Depois da liberação do saque de contas inativas do FTGS, em que foram sacados R$ 44 bilhões em 2017, uma nova rodada de dinheiro está sendo injetada na economia. O governo liberou o saque do Pis/Pasep para beneficiários de todas as idades e os bancos começaram a indenizar os poupadores que tiveram perdas com planos econômicos. As duas medidas têm o potencial para colocar até R$ 51,5 bilhões em circulação. Mas, ao contrário do esperado pelo Planalto, o efeito no consumo e no varejo deve ser pontual e insuficiente para aquecer a fraca atividade econômica.
O governo liberou em maio o início do saque das contas do Pis/Pasep para trabalhadores de todas as idades, uma medida que deve injetar R$ 39,5 bilhões na economia até setembro. Podem pegar o dinheiro todas as pessoas que trabalharam formalmente entre 1971 e 1988 e que ainda não sacaram sua parte no fundo. Antes, a idade mínima para ter direito a receber o benefício era de 70 anos. O antigo fundo do PIS/Pasep foi extinto em 1988 e milhares de trabalhadores não sacaram suas cotas porque não tinham a idade mínima requisitada.
A expectativa é de que 28,7 milhões de pessoas peguem o dinheiro do PIS/Pasep até setembro, quando o prazo para saque acaba. Em média, cada um tem direito a R$ 1.370, mas o valor varia de pessoa para pessoa conforme o tempo de contribuição nas décadas de 1970 e 1980.
Além do saque do Pis/Pasep, os poupadores que perderam com os planos econômicos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor 2 (1991) finalmente serão indenizados.O Supremo Tribunal Federal (STF) homologou o acordo dos poupadores junto aos bancos e, desde maio, está no ar uma plataforma para que eles possam se cadastrar para receber o dinheiro. Parte do pagamento já começou a ser feita e o cronograma de adesão vai até março de 2019. O governo fala que o acordo tem potencial para injetar até R$ 12 bilhões.
Efeitos no consumo e no PIB serão pontuais
O governo espera que as duas medidas estimulem o consumo das famílias e, consequentemente, melhorem a economia. Só com os R$ 39,5 bilhões que serão sacados do Pis/Pasep, a União calcula que o impacto positivo pode ser de até 0,55 ponto percentual no PIB. É a velha fórmula de injetar dinheiro vivo nas mãos das pessoas para ver se a roda da economia começa a girar.
Mas a injeção de dinheiro na economia é uma medida extraordinária que gera apenas um efeito pontual. As pessoas tendem a usar parte dos recursos para pagar dívidas e outra parte para consumo de bens e serviços, mas o impacto é pequeno e se restringe aos meses de liberação do dinheiro. Por isso, não é capaz de gerar crescimento contínuo das vendas, nem do PIB.
“[A injeção de dinheiro] é uma medida complementar, mas que não faz parte de uma politica de estímulo da economia de forma sistemática. Ajuda a movimentar setores que empregam muita gente, mas também não tem impacto significativo para criar situações melhores de consumo ao longo do ano, nem na geração de emprego”, diz Fábio Bentes, economista-chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
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A CNC estima que, dos R$ 39,5 bilhões esperados de saque do Pis/Pasep, somente R$ 10,3 bilhões vão chegar ao comércio varejista. O restante será usado para pagamento de dívidas, poupança ou no setor de serviço. O impacto desses R$ 10,3 bilhões no faturamento do comércio deve ser de cerca de 3% em relação a um período normal, mas, em termos de resultado anual, não chega a meio por cento, diz Bentes.
Situação semelhante já foi vista em 2017, quando o governo adotou a mesma fórmula para tentar estimular a economia: liberou o saque de contas inativas do FTGS, um total de R$ 44 bilhões. Levantamento da CNC mostra que a maior parte do dinheiro foi usada para pagamento de dívidas e apenas 25% (cerca de R$ 11 bilhões) foram para o comércio. O impacto no PIB de 2017 foi de 0,4 ponto percentual, segundo cálculos do Santander. Naquele ano, o PIB cresceu 1%.
Injeção de dinheiro pode ser prejudicial no médio e longo prazo, dizem economistas
Bentes explica que a injeção “artificial” de dinheiro na economia é uma fórmula arriscada, pois pode gerar inflação em médio prazo, o que seria ruim tanto para o consumo quanto para o crescimento do país. “Isso acaba no médio prazo jogando por terra a sustentabilidade do crescimento.”
A professora de economia Juliana Inhasz, da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado, destaca outro efeito negativo. “O grande problema é que esses recursos que são retirados [FGTS e Pis/Pasep] podem fazer falta às pessoas quando elas forem se aposentar. E um dos maiores problemas do nosso país é a Previdência.”
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Ela também diz que injetar dinheiro na economia de forma extraordinária cria uma falsa sensação de melhoria. “O governo não tem fontes [de dinheiro] suficientes para ficar fazendo políticas persistentes nesse formato. Ela [a injeção de dinheiro momentânea] cria uma sensação de melhoria que não existe, faz com que as pessoas e o comércio achem que as condições melhoraram, mas daqui a dois ou três meses a expectativa se reverte”, diz Juliana.
A economista acrescenta que a injeção de dinheiro tem o aspecto positivo de evitar o aumento do endividamento público, mas o “impacto de médio prazo na economia é baixo e do ponto de vista social pode ser muito ruim lá na frente”.
Ajuste fiscal é necessário para recuperar o consumo das famílias
Os economistas são unânimes em dizer que somente com o ajuste fiscal será possível voltar a estimular o consumo e a economia de forma persistente.
“Para ter crescimento sustentável é preciso retomar investimento. Perdemos a oportunidade de fazer isso de forma contundente no primeiro semestre. As reformas foram adiadas, principalmente a da Previdência e a Tributária. A gente até pode conseguir espasmos de crescimento, mas a sustentabilidade passa pela resolução do nosso maior problema que são as contas públicas”, diz Bentes.
Instituições revisam “motor” do PIB para baixo
Enquanto o ajuste fiscal não acontece, as previsões de crescimento do consumo das famílias, indicador considerado o motor da economia, seguem caindo, mesmo com a esperada injeção de dinheiro.
O Banco Central reduziu de 3% para 2,1% e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 3,4% para 2,3%. A CNC também revisou a projeção de crescimento do varejo ampliado: de 5% para 4,8%, ritmo ainda insuficiente para recuperar a perda de 20% do setor durante a recessão.
Quem está travando o crescimento do varejo e do consumo são velhos conhecidos: o desemprego, a queda na renda média do trabalhador, o custo do crédito (a queda dos juros ainda não chegou ao consumidor final) e o clima de incerteza eleitoral, que mina a confiança das famílias, investidores e empresários.
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