A grande volta que a política dá. Hoje ferrenho opositor e adversário número 1 do PT na corrida presidencial, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), quem diria, já teve seu momento petista: ele votou em Lula para presidente da República no segundo turno de 2002 (ouça áudio), deu nota 10 para um discurso do ex-presidente e até sugeriu o nome do então deputado José Genoino (PT-SP) para ser o ministro da Defesa de seu primeiro mandato. O chamou até de “companheiro” e “nosso querido Lula”. Em discursos na Câmara em 2002, antes e após a eleição daquele ano na qual Lula se elegeu, Bolsonaro foi só elogios ao petista. No primeiro turno, ele votou em Ciro Gomes, então no PPS.
Uma de suas confissões de voto em Lula se deu num discurso enfático de 5 de dezembro daquele ano. O deputado, então no seu terceiro mandato, pelo PPB, era um crítico do governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, presidente à época.
“Confesso publicamente que votei no segundo turno em Lula. Jamais votaria em um candidato de Fernando Henrique Cardoso [José Serra, derrotado por Lula]. Votei e trabalhei para Ciro Gomes no primeiro turno. Perdi. No segundo, escolhi o que considerei ser a melhor opção. Haverá brava crise pela frente, mas mantemos a esperança de dias melhores. Espero que o companheiro Lula, já que está na moda falar assim, consulte os quadros do PT, do PCdoB e de outros partidos para fazer suas escolhas”, disse Bolsonaro à época, preocupado com a notícia de que Lula nomearia o embaixador José Viegas para o Ministério da Defesa, como o fez.
O deputado era um duro crítico do governo tucano e de sua política para os militares. E, nesse discurso, sugeriu até mesmo que Lula, em vez de Viegas, indicasse José Genoino ou o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). E os elogiou. Viegas era muito próximo de FHC no entendimento de Bolsonaro.
“Não tenho como indicar alguém para o Ministério da Defesa. Não faço parte da equipe do Lula nem tenho poder de veto, mas tenho voz nesta Casa. Sugiro até mesmo o nome de José Genoíno, por quem não tenho grande amizade, mas reconheço sua competência. Não faria oposição à possibilidade dele ir para o Ministério da Defesa. Também não me oporia se o eleito fosse Aldo Rebelo, do PCdoB. Ambos são competentes. Não quero falar sobre a história de ninguém. Temos de pensar apenas no Brasil daqui para a frente... Apelo para os companheiros do PT, do PCdoB, para pessoas de bom senso do futuro governo que digam não a José Viegas”.
“Honesto, ainda que sem cultura”
Antes mesmo dessa confissão, Bolsonaro já declarava que, num segundo turno entre Serra e Lula, como apontavam as pesquisas, não votaria no candidato tucano, mesmo sendo seu partido integrante da base do governo de FHC. E que votaria em Lula, mesmo ele não tendo “muita cultura”, mas se tratava de uma pessoa honesta. Esse discurso ocorreu em 9 de maio de 2002.
“Embora eu pertença a partido da base de apoio do governo, o PPB, raramente voto favoravelmente às propostas governamentais e jamais apoiaria o candidato oficial. Digo mais: num segundo turno disputado entre José Serra e Lula, não voto em José Serra. Prefiro uma pessoa honesta, ainda que sem muita cultura, como dizem ser o caso de Lula, a uma pessoa muito culta, porém mal-intencionada”.
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Em outro discurso, também em maio, ele alertou que toda a insatisfação militar iria “estourar no colo do PT”, caso vencesse a eleição. E reiterou que seu voto seria no petista. “Então, alerto o pessoal do PT: entre Serra e Lula, no segundo turno, não tenho dúvidas em quem votarei”.
Discurso nota 10
Bolsonaro e Lula se encontraram em junho daquele ano na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, durante uma audiência pública na qual o petista era o convidado. O deputado e Lula criticaram a nomeação do advogado Geraldo Quintão para o Ministério da Defesa de Fernando Henrique. O discurso de Lula de críticas a Quintão ganhou nota 10 de Bolsonaro, que novamente o chamou de companheiro.
“O fato é que ninguém sabe quem é Geraldo Quintão. Ontem, na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Internacional, Luiz Inácio Lula da Silva também demonstrou insatisfação com o perfil do atual ministro. Disse então ao companheiro que ficasse tranquilo porque ninguém conhecia o dr. Geraldo Quintão a não ser os banqueiros, para quem advogou por 38 anos... Lula merece nota 10 pelo sincero e confiante discurso que fez ontem. Disse apenas o que está acontecendo e que é muito fácil resolver os problemas das Forças Armadas. Basta multiplicar por um o que o atual governo está fazendo”.
No encerramento dessa fala, Bolsonaro anunciou que iria disseminar a posição de Lula sobre Quintão a 20 mil militares. E voltou a pregar o voto em Lula, ainda que de forma indireta.
“Quero louvar a posição do Lula na Comissão de Relações Exteriores. Farei chegar ao conhecimento dos meus 20 mil militares, que forem internautas, da posição do presidenciável naquela Comissão, para que cada um forme um juízo melhor de como votar por ocasião das eleições em 6 de outubro (quando se deu a votação no primeiro turno). Obviamente, nós fechamos: nenhum militar vai votar em Serra”.
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Depois de Lula eleito, mas ainda não empossado, Bolsonaro, em 27 de novembro, chamou Lula de “querido”. Sempre preocupado com a indicação de seu ministro da Defesa.
“Senhor Presidente, posto ser o momento oportuno, espero que o nosso querido Luiz Inácio Lula da Silva, futuro Presidente da República, tenha o devido carinho para escolher um ministro da Defesa que realmente esteja à altura das tradições do nosso Exército”.
Lua de mel terminou em 2003
Ainda em fevereiro de 2003, com Lula já empossado, Bolsonaro começou a criticar seu governo. Ele condenou a proposta de reforma da Previdência proposta pela gestão petista.
“Estou um tanto quanto apreensivo neste início do governo Lula, principalmente no tocante à previdência militar e à dos servidores públicos. O governo continua com o propósito de cobrar contribuição previdenciária dos inativos”, afirmou Bolsonaro.
Em maio, voltou a criticar a política previdenciária do petista, em especial a reforma que estava propondo para essa área. “Confesso que, se essa reforma fosse proposta pelo governo Fernando Henrique Cardoso, já seria difícil acreditar, mas apresentada por este governo, massacrando os servidores civis, logo essa classe que, em quase sua totalidade, votou no governo Lula, assim como os militares da União, é ainda pior”.
De lá para cá, Bolsonaro virou um algoz dos políticos petistas, com quem teve embates duríssimos. Ele já chamou Dilma de “ladra”, “guerrilheira”, “assassina”. E já chamou Lula de “ladrão”, “corrupto” e “chefe de quadrilha”. Foram dezenas esses confrontos com petistas.
A Gazeta do Povo fez contato com Bolsonaro na noite desta segunda-feira (31) e até o fechamento dessa reportagem não obteve retorno.