A força-tarefa da Lava Jato apura o pagamento de mais de R$ 140 milhões em propina na construção da Usina de Belo Monte, no Pará. A obra foi alvo da deflagração da 49ª fase da operação nesta sexta-feira (9), batizada de Buona Fortuna. A conta tem como base a informação de delatores, que disseram ao Ministério Público Federal (MPF), que o ex-ministro e ex-deputado federal Antônio Delfim Netto teria recebido cerca de R$ 15 milhões em propina pela obra, cerca de 10% da propina paga pelas empresas participantes do projeto. Os outros 90% teriam sido divididos igualmente entre o PT e o PMDB (atual MDB), segundo o MPF.
Apesar de confirmar o valor aproximado de R$ 140 milhões desviados da obra, o MPF acredita que a cifra pode ser ainda maior. “É possível sim que, eventualmente, os valores sejam maiores do que o atualmente apurado”, explicou o procurador da República Athayde Costa, em entrevista coletiva na manhã dessa sexta.
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“A corrupção é gravíssima. A corrupção mata muito mais que um crime individual contra a vida, porque ela tem o intuito e a consequência de atrapalhar em massa. Com relação à Usina de Belo Monte, ressalta-se que houve um direcionamento de valores de propina, valores esses que poderiam ter sido utilizados em benefício da população atingida com as obras e que hoje em dia estão em situação precária e reclamando e reivindicando a cada dia por assistência e atenção”, destacou o procurador.
Segundo as investigações do MPF, o consórcio vencedor da obra, Norte Energia, era controlado de forma indireta pelo governo federal, já que contava com a participação societária da Eletronorte (19,98%), da Chesf (15%) e da Eletrobras (15%). Segundo Emílio Odebrecht, delator da Lava Jato, o objetivo do governo federal era transformar um projeto que seria privado em obra pública, custeada com dinheiro público, pois assim o governo teria condições de fixar uma tarifa excessivamente barata.
O executivo Flávio Barra, da Andrade Gutierrez, contou aos investigadores que a formação do consórcio Norte Energia, vencedor da licitação, só foi possível graças à atuação de Delfim Netto. As investigações do MPF apontam também para a participação do pecuarista e amigo pessoal do ex-presidente Lula, José Carlos Bumlai, nas articulações. O então ministro Antônio Palocci (PT), segundo as investigações, teria feito a solicitação dos valores pagos a título de propina para o PT e o PMDB. As investigações sobre os valores recebidos por membros desses partidos estão em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) por envolver pessoas com foro privilegiado.
A força-tarefa aponta que com recursos obtidos através de empréstimos do BNDES, a Norte Energia – vencedora da licitação – contratou um novo consórcio para execução da obra. O novo consórcio – Consórcio Construtor de Belo Monte – era formado por 10 empresas. Todas elas repassaram valores para Delfim Netto, segundo a investigação.
Segundo delatores da Odebrecht, o Consórcio Construtor Belo Monte deveriam destinar 1% do valor do contrato ao pagamento de propina. Os recursos da propina seriam divididos entre o PT (45%), PMDB (45%) e Delfim Netto (10%).
Segundo o MPF, a maior parte dos recursos recebidos pelo ex-ministro e ex-deputado foi paga através de seu sobrinho, o empresário Luiz Apolônio Neto. Os repasses foram feitos com dinheiro em espécie e de depósito na conta da empresa LS Consultoria Empresarial Agropecuária, que pertence a Apolônio.
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O MPF estima que Delfim Netto recebeu R$ 15 milhões entre 2012 e 2015. Os investigadores conseguiram rastrear R$ 4 milhões em contas ligadas ao ex-ministro. A Andrade Gutierrez, que tinha 18% de participação no consórcio, repassou R$ 2,3 milhões para empresas de Apolônio e Delfim Netto.
Já a Camargo Correa, que detinha 16% de participação, destinou diretamente para contas de uma empresa de Delfim Netto o valor de R$ 160 mil. A empreiteira firmou contratos fictícios com a empresa Aspen Assessoria e Planejamento Econômico, de Delfim Netto, que emitiu notas fiscais frias para justificar os pagamentos.
A Odebrecht, por sua vez, afirma ter pago em um primeiro momento R$ 200 mil a Delfim Netto a pedido do então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Segundo a empreiteira, Delfim Netto tinha o codinome “Professor” nas planilhas do setor de propinas. A Odebrecht repassou, ainda, mais R$ 1 milhão, aproximadamente, ao ex-ministro. A empreiteira tinha uma participação de 16% no Consórcio Construtor Belo Monte.
A OAS, que tinha 11,5% de participação, pagou R$ 69 mil à empresa de Delfim Netto em 2013. A J Malucelli, que tinha 2% de participação no consórcio, também repassou valores para Delfim Netto. Foram R$ 183 mil em 2014, segundo a apuração do Ministério Público
O MPF ainda não conseguiu rastrear pagamentos das demais empreiteiras que faziam parte do consórcio, mas os procuradores afirmam que vão continuar em busca dos indícios. Segunda as investigações, há registros de contatos telefônicos entre Apolônio e as empresas Queiroz Galvão, Contern, Galvão Engenharia e Serveng Civilsan.
Outro lado
Os advogados Fernando Araneo, Ricardo Tosto e Jorge Nemr afirmam que Delfim “não cometeu nenhum ato ilícito em qualquer tempo”. “O professor Delfim Netto não ocupa cargo público desde 2006 e não cometeu nenhum ato ilícito em qualquer tempo. Os valores que recebeu foram honorários por consultoria prestada”, afirma a defesa. O advogado de Apolônio, disse que só vai se manifestar quando tiver acesso aos autos.
A J Malucelli afirmou, em nota, que sua participação no consórcio construtor da Usina de Belo Monte decorre exclusivamente de seu direito de preferência oriundo de sua condição acionária na empresa Norte Energia S.A. , “condição esta mantida até hoje, o que por si só já demonstra que não está relacionada a qualquer ajuste ou composição ilícita com outras empresas ou mesmo pagamentos indevidos, uma vez que desembolsou e continua desembolsando expressivos recursos financeiros para a construção desta importante hidrelétrica para o País”, alega a construtora. A empresa afirmou que está colaborando com as investigações.
Em nota, o PT afirmou que as acusações contra o partido “não têm o menor fundamento”. “Na medida em que se aproximam as eleições, eles tentam criminalizar o partido, usando a palavra de delatores que buscam benefícios penais e financeiros”, alega a legenda.
O PMDB, por sua vez, afirmou que não recebeu propina nem recursos desviados no Consórcio Norte Energia. “Lamenta que uma pessoa da importância do ex-deputado Delfim Neto esteja indevidamente citado no processo. Assim, como em outras investigações, o MDB acredita que a verdade aparecerá no final”, disse o partido, em nota.
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