O presidente Jair Bolsonaro tem cerca de duas semanas para decidir qual será a nova política de reajuste do salário mínimo. Em meio à crise nas contas públicas e à estagnação da produtividade do país, a tendência é de que o piso salarial – hoje de R$ 998 – não cresça mais acima da inflação e se limite a manter o poder de compra do trabalhador.
O prazo para o envio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do ano que vem termina em 15 de abril. E essa peça tem de prever qual será o valor do salário mínimo, ainda que a previsão possa ser alterada nos meses seguintes, durante a tramitação no Congresso.
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Por oito anos seguidos, de 2012 a 2019, o piso salarial foi reajustado pela inflação do ano anterior – medida pelo INPC – mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Na maioria das vezes, a fórmula garantiu algum aumento real, à exceção de 2017 e 2018, quando o cálculo foi influenciado pelo PIB negativo de 2015 e 2016.
Essa regra de reajuste constava de uma lei proposta em 2011, no início do primeiro mandato de Dilma Rousseff, e foi mantida por uma outra lei, de 2015. Na prática, a legislação formalizou um compromisso de valorização do salário mínimo que o então presidente Lula havia assumido ainda na década anterior.
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No acumulado dos oito anos em que o cálculo de inflação mais PIB foi aplicado, o salário mínimo subiu 83%, equivalente a um aumento real de quase 16% em relação ao INPC acumulado no período.
A fórmula tinha a vantagem de dar alguma previsibilidade à despesa pública e evitar o desgaste de embates anuais com o Congresso para a definição do piso. Porém, deixava o governo de mãos atadas, impedido de conter gastos em anos críticos para as contas públicas – e todos os anos têm sido críticos desde 2014, quando a União entrou no negativo e passou a ter déficit antes mesmo do pagamento dos juros da dívida.
Como a legislação criada por Dilma vigorou só até 2019, de agora em diante Bolsonaro pode tanto estabelecer uma nova fórmula, válida pelos próximos anos, quanto optar por definir o reajuste ano a ano, como era feito no passado.
A Constituição afirma que o salário mínimo deve receber “reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”, o que significa que uma correção abaixo da inflação tende a ser questionada na Justiça.
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Por outro lado, com o governo no “cheque especial” há meia década e um ministro da Economia disposto a pelo menos zerar esse saldo, também não se deve contar com ganhos reais à remuneração. Assim, o caminho mais provável é o do meio: reajuste igual à inflação e mais nada. O que, aliás, já foi sinalizado por interlocutores de Paulo Guedes.
O impacto do salário mínimo sobre as contas públicas
O salário mínimo não pesa apenas para os empresários, que há anos reclamam que ele sobe acima da produtividade do país. O piso também tem grande impacto sobre as contas públicas, porque afeta algumas das despesas mais relevantes do governo.
O salário mínimo é o piso dos benefícios do INSS, que em 2018 consumiram 43,4% das despesas primárias da União; do Benefício de Prestação Continuada, o BPC (4,2% dos gastos); do seguro-desemprego (2,7%); e do abono salarial (1,3%). Em maior ou menor grau, portanto, ele é determinante para rubricas que consomem pouco mais da metade do Orçamento primário. Segundo cálculos feitos por técnicos da área no PLDO do ano passado, cada real a mais no salário mínimo aumenta em R$ 304 milhões por ano as despesas públicas federais.
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A ideia de corrigir o salário mínimo apenas pela inflação não é nova, e com frequência aparece entre as sugestões para reduzir ou ao menos limitar os gastos públicos. No fim do governo Temer, técnicos do Ministério da Fazenda estimaram que essa medida geraria economia de R$ 7,6 bilhões em 2020, R$ 22,3 bilhões em 2021 e R$ 39,1 bilhões em 2022. Ao todo, R$ 69 bilhões em três anos.
Segundo cálculos do Ministério da Economia que vieram à tona em janeiro, o reajuste apenas pela inflação faria o governo federal economizar R$ 330 bilhões em dez anos, em relação ao cenário em que mantivesse a política de valorização herdada de Dilma Rousseff.
O fim do aumento real prejudica os mais pobres?
O fim dos aumentos reais do salário mínimo tende a ser combatido por sindicatos e parte do Congresso, sob o argumento de que prejudicaria os mais pobres.
Dos 30,2 milhões de benefícios pagos mensalmente pela Previdência Social, 18,2 milhões – 60% do total – têm valor de um salário mínimo. O INSS calcula que, sem as aposentadorias e pensões que paga, o número de brasileiros na pobreza seria 50% maior. Seriam 93 milhões nessa situação, em vez de 62 milhões.
Na soma de aposentados, pensionistas e pessoas que têm renda de um salário mínimo no trabalho, o piso é referência para 48 milhões de brasileiros, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
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Na outra ponta da discussão, há quem observe que, por menor que seja a remuneração de R$ 998, os que a recebem não são os mais pobres do país. Para ter direito ao salário mínimo, como empregado ou aposentado, é necessário – hoje ou no passado – um vínculo formal de trabalho. E a maioria dos mais pobres não tem nem isso, pois vive na informalidade ou no desemprego.
Essa avaliação levou o vice-presidente Hamilton Mourão a se referir ao piso como o “salário mínimo que não é mínimo”. Crítico habitual desse e de outros direitos trabalhistas, ele disse dias atrás que, ao elevar o salário acima da inflação, governos anteriores “produziram uma contradição, na qual as classes mais favorecidas recebem mais que as menos favorecidas”.
Uma exceção nesse contexto é o BPC. Ele é pago a idosos ou pessoas com deficiência que vivam na miséria, independentemente de terem ou não contribuído à Previdência. Cerca de 4,7 milhões de pessoas recebem o benefício.
Bolsa Família é mais efetivo que transferências vinculadas ao salário mínimo
Estudos indicam que as transferências de renda vinculadas ao salário mínimo são menos efetivas que o Bolsa Família, tanto na redução da pobreza quanto no aumento da renda e da atividade econômica. Assim, se o governo tivesse de escolher entre uma coisa ou outra, o ideal seria aumentar as despesas com o programa assistencial criado em 2004, que hoje paga em média R$ 188 por família.
Segundo um trabalho publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cada R$ 1 adicional destinado ao Bolsa Família eleva em R$ 1,64 a renda disponível bruta das famílias. No caso do BPC, o aumento é de R$ 1,35. Para seguro-desemprego e abono salarial, o efeito é de R$ 1,27. Nos benefícios da Previdência Social, por sua vez, cada R$ 1 adicional eleva em apenas R$ 0,65 a renda disponível das famílias.
De acordo com o estudo, um aumento equivalente a 1% do PIB nos gastos com o Bolsa Família faria a atividade econômica crescer 1,78%. No BPC, o mesmo incremento na despesa faria a atividade aumentar 1,19%. No seguro-desemprego e no abono, 1,06%. E, na Previdência Social, apenas 0,52%.
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