Foi em 2014 que o termo “pedalada” se tornou de uso corrente na análise das contas publicas. Na época, tinha uma aplicação bem restrita, referindo-se à postergação de pagamentos devidos pela União para maquiar as contas públicas. O tempo desse tipo de pedalada passou, felizmente, mas os maus hábitos na gestão do orçamento no Brasil continuam.
Este novo momento das contas públicas é uma espécie de “pedalada perpétua”, em que o governo não maquia os dados, mas tampouco consegue cumprir suas metas e faz seguidas revisões, para pior. E a bicicleta que ele mantém de pé com esse movimento é a que equilibra a base cada vez mais fina no Congresso, avessa a reformas profundas.
Vamos deixar bem claro: o orçamento é uma construção conjunta do Executivo e Legislativo. Na prática, parece que a responsabilidade é só da equipe econômica, que precisa se virar para dar um jeito de pagar as contas. Mas é no Congresso que previsões irrealistas de receitas e a amarração das despesas engessadas são aprovadas.
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A equipe econômica caiu na tentação de prever um ano de economia em recuperação mais forte do que vimos até agora, ao mesmo tempo em que colocou na calculadora receitas incertas para fechar as contas – repetindo o erro do governo Dilma Rousseff, que deixou como herança para Michel Temer a revisão da meta de 2016. Também estava no plano de voo a aprovação de reformas, em especial a da Previdência. Se tivesse passado já no primeiro semestre, a mudança nas aposentadorias já provocaria efeitos fiscais neste ano.
O orçamento descalibrado de origem e a dificuldade de aprovar reformas são dois ingredientes do pedalar perpétuo. Estamos nessa toada há anos. Para dar um exemplo, em 2015 e equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, enviou ao Congresso um projeto de lei para tornar mais rígidas as concessões de benefícios do INSS, em especial a pensão por morte. Saiu com menos da metade do que pediu e levou de bônus uma mudança nas regras de todas as aposentadorias, a regra 85/95, que aumentou o número de aposentadorias integrais e acelerou o déficit da Previdência. Levy saiu do governo por não querer revisar a meta de 2015, enfim inatingível.
No Brasil é assim: na hora do ajuste, vem o desajuste. E está acontecendo de novo. Com a Previdência, que já virou um projeto pela metade, e o Refis, criado para arrecadar R$ 13 bilhões e que pode trazer menos de R$ 400 milhões neste ano.
Na pedalada perpétua, o governo e o Congresso cedem à pressão dos servidores, que conseguem pacotes de reajustes para dois ou três anos. Em 2018, esse reajuste custaria R$ 20 bilhões e por isso entrou na mira do governo. E quando cede, o governo diz que vai conseguir readequar suas despesas, como se essa fosse realmente uma possibilidade – atualmente, só 9% do total do orçamento pode ser segurado (contingenciado, no termo técnico), mas cortar tudo isso só fechando todas as repartições e parando todas as obras do país, algo impossível.
Outra faceta do momento da gestão fiscal é que o governo só consegue mexer com os impostos da massa, como o PIS/Cofins da gasolina. Uma nova alíquota de Imposto de Renda, dentro de um debate pertinente de justiça tributária, foi engavetada em menos de 24 horas. A discussão sobre a taxa de longo prazo (TLP), que substituiria a TJLP nos contratos do BNDES para acabar com o “bolsa empresário” está sendo esvaziada pela própria base do governo.
A ala política do governo e os congressistas de sua base devem acreditar que uma solução para o caos fiscal do Brasil vai cair do céu. Não vai. Ao aumentar o déficit primário, registrado antes do pagamento dos juros, para este ano e o ano que vem, o governo indica que sua dívida vai crescer. As projeções da Instituição Fiscal Independente do Senado já indicavam antes disso que a dívida encostaria em 92% do PIB em 2024 para depois cair. É um cenário que engloba reformas, volta do crescimento e superávit primário a partir de 2020. Parece cada dia menos provável e já há quem calcule que a dívida passará de 100% do PIB, atrasando a recuperação do grau de investimento.
Os efeitos dessa contínua corrosão das contas é que em algum momento ela vai se refletir na taxa de juros e nas expectativas de inflação, podendo cortar a retomada da economia no meio do caminho. Difícil estimar o tamanho desse risco hoje, mas temos mais um ano e meio de Congresso desleixado pela frente e não se sabe o que virá em 2019. Pode ser um risco enorme mesmo com a calmaria atual do mercado.
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