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| Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo

O governo vai abrir mão, no ano que vem, de R$ 7,2 bilhões em impostos com a concessão de incentivos tributários para a indústria automobilística, um dos setores com maior força de pressão em Brasília. A renúncia fiscal mais do que triplicou em relação aos R$ 2,3 bilhões previstos para este ano.

Será o maior valor da história. A título de comparação, corresponde a 6% de todos os recursos previstos para a área de educação na proposta de Orçamento de 2019, em tramitação no Congresso. De 2008 a 2019, o governo deixará de arrecadar R$ 34,6 bilhões com o setor, de acordo com estimativa da Receita Federal.

O salto de R$ 5 bilhões entre 2018 e 2019 será puxado pelo crescimento na produção de veículos, esperado para o ano que vem. O aumento também é resultado da mudança de metodologia que permitiu à Receita “captar” melhor dados que estavam “fugindo” do alcance dos fiscais na elaboração das projeções. Para 2019, pela primeira vez, a Receita usou dados de Escrituração Contábil, o programa entregue pelas empresas com diversos dados, como balanço patrimonial, produção e vendas.

Com o refinamento das projeções, a renúncia estimada ficou mais próxima da realidade, na avaliação dos técnicos. É um indicativo de que, nos últimos anos, a perda pode ter sido maior que a estimada pelo Fisco.

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A fatura no ano que vem pode aumentar ainda mais. Parlamentares já acenaram que vão ampliar os incentivos previstos na Medida Provisória que criou o Rota 2030, o novo programa de incentivos aprovado pelo presidente Michel Temer, que ainda tramita no Congresso. Polêmico, o Rota vai conceder R$ 2,1 bilhões de renúncia para o setor automotivo em 2019.

Além disso, também pode ser renovado o programa de incentivos que responde pela maior parte da renúncia de 2019. O fisco estima que custará R$ 4,6 bilhões um benefício concedido a montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que têm crédito presumido de IPI em troca de projetos de investimentos apresentados até 2010. O incentivo existe desde 1997, mas foi sendo renovado e ampliado ao longo dos anos.

O benefício tem prazo para terminar em 2020, mas o senador Armando Monteiro (PTB-PE) já apresentou emenda para renová-lo mais uma vez.

Montadoras com fábricas na região têm procurado parlamentares para pressionar pela renovação. Em visita a Pernambuco, em março, o presidente Michel Temer disse que iria “providenciar” a renovação. Monteiro sustenta que a prorrogação é necessária para viabilizar, por exemplo, a expansão de uma fábrica da Fiat que prevê investimentos de R$ 7,5 bilhões até 2022. “Sem os incentivos, a viabilidade econômica dos projetos na região estaria comprometida.”

E a LDO?

O incremento de renúncias tributárias para o setor automotivo está na contramão do plano exigido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de reduzir, em 10 anos, 50% do volume dos incentivos concedidos por meio de tributos, que só em 2019 vai chegar a R$ 306,4 bilhões.

Segundo o secretário de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência, João Manoel Pinho de Mello, o aumento dos benefícios automotivos em 2019 reflete em boa parte o impacto do fim do Inovar-Auto e do Rota 2030 que se dará a partir do próximo ano.

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Contrário inicialmente ao novo programa, Pinho de Mello avalia que o modelo encaminhado ao Congresso ficou adequado, sem risco de ser questionado pela Organização Mundial do Comércio. Ele defendeu o benefício alegando que é um setor emblemático do ponto de vista do emprego. Para o secretário, não se pode ser “dogmático” em relação às renúncias. “O importante é avaliar o resultado das políticas”, ponderou.

O Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior argumentou, por meio de nota, que “como gestor do programa de incentivos para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tem monitorado o alcance dos objetivos do regime, especialmente no que se refere a: investimentos em pesquisa e desenvolvimento e em manufatura na região; novos produtos ou novos modelos de produtos já existentes; empregos; parque de fornecedores na região. Destaque-se que não é uma política automotiva, mas uma política de desenvolvimento regional”.

Mar de renúncias’

Conforme mostrou reportagem do jornal O Estado de São Paulo há duas semanas, as renúncias tributárias, como desonerações e incentivos fiscais, terão um salto de 23 bilhões em 2019 e vão atingir R$ 306,4 bilhões já no primeiro ano do próximo governo, segundo a proposta de lei orçamentária enviada ao Congresso. Esse valor deixará de entrar nos cofres do governo por conta da grande quantidade de benefícios concedidos às empresas, entidades filantrópicas e pessoas físicas. Os R$ 23 bilhões a mais em benefícios representam quase 80% do gasto anual projetado para o Bolsa Família.

O aumento dos “gastos tributários” da União - alguns deles previstos até mesmo na Constituição, como os incentivos da Zona Franca de Manaus - será de 8% em relação aos R$ 283,4 milhões previstos para 2018. Um ritmo de crescimento bem maior do que a correção do teto de gasto para 2019, de 4,39%. O teto de gasto é o mecanismo que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. A perda de arrecadação com as renúncias será equivalente a 21% de toda a arrecadação prevista em 2019, de R$ 1,4 trilhão.

DESEJOS PARA O BRASIL: Economia rica e competitiva

A previsão da Receita é de que haverá um aumento de 18,7% em 2019 no montante que o governo deixa de arrecadar com rendimentos isentos e não tributáveis. Essa rubrica inclui, por exemplo, o pagamento de lucros e dividendos a sócios de empresas e benefícios como auxílio-moradia e alimentação pagos a servidores públicos. A renúncia passará de R$ 27 bilhões em 2018 para R$ 32 bilhões no próximo ano. O Tribunal de Contas da União (TCU) já alertou que quase metade das renúncias não tem nenhum tipo de fiscalização sobre sua eficácia e cobra do governo a revisão dos benefícios.

Incentivos são ‘gota d’água no oceano de tributos’, diz Anfavea

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antônio Megale, defende que os incentivos para o setor são apenas uma “gota d’água” no oceano de tributos que incidem sobre a indústria. “Temos problemas de competitividade no País, com uma carga tributária muito alta: chega a 36%, em média, no preço do carro, enquanto nos Estados Unidos é 6%. Esses benefícios são uma gota no oceano”, afirmou. Para Megale, programas de incentivo regional são necessários para dividir a riqueza do País entre os Estados.

“A região de Goiana (PE) era absolutamente agrária, voltada à colheita de cana. Hoje, utilizando a mesma mão de obra, tem uma das fábricas mais modernas do mundo. São programas meritórios”, disse.

DESEJOS PARA O BRASIL: Um estado leve e ágil, com gastos que cabem no orçamento

Em relação ao Rota 2030 - programa automotivo que responderá por R$ 2,1 bilhões em renúncia no ano que vem - Megale afirma que ele é necessário para reter a pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Ele defende que o Inovar-Auto, que antecedeu o Rota, teve como reflexo a redução do consumo nos carros produzidos no Brasil em 15,1%, por exemplo. “Se o Rota não existisse, a primeira coisa que o País iria sentir era a redução de pesquisa e desenvolvimento. As empresas são multinacionais, poderiam facilmente mudar a pesquisa para outros países”, afirmou.

Emprego

O diretor da Associação Nacional dos Auditores Fiscais, Mauro Filho, porém, acredita que o Estado está bancando o financiamento de setores lucrativos sem que haja uma contrapartida de emprego e tecnologia. “Peguei o parecer que embasou o Rota 2030 e fui procurar a palavra emprego que justificaria a adoção do programa. Não tinha nenhuma”, disse ele, que obteve o parecer por meio da Lei de Acesso a Informação. Ele disse que também não há referência a novas tecnologias. “É uma repaginação. Nem disfarçaram”, criticou.

Para a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Vilma Pinto, falta ao governo avaliar as políticas relacionadas à concessão de incentivos. “Não existe avaliação dos gastos tributários. Tem uma série de gastos tributários que não se justificam manter e tem outros que podem até ser bons do ponto de vista social, mas que muitas vezes são mal desenhados”, afirmou. “É preciso fazer uma avaliação da política pública para o setor automotivo, considerando a implicação disso para os demais setores, para saber se vale a pena.”

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