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O combate à pobreza, principalmente a pobreza extrema, exige mais do que boa vontade dos governantes. É preciso investir – e bem – o pouco dinheiro disponível para assistência social e programas de transferência de renda. Duas das principais políticas públicas de ajuda aos mais pobres do Brasil – o programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um tipo de aposentadoria para idosos muito pobres e deficientes – juntas representaram um gasto na casa dos R$ 80 bilhões no ano passado. É bastante dinheiro, mas, proporcionalmente, isso representou apenas 1,21% do PIB brasileiro – ou seja, de tudo que é produzido no país. E isso é barato ou caro? E mais: é um dinheiro bem gasto?

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Especialistas ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo são unânimes ao afirmar que, sim, esse é um gasto necessário. A razão é simples: é por meio da transferência de renda que é possível fazer com que milhares de famílias deixem a pobreza extrema e passem a ter condições de vida mais dignas. Apesar de ser um gasto necessário, há espaço para questionar a forma como o dinheiro está sendo aplicada. Nesse caso, há outros caminhos, mais eficientes, para seguir.

O técnico de planejamento e pesquisa do Ipea Sergei Soares lembra que os repasses do Bolsa Família e BPC equivalem a um décimo do que o país gasta com a Previdência Social. “Em termos relativos, os programas de assistência social são muito baratos porque tanto BPC quanto o Bolsa Família são voltados para os avassaladoramente mais pobres e reduzem a desigualdade. A Previdência, por outro lado, reproduz a desigualdade”, pondera.

A comparação com a Previdência mostra um retrato cruel. Em 2017, as despesas com benefícios previdenciários, inclusive os de assistência social, somaram R$ 557,2 bilhões. Só o déficit do sistema foi de R$ 268,8 bilhões. Toda essa despesa equivale a 8,5% do PIB e é obrigatória. Ou seja: o governo não tem escapatória desse pagamento. Mas para a conta da Previdência fechar, é preciso apertar o cinto em outras áreas, como saúde, educação, segurança e a assistência social.

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Gastar bem

A questão fundamental dos programas de assistência social brasileiros não é a quantidade de dinheiro investida, mas como ela é investida. Essa é uma das conclusões de um estudo realizado pelo Banco Mundial, que analisou como o gasto público do país pode ser mais eficiente. No campo de assistência social, o relatório apontou que o Brasil não possui um sistema de proteção efetivo, porque esse “sistema” é composto de uma série de programas sobrepostos e mal articulados.

Com exceção do Bolsa Família, que é considerado exemplo de bom direcionamento de recursos e eficiência de gastos, os demais programas são alvo de críticas. O BPC é um deles. Para o órgão, o problema do programa é que ele não é bem direcionado e é alvo de muita judicialização, o que faz com que os benefícios mais polpudos do BPC sejam pagos a pessoas que não necessariamente se enquadram no perfil.

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O foco do Bolsa Família é elogiado pelo professor do Insper Sérgio Firpo. “O Bolsa Família reduz pobreza extrema é super bem focalizado e tem transferência de renda condicionada. Ele transfere renda para o pai desde que ele leve o filho para a escola, dê saúde. É como garantir que o Estado consiga fazer o investimento de capital social e humano nessas crianças”, aponta.

Para ele, esse é o tipo de programa focalizado, barato e que dá resultados de curto a longo prazo. Firpo reconhece que há falhas: existem registros de fraude, o que abala a imagem do programa. Por outro lado, não há evidências que comprovem que brasileiros estejam deixando o mercado de trabalho para receber o “bolsa esmola” – o benefício básico que o Bolsa Família paga é de R$ 85 e a média mensal recebida pelos brasileiros mais pobres foi de R$ 175 no ano passado.

Para os que acreditam que há quem abra mão de um trabalho formal para receber o auxílio – valendo-se do bordão de “não dar o peixe, mas ensinar a pescar” – Firpo ressalta o diferencial do Bolsa Família. “Você está ensinando o filho desse cara a pescar. E, se a vara é curta, é por causa da má qualidade da escola pública”, argumenta.

Revisar a assistência

A política de assistência social não é imutável. Ela precisa, sim, ser revista de tempos em tempos. “O Bolsa Família é um programa mais moderno, mais bem pensado e mais fundamental que o BPC, que não é ruim. A ideia de prover renda a quem é deficiente ou idoso faz todo sentido, mas tem coisas no desenho do programa que estão um pouco datadas”, pondera Sergei Soares, do Ipea.

O BPC tem um número bem menor de beneficiários do que o Bolsa Família – são 4,5 milhões de idosos e deficientes contra 13,8 milhões de pessoas atendidas no ano passado. O problema é a diferença de custo: o BPC está vinculado ao salário mínimo, que é mais de 10 vezes maior que os R$ 85 do benefício básico das famílias que recebem o BF.

Na visão de Soares, principalmente o BPC para deficientes é que deveria ser repensado – o que não implica dizer que ele é ruim. “Hoje, o BPC vai totalmente contra a ideia de inclusão”, analisa. A vinculação ao salário mínimo também é problemática: isso é algo pensado para o mercado de trabalho, não para um benefício assistencial. “Mas não é desvincular e acabou. É repensar o dinheiro do BPC em geral, para gastar mais e ser mais efetivo”. Para Soares, no caso de deficientes, poderia haver uma gradação do valor da bolsa, considerando quem pode estar inserido no mercado de trabalho e quem não tem condições de trabalhar.

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Em relação aos idosos, o BPC enfrenta um dilema. Como está vinculado ao salário mínimo, esse acaba se tornando um tipo de aposentadoria de consolação: mesmo que o idoso não tenha contribuído, ele vai receber uma remuneração mensal, sem direito ao 13.º. “O BPC é um prêmio pela genética do idoso, que permitiu que ele sobrevivesse e ultrapassasse os 65 anos que passou trabalhando em empregos precários e por isso foi incapaz de contribuir para a Previdência”, afirma.

Firpo explica que esse quadro de envelhecimento e pobreza gera uma distorção: é difícil trabalhar, ter dinheiro para as despesas básicas do cotidiano e ainda contribuir para a Previdência. Mas, contribuindo ou não, essa pessoa acabará atendida pelo BPC. O valor do benefício, um salário mínimo, é adequado, porque quem o recebe deixa de ser pobre. “Ao mesmo tempo em que você dá um salário mínimo, você joga esse cara para os 40% mais ricos do Brasil, algo que é, estatisticamente, classe média. Não só ele vive fora da pobreza, mas vive uma vida com renda per capita elevada”, analisa.

No foco do problema

A avaliação da efetividade dos programas é a medida de famílias que deixaram a pobreza extrema. No caso do Bolsa Família, mais bem estruturado, uma possível melhora é a de mais meios de incentivo para reduzir a informalidade entre os beneficiários. Já o BPC precisa ter claro qual é o objetivo: ele é adequado para tirar da pobreza e da vulnerabilidade, mas carece de mecanismos que evitem a fraude e judicialização excessiva para obtenção de benefícios.

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Para o Banco Mundial, o BPC e o Bolsa Família poderiam ser fundidos em um só programa. Essa seria uma maneira de readequar os gastos, proporcionando mais eficiência na gestão dos recursos públicos. “Uma reforma dos programas de proteção social deveria manter seu foco na racionalização, integração e coordenação dos programas existentes, de forma a reduzir benefícios generosos, eliminar sobreposições e melhorar os incentivos”, diz o relatório do Banco Mundial.

“O governo precisa enfrentar um déficit fiscal e vai ter de se adequar para isso. Não adiantar cortar os programas sociais que ajudam os mais pobres. O que é prioridade: tabelar frete ou ajudar o cara pobre?”, questiona Firpo.

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