O governo de Jair Bolsonaro já entrou em seu segundo mês, mas há um legado deixado pelo ex-presidente Michel Temer que ainda vai interferir no cotidiano da atual equipe do Palácio de Planalto. Tratam-se de medidas provisórias emitidas por Temer, que estão em validade e ainda não foram avaliadas pelo Congresso Nacional. Temer baixou 15 MPs entre novembro e dezembro do ano passado, quando Bolsonaro já estava eleito e sua posse era questão de tempo.
As medidas podem ser emitidas exclusivamente pelo presidente da República e passam a ter validade imediata após a publicação – mas precisam de avaliação do Congresso para continuarem em vigência (entenda a tramitação abaixo).
Michel Temer foi um “especialista” em medidas provisórias. Ele baixou 142 MPs em pouco mais de dois anos de gestão. O número corresponde a uma MP a cada 6 dias e meio, segundo levantamento do portal G1. Temer foi o terceiro presidente, em termos proporcionais, a fazer mais MPs desde a redemocratização, ficando atrás apenas de Itamar Franco e José Sarney.
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Coincidentemente, Temer, Sarney e Itamar foram inicialmente eleitos para a vice-presidência. Sarney tornou-se presidente após a morte de Tancredo Neves e Itamar e Temer, com os impeachments, respectivamente, de Fernando Collor e Dilma Rousseff.
A Constituição de 1988 determina que “em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias”. Até o momento, Jair Bolsonaro emitiu três MPs. Uma sobre a reestruturação da Esplanada dos Ministérios, outra sobre o “pente-fino” a beneficiários de pensões e aposentadorias e a terceira a respeito de pagamentos de gratificações a servidores da Advocacia-Geral da União (AGU).
Pacote variado
As medidas provisórias emitidas por Michel Temer no fim de 2018 abordam temas distintos. Uma delas, a 866, de 20 de dezembro, criou a NAV Brasil, estatal formada a partir de uma divisão da Infraero (responsável pela gestão dos aeroportos). A empresa tem foco específico na navegação aérea.
Na mão oposta, a MP 858, de 23 de novembro, determinou a extinção da Alcântara Cyclone Space, empresa que foi criada pelos governos de Brasil e Ucrânia para explorar o lançamento de satélites na base de Alcântara, no Maranhão. O projeto acabou não sendo bem-sucedido e a extinção da empresa era questão de tempo.
Duas MPs, a 864, de 17 de dezembro, e a 865, de 20 de dezembro, abordam a transferência de recursos da União para Roraima. O estado da Região Norte passou por uma intervenção federal no fim de 2018, com o então governador eleito, Antonio Denarium (PSL), empossado como interventor até o término do mandato de Suely Campos (PP).
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Outro tema relacionado com Roraima foi o repasse de R$ 75,2 milhões ao Ministério da Defesa, verba destinada a atos de acolhimento de refugiados venezuelanos. A questão foi contemplada com a MP 857, de 20 de novembro.
Já a última de todas as MPs elaboradas por Temer, a 869, de 27 de dezembro, criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados. O órgão, vinculado à Presidência da República, tem como atribuição gerenciar a segurança de dados dos cidadãos. Para tanto, deve criar uma política nacional de proteção de dados pessoais e privacidade e editar normas relacionadas ao assunto. A fundação da Autoridade foi combinada com a equipe de transição de Bolsonaro, e o órgão foi incluído na nova estrutura presidencial.
Outros temas contemplados pelas MPs da reta final da gestão de Michel Temer são uma modificação no Estatuto da Metrópole para permitir que o Distrito Federal componha uma região metropolitana, alterações no Código Brasileiro de Aeronáutica e o uso de recursos do FGTS em hospitais públicos.
Tramitação
A transformação de uma medida provisória em lei – ou mesmo sua negação ou adequação do conteúdo – é um processo longo, e que envolve a Câmara dos Deputados e o Senado.
Após a elaboração do texto da MP e publicação em Diário Oficial, a norma entra em vigor imediatamente, mas segue para análise do Congresso. Lá, os parlamentares formam uma comissão mista, composta por deputados federais e senadores, para avaliar a medida. A comissão pode dar três caminhos à MP: aprovação integral do texto, alteração (e aí é proposto um novo projeto de lei, “inspirado” na MP) e rejeição.
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Se aprovado, com ou sem alterações, segue para o plenário da Câmara; ocorrendo o aval dos deputados, vai para processo semelhante no Senado. A rejeição, a qualquer momento, determina o arquivamento da medida. Caso o produto final seja um projeto de lei – chamado de projeto de lei de conversão – a última etapa é a avaliação presidencial, que pode resultar em sanção ou veto.
O tempo é um elemento chave na tramitação de MPs. Quando promulgada, a medida provisória tem validade de 60 dias, sendo esse prazo prorrogado por mais 60 caso não haja avaliação pelo Congresso. Caso não seja apreciada em 45 dias, entra em regime de urgência, o que a coloca em prioridade dentro da rotina no Congresso.
É o que se costuma chamar de “trancar a pauta”, uma vez que os deputados e senadores só podem votar outros temas após a apreciação da MP. Tal cenário costuma motivar críticas dos parlamentares, que dizem ter seu trabalho dificultado pela tramitação das MPs enviadas pelo Palácio do Planalto.
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Quando uma medida provisória não tem sua tramitação concluída, seus efeitos deixam de existir – neste caso, costuma-se dizer que a MP “caducou”.
A maioria das MPs baixadas por Temer em seus dois meses finais de governo ainda não teve sua análise iniciada no Congresso. As exceções são as MPs 855, 856, 858, com comissões já instaladas, e as MPs 857 e 865, cujas discussões foram transferidas para a Comissão Mista de Orçamento.
A MP 858, que fala sobre o fim da empresa Alcântara Cyclone Space, já teve seu relatório final concluído, elaborado pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que indicou ser favorável à decisão do governo. A comissão chegou a marcar uma sessão para votar o relatório, mas o encontro foi cancelado.
“Saideira”
Além das medidas provisórias, o governo Temer executou outras ações nos últimos dias de trabalho que contrariaram a equipe de Bolsonaro. Entre elas, o corte nos recursos do programa Bolsa Atleta, a criação do Plano Nacional de Segurança e a sanção da Lei do Distrato, que aborda a rescisão de contrato entre construtoras e compradores de imóveis.
A atuação do agora ex-presidente motivou Bolsonaro a, nos dias anteriores à posse, anunciar que faria um “pente fino” em todas as decisões tomadas por Michel Temer nos últimos 60 dias de mandato.
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