em relação ao governo, diz consultor
Os efeitos das divergências foram também minimizados por Carlos Tortelli, sócio especialista em finanças corporativas e responsável pela Crowe Paraná. Segundo ele, o mercado e os investidores têm enxergado, desde a campanha, bons sinais por parte do governo Bolsonaro – que não serão afetados pelo quadro de momento.
“O governo, em dez dias, promoveu muita bateção de cabeça. Mas isso não assusta o empresário. O empresário está muito seguro, a sociedade está muito segura, o mercado está muito seguro que não há espaço para outra alternativa, senão a principal reforma, que é a da Previdência. Essa é a principal mudança. Abrangendo a todos, incluindo militares e o setor público. E esse governo tem vocação reformista”, diz Tortelli. O consultor apenas ressalva esperar que o governo não “queime o capital político” levando adiante propostas como a controversa elevação do IOF.
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Lula, Dilma e Temer também enfrentaram controvérsias no começo de seus governos
Batidas de cabeça e controvérsias entre os membros do primeiro escalão do governo não são exclusividade da gestão Bolsonaro.
No início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2003, o governo anunciou uma decisão do Ministério da Defesa antes que o próprio ministro da pasta se pronunciasse a respeito. A medida em questão foi o adiamento da compra de caças para a Força Aérea Brasileira. A justificativa do Planalto foi de que as verbas envolvidas deveriam ser destinadas à área social. Na ocasião, a decisão foi contestada pelo meio militar, que viu no ato uma sinalização de enfraquecimento das Forças Armadas.
Já Dilma Rousseff não havia completado nem dez dias na condição de presidente da República quando teve que duelar com o PMDB (hoje MDB), partido do seu vice-presidente Michel Temer. Os peemedebistas queriam mais cargos na estrutura federal e, para pressionar o Planalto, decidiram apoiar no Congresso uma proposta de elevação para o salário que contrariava a gestão petista.
O próprio Temer também passou por dificuldades quando seu então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sugeriu que o governo poderia se mobilizar para recriar a CPMF. Meirelles apresentou a proposta um dia após Temer tomar posse como presidente em exercício, em maio de 2016. A iniciativa foi contestada principalmente por apoiadores do impeachment que levou Temer à Presidência. Afinal, a política fiscal da gestão Dilma, com o que seus adversários consideravam uma cobrança excessiva de impostos, esteve entre os principais fatores que ampliou a rejeição da petista.
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