O ataque do filho do presidente Jair Bolsonaro ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, a quem chamou de “mentiroso” na internet, provocou uma crise política no governo num momento em que Planalto e equipe econômica acertam os últimos ponteiros da reforma da Previdência. O destempero de Carlos Bolsonaro conseguiu a façanha de ofuscar a alta médica do pai, que passou 17 dias internado e deixou o Hospital Albert Einstein caminhando e sorridente.
Os sorrisos de Jair Bolsonaro escondiam uma certa tensão entorno das acusações de que o PSL, partido do presidente, lançou candidaturas laranjas nas últimas eleições com a finalidade única e exclusiva de desviar dinheiro público do fundo partidário – Bebianno era o presidente da sigla na ocasião.
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As denúncias riscam a principal vitrine do governo Bolsonaro, que se elegeu com a promessa de combater a corrupção na política e de acabar com práticas criminosas cometidas por partidos rivais no passado, como o financiamento ilegal de campanha feito pelo PT e partidos aliados revelado pela operação Lava Jato.
Na terça-feira (12), o presidente teria demonstrado todo seu descontentamento ao cancelar agendas de Bebianno. O processo de “fritura” do secretário-geral da Presidência já era evidente, mas Carlos Bolsonaro tratou de aumentar o fogo ao acusá-lo, nesta quarta-feira (13), de mentir ao afirmar ao jornal O Globo que teria conversado com Jair Bolsonaro no dia anterior. O ministro negou ser motivo de instabilidade no governo.
“Ontem estive 24h do dia ao lado do meu pai e afirmo: ‘É uma mentira absoluta de Gustavo Bebbiano [sic] que ontem teria falado 3 vezes com Jair Bolsonaro para tratar do assunto citado pelo Globo e retransmitido pelo Antagonista’.” Para endossar o que escreveu, Carlos publicou no Twitter um áudio em que Bolsonaro pai se recusava a falar com o ministro.
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Aliados criticam ataque gratuito
O ataque do filho do presidente repercutiu mal entre aliados no Congresso. Nomes importantes da bancada do PSL na Câmara se manifestaram sobre o caso e as denúncias de candidaturas laranja. Todos estavam pasmos com o fato de Jair Bolsonaro não ter desautorizado o ato do filho, que é vereador no Rio de Janeiro pelo PSL e nem sequer ocupa um cargo no governo.
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) criticou Carlos. “Não pode se misturar as coisas. Filho de presidente é filho de presidente. Temos que tomar cuidado para não fazer puxadinho da Presidência da República dentro de casa para expor um membro do alto escalão do governo dessa forma”, disse. “É uma coisa de louco, é inimaginável uma coisa dessa”, completou.
O deputado Alexandre Frota (PSL-SP) afirmou que o seu partido “não passará a mão na cabeça de bandido”. “Ontem [terça (12)], a maioria dos partidos de esquerda que subiram aqui [na tribuna da Câmara] falou que o PSL é um partido de laranjas. O PSL não é um partido de laranjas”, afirmou. “Qualquer secretário, deputado, ministro envolvido em qualquer coisa, essa laranja podre vai cair”, disse Frota.
Colega de Frota e Joice na Câmara e irmão de Carlos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) preferiu não se envolver na polêmica. Afirmou que ainda não estava sabendo nada sobre as publicações feitas por seu irmão e, por isso, não poderia comentá-las sob risco de dar uma “canelada”. “Estou em um compromisso atrás do outro, não consegui me inteirar ainda”, desconversou.
Irritação na ala militar
A Folha de S. Paulo apurou que Jair Bolsonaro esperava que Bebianno pedisse demissão antes de desembarcar em Brasília. Não deu certo. Bolsonaro irritou-se, chegando a gritar com interlocutores ao telefone de dentro do hospital, exasperado com a situação e os relatos do próprio Bebianno de que não havia crise porque ele estava conversando normalmente com o presidente.
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A ala militar do governo, que nunca aceitou bem a influência dos filhos de Bolsonaro sobre o pai, também não digeriu bem essa situação. Segundo integrantes desse núcleo, é inaceitável que um presidente lide com uma grave crise política por meio de vazamento de áudios em rede social. Se estava descontente com a atuação de Bebianno, Jair Bolsonaro deveria simplesmente lançar mão de sua autoridade como presidente e demiti-lo. Mas não, preferiu endossar a malcriação do filho compartilhando os dois polêmicos tuítes de Carlos Bolsonaro em sua conta no Twitter.
A influência de Carlos sobre a figura pública do pai já vinha sendo criticada por oficiais generais com assento no governo e também na ativa. Não custa lembrar que Bebianno, que não se manifestou publicamente sobre a acusação do filho de Bolsonaro, tem a assessoria de dois generais experientes em sua secretaria.
A fritura de Bebianno ocorre poucos dias depois de a GloboNews divulgar um vídeo de uma reunião do ministro com representantes do Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio de Janeiro. Bebianno diz que uma equipe do governo que esteve no hospital foi ameaçada por pessoas ligadas a milícias. A instituição médica está sob intervenção do governo após denúncias de má gestão que resultaram na demissão da antiga diretoria.
Relação turbulenta
Este não é o primeiro atrito entre Carlos e Bebianno. O filho do presidente deixou a equipe do governo de transição em novembro após rusgas com o agora ministro. O vereador chegou a ser cotado para assumir a Secretaria de Comunicação da Presidência. A possibilidade foi comunicada pelo próprio Bebianno em novembro, após ser confirmado como futuro ministro. A atitude de Bebianno foi vista como precipitada e como um “afago falso”.
“Caráter não se negocia. Quando há compulsão por aparecer a qualquer custo, sempre tem algo por trás”, escreveu Carlos no Twitter, à época. “Somos humanos e falhamos, mas a procura por holofote é um péssimo indicativo do que se pode esperar de um indivíduo. Jamais trairei meus ideais.”
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Auxiliares de Carlos Bolsonaro tinham expectativa de que ele se tornasse uma espécie de conselheiro do pai na área da comunicação. Mas, desde o início da campanha, a aproximação de Bebianno com o então presidenciável do PSL passou a ser vista como negativa pelo vereador. Ele achava que o advogado teria se aliado ao pai por interesses próprios e promoveu alianças que desaprovou.
Onyx põe panos quentes
O ministro Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil, atribuiu ao pouco tempo de governo a nova crise aberta pelas denúncias contra Gustavo Bebianno e a reação do filho do presidente. Ao ser questionado sobre a permanência do ministro no cargo e o choque com a família presidencial, Onyx afirmou que “ajustes nas relações são normais”.
“Temos 40 dias de governo, o presidente ficou quase 20 hospitalizado, temos que ter paciência, temos que ir com calma”, afirmou. “O ministro Bebianno é uma pessoa super dedicada ao projeto, é um homem sério, responsável, correto, essas coisas são naturais num processo que está iniciando.”
Onyx disse ainda que “não vai criar onda onde não tem razão para ter” e evitou falar das denúncias contra Bebianno. “É como um time de futebol, nem sempre o lateral se acerta bem com o ponteiro, às vezes o cara da meia cancha demora a ligar com o atacante, que está sempre em impedimento. Tem que ajustar as coisas, isso vai se ajustar, ninguém vai criar uma onda onde não tem razão para ter.”
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Em evento organizado pela revista “Voto” em Brasília, o chefe da Casa Civil afirmou que a proposta de reforma da Previdência deverá ser apresentada ao Congresso antes do Carnaval.
A data prevista pela equipe econômica é a próxima terça-feira (19). Onyx, contudo, disse que a ideia é debater o tema no fim de semana e também na semana que vem. Ele afastou a ideia de que o cronograma tenha sido atrasado. “Não é obrigatório ser na semana que vem. Se estiver tudo pronto e maduro, e ele [Bolsonaro] se sentir seguro, a gente faz na semana que vem”, afirmou ele, evitou dar detalhes da proposta de reforma.
Oposição pede explicações sobre candidaturas laranjas
O PSOL protocolou nesta quarta representação contra o PSL na Procuradoria-Geral da República sobre as suspeitas de uso de laranjas em campanhas eleitorais do partido. A sigla oposicionista também entrou com um requerimento na Câmara para convocar Gustavo Bebianno para esclarecimentos e para pedir que o partido governista seja investigado por supostas apropriação indébita eleitoral, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
âReportagem da Folha de São Paulo revelou que o grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), recém-eleito segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, criou uma candidata laranja em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil na eleição de 2018. O dinheiro foi liberado por Bebianno.
Maria de Lourdes Paixão, 68 anos, que oficialmente concorreu a deputada federal e teve apenas 274 votos, foi a terceira maior beneficiada com verba do PSL em todo o país, mais do que o próprio presidente Bolsonaro e a deputada Joice Hasselmann (SP), que foi eleita com mais de 1 milhão de votos.
O dinheiro do fundo partidário do PSL foi enviado pela direção nacional da sigla para a conta da candidata em 3 de outubro, quatro dias antes da eleição. Na época, o hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidência era presidente interino da legenda e coordenador da campanha de Bolsonaro.
Apesar de ser uma das campeãs de verba pública do PSL, Lourdes teve uma votação que representa um indicativo de candidatura de fachada, em que há simulação de atos de campanha, mas não empenho efetivo na busca de votos. A candidatura laranja virou alvo da Polícia Federal, da Procuradoria Eleitoral e da Polícia Civil do estado.
Nesta quarta (13), a Folha revelou que Bebianno liberou R$ 250 mil de verba pública para a campanha de uma ex-assessora, que repassou parte do dinheiro para uma gráfica registrada em endereço de fachada – sem maquinário para impressões em massa. O ministro nega irregularidades e diz que cuidou apenas da eleição presidencial.
Em entrevista a Globonews, Bebianno negou ter cometido irregularidades e disse que o repasse de verbas do partido aos candidatos é responsabilidade dos diretórios estaduais.
Na semana passada a Folha havia publicado que o atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, patrocinou um esquema de candidaturas de fachada em Minas Gerais que também receberam recursos volumosos do fundo eleitoral do PSL nacional e que não tiveram nem 2.000 votos, juntas. Parte do gasto que elas declararam foi para empresas com ligação com o gabinete de Álvaro Antônio na Câmara.