O Brasil assinou no último dia 15 uma série de acordos com os Emirados Árabes Unidos (EAU) durante a visita do xeque Abdullah Bin Zayed Al Nahyan, ministro dos negócios estrangeiros do país. Al Nahyan esteve no Itamaraty e no Palácio do Planalto, onde conversou com o presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Os acordos são estratégicos para a diplomacia brasileira não só pelas perspectivas de investimentos que se abrem – sobra dinheiro do petróleo nos Emirados. Mas também porque o governo brasileiro pretende promover um realinhamento com os países árabes do Golfo Pérsico, que estariam diminuindo sua oposição a Israel em razão da ascensão do Irã e da crescente rivalidade dos iranianos com a Arábia Saudita.
Isso poderia facilitar a aproximação com Israel sem retaliações do mundo árabe. O Itamaraty avalia que, até agora, a despeito de declarações contrárias, não houve nenhuma reação relevante dos países árabes em relação ao Brasil por causa dos repetidos anúncios de que o Brasil deseja transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém – além de querer aprofundar as relações com os judeus. Até agora, houve uma nota contrária do ministro dos negócios estrangeiros do Catar, e consultas de países árabes a embaixadores brasileiros, como ocorreu no Iraque – ambos episódios de novembro do ano passado.
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O governo avalia ainda que a assinatura dos acordos com os Emirados é um bom sinal, já que o país, se estivesse contrariado, poderia ter esperado o resultado da viagem de Bolsonaro a Israel antes de realizar a visita oficial ao Brasil. O presidente deve ir a Israel entre os dias 31 de março e 2 de abril.
Transferência da embaixada está em banho-maria
O tema da transferência da embaixada do Brasil em Israel caminha em “banho-maria”, embora tenha sido anunciada por Bolsonaro na campanha e confirmada pelo chanceler Ernesto Araújo. Nas últimas vezes que se manifestou sobre o tema, Araújo disse que a proposta está sendo estudada. O tema ganhou contornos delicados, dentro do governo, quando o vice-presidente declarou que, “por ora”, o Brasil não estava pensando em mudar a embaixada de lugar. Interlocutores no Itamaraty confirmam que a transferência não está decidida e o ministério estuda opções.
A declaração de Mourão foi dada depois de um encontro com o embaixador palestino no Brasil, no final de janeiro, enquanto o vice ocupava a Presidência. No dia seguinte, acompanhado da ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM), reuniu-se com o secretário-geral da União de Câmaras Árabes. Os árabes vocalizaram a percepção de que a transferência da embaixada possa gerar boicotes da carne brasileira halal – processada segundo técnicas para atender a religião muçulmana.
Brasil quer se aproximar do eixo muçulmano liderado pelos sauditas
Porém, diplomatas ouvidos pela reportagem avaliam que, independentemente da aproximação desejada com Israel, o chanceler Ernesto Araújo está disposto a manter uma política bastante ativa em relação ao Oriente Médio. Os acordos com os Emirados são o primeiro passo de uma estratégia de aproximação também do Catar – cujo mandatário, o Emir Tamim al-Thani, visitou a América Latina sem passar pelo Brasil no segundo semestre do ano passado – e da Arábia Saudita. Os sauditas são líderes do eixo sunita do mundo árabe, que se contrapõe ao eixo xiita, comandado pelo Irã.
O Itamaraty entende que os países do Oriente Médio para os quais a causa palestina é hoje mais sensível e as relações com o Irã, mais próximas, são justamente aqueles que têm menor poder de retaliação em relação às exportações brasileiras. Na Síria, o Irã teve papel central na derrota do Estado Islâmico. No Líbano, o grupo terrorista Hezbollah tem ligações íntimas com o regime de Teerã. Mas os dois países, hoje, não representam nem US$ 300 milhões na compra de produtos brasileiros. O governo estuda aproveitar essa janela de oportunidade para se distanciar da causa palestina e, ao mesmo tempo, esfriar as relações com o Irã como gesto de boa vontade em relação aos países árabes do Golfo.
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Em 2018, o Brasil exportou US$ 2,11 bilhões para a Arábia Saudita (38% de carne de frango) e US$ 2,03 bilhões para os Emirados Árabes Unidos (24% de carne de frango). Esses são os mercados que teriam real poder de fogo para retaliar o Brasil em caso de efetivação da transferência da embaixada para Jerusalém.
O Irã também tem uma presença forte no comércio internacional brasileiro, tendo comprado US$ 2,27 bilhões em produtos nacionais no ano passado, principalmente milho e soja. No entanto, as sanções americanas contra o país também concorrem para desestimular o comércio brasileiro com os persas.
Em relação aos demais países do Golfo, o Brasil exportou US$ 674 milhões para Omã (17% de carne de frango); US$ 588 milhões para o Iraque (26% de carne de frango); US$ 416 milhões para o Barein (9% de carne de frango); US$ 268 milhões para o Catar (35% de carne de frango); e apenas US$ 227 milhões para o Kuwait (82% de carne de frango), país que hoje tem a política mais claramente anti-israelense no Golfo.
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Qual é o comércio brasileiro com o eixo do Irã
Já no eixo de influência iraniana, a Síria importa principalmente café e açúcar. No auge do comércio com o Brasil, antes da guerra civil, em 2011, os sírios compraram US$ 547 milhões em produtos brasileiros. Para o Líbano, o Brasil exportou US$ 270 milhões (30% de carne bovina e 17% em bovinos vivos). Também conta na estratégia brasileira o fato de os países do norte da África serem dependentes do eixo de influência Arábia Saudita. Em 2018, o Egito comprou US$ 2,13 bilhões em produtos brasileiros, sendo 24% de carne bovina.
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No final de janeiro, a Arábia Saudita anunciou a suspensão de importação de carne de frango de cinco frigoríficos brasileiros, o que despertou a impressão de que a medida poderia ser um sinal para o governo Bolsonaro. O Itamaraty, no entanto, avalia que a medida é um reflexo do protecionismo saudita. O país, como os EAU, tem um plano de modernização para reduzir a dependência do petróleo, o Visão 2030. Um dos capítulos do plano prevê justamente aumentar a produção nacional de frango.
Rearranjo no tabuleiro em relação a Israel?
As lideranças dos países do Golfo parecem estar fazendo um esforço de aproximação informal com Israel, já que os países ainda aderem à Iniciativa Árabe para a Paz, lançada em 2002 e ratificada em 2007 e 2017. Formalmente, os árabes propõem o fim do conflito com Israel condicionada à retirada do país dos territórios palestinos ocupados – inclusive Jerusalém Ocidental, depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Nos últimos anos, porém, lideranças árabes têm dado sinais positivos em relação a Israel. Dois exemplos são o fato de a Arábia Saudita ter autorizado voos partindo de Israel a sobrevoarem seu espaço aéreo pela primeira vez em 2018 e os Emirados terem recebido delegações israelenses e, durante o torneio mundial de judô, a bandeira de Israel ter sido hasteada no país.
A percepção do Itamaraty é que os Estados Unidos apoiam informalmente essa aproximação, principalmente pelo apoio à formação da Aliança Estratégica do Oriente Médio (Mesa, na sigla em inglês), uma espécie de OTAN árabe. Por enquanto, a iniciativa está no nível de conversas e consultas apenas.
O chanceler brasileiro se movimenta no tabuleiro. No último dia 14 de fevereiro, Araújo participou na Polônia dos trabalhos da Conferência de Varsóvia para Promover um Futuro de Paz e Segurança no Oriente Médio, patrocinada pelos Estados Unidos e pela Polônia. Foi a primeira vez que um ministro brasileiro compareceu a esse tipo de conferência, que ocorre fora dos marcos da ONU. A principal intenção da reunião era o isolamento do Irã, que se alinha com a Rússia nas disputas da região. No mesmo dia, Moscou patrocinou uma conferência paralela com a presença de Irã e Turquia.
Estiveram presentes na reunião patrocinada pelos americanos: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Marrocos, Omã, Barein, Tunísia, Egito, Jordânia, cujos representantes se reuniram com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que também se encontrou com Araújo. Durante o encontro, o chanceler brasileiro foi procurador pelo ministro das relações exteriores da Arábia Saudita, Ibrahim al-Assaf, para marcar uma visita ao Brasil.
Inicialmente, havia a expectativa de que os Estados Unidos divulgassem no encontro de Varsóvia o “Acordo do Século”, como Trump tem chamado sua proposta de acordo entre Israel e Palestina. Mas o genro de Trump, Jared Kushner, que esteve na Polônia, afirmou que o texto não será divulgado antes das eleições em Israel, marcadas para 9 de abril, a fim de não influenciar no processo eleitoral do país.
As eleições foram antecipadas pela crise no governo de Benjamin Netanyahu, mas as pesquisas apontam que ele é o favorito no pleito. Seja como for, a avaliação do Itamaraty é que as questões de segurança e terrorismo restringiram o leque de opções na política externa israelense.
Qualquer que seja o resultado da eleição, a percepção é de que as grandes linhas da política de Israel não serão modificadas: um Estado liberal em geral, mas com grande presença estatal na área de segurança e ciência, tecnologia e inovação. É nesses últimos temas, inclusive, que o Itamaraty vem trabalhando com prioridade nas preparações para a viagem de Bolsonaro ao país.
Quais foram os acordos firmados pelo Brasil com os Emirados
O instrumento mais relevante assinado durante a visita ao Brasil do xeque Abdullah Bin Zayed Al Nahyan, dos Emirados Árabes Unidos, foi o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI). O principal investidor dos Emirados que já atua no Brasil é o fundo soberano Mubadala, que tem US$ 240 bilhões em caixa. O horizonte do governo brasileiro é atrair o Abu Dhabi Investment Authority (ADIA), terceiro maior fundo soberano do mundo, com US$ 697 bilhões em recursos.
Foram assinados também um memorando de entendimento sobre turismo, um acordo de extradição e um acordo de assistência jurídica mútua em matéria penal. Outros acordos estão sendo preparados e devem ser assinados em breve.
Em novembro, já havia sido assinada com os Emirados a Convenção para Eliminar a Dupla Tributação. Brasil e o país árabe mantêm um grupo de trabalho que atuará conjuntamente para explorar as potencialidades dos dois acordos e discutir entraves setoriais e burocráticos. O Itamaraty prospectou uma janela de oportunidade: os Emirados estão dispostos a investir em infraestrutura, especialmente em rodovias e portos. O país é líder no setor de logística e sofre com um problema crônico de segurança alimentar, o que leva os árabes a ter interesse no setor primário brasileiro.
Os Emirados ambém estão investindo as receitas do petróleo em ciência, tecnologia e inovação e são o único do país do mundo a ter um Ministério da Inteligência Artificial. O esforço faz parte do plano de modernização do país, uma iniciativa que se repete em diferentes países do Golfo, que veem a necessidade de diminuir a dependência do petróleo conforme a commodity perde importância na economia global. Os governos de Brasil e dos Emirados preparam um segundo grupo de trabalho para tratar desse tema.
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