Parte do tratado sobre a eletricidade gerada pela hidrelétrica de Itaipu está vencendo e precisa ser revisado até 2023. O governo brasileiro vê na revisão a oportunidade de permitir que a energia da usina seja vendida a qualquer comprador e não somente entre Brasil e Paraguai, como é hoje. A mudança pode injetar grande quantidade de energia no mercado livre (no qual comprador e vendedor negociam o custo da energia) e favorecer a integração energética na América Latina. Na esteira disso, surgem preocupações se o preço da energia pode subir para o consumidor brasileiro como reflexo da mudança e sobre o pagamento dos royalties, que beneficiam as cidades no entorno da usina na Região Oeste do Paraná.
A revisão do anexo C do Tratado de Itaipu, que trata sobre as condições de financiamento da gigante hidrelétrica binacional, será feita pela primeira vez desde sua assinatura e só ocorrerá novamente em 2073. Parece apressado o debate, porém agora estão sendo preparados os leilões de venda de energia com prazos mais longos, e o governo brasileiro avalia que a revisão do tratado deve somar-se a outras reformas que estão sendo feitas, como o alinhamento de preços de energia em patamar de mercado, com redução de subsídios.
A comercialização da energia de Itaipu livremente agradou ao mercado, pois resultaria numa injeção de potência para ser comercializada no país e permitindo que os grandes consumidores se protejam de momentos de elevação do custo da energia. Por outro lado, essa medida poderia prejudicar quem recebe energia das distribuidoras (que hoje recebem cotas da energia gerada pela usina) e não pode se proteger contratualmente das variações de preço. Também merecem alerta problemas que podem surgir com variações cambiais, já que a energia de Itaipu é vendida em dólares, deixando os consumidores livres e regulados expostos.
A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) afirmou que a forma de venda de energia de Itaipu e outros pontos da proposta “permitirão superar o atual modelo comercial – inadequado, centralizador, estatizante”, segundo nota divulgada quando surgiram informações preliminares dos planos sobre Itaipu. A Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) afirmou, na ocasião, que a decisão de transferir a contratação da energia de Itaipu ao mercado também é “positiva, mas nos obriga a pensar como tratar a parcela do Paraguai, que hoje é paga em dólar”.
A revisão também pode marcar uma nova fase de integração energética na América do Sul. As linhas de transmissão entre Paraguai e Brasil têm capacidade de 2 mil MW médios, sem contar interligações com países vizinhos como Argentina e Uruguai. Com isso, parte dos 135.264 km de linhas no Brasil poderão ser usadas para transitar energia comercializada entre os países, arrecadando tarifas de transmissão para todo o setor elétrico pelo uso das linhas.
Pagamento de Royalties preocupa cidades lindeiras
Nas cidades onde a usina e seu reservatório estão instaladas, há preocupação de que sejam alterados os royalties pagos como compensação pelos dados ambientais e sociais por ocasião da construção da hidrelétrica.
No governo, esse debate não é central. A administração da usina, por outro lado, se preocupa com a manutenção dos royalties e já está em campanha de esclarecimento sobre a necessidade de mantê-los como são pagos hoje, sem permitir que a revisão do anexo C atinja o benefício. A usina sustenta que a instituição do pagamento está no texto principal do tratado e somente o valor está definido no anexo C. “Os royalties são um importante benefício para o desenvolvimento dos dois países, principalmente da região onde Itaipu está inserida. O repasse constitui uma das principais fontes de receita dos municípios lindeiros”, informou, em nota.
Itaipu pagou em toda sua existência US$ 10,5 bilhões em royalties, que podem ser aplicados em saúde, educação e segurança no Brasil. Destes, 38% do valor total são distribuídos aos 16 municípios afetados pelo reservatório da usina, proporcionalmente à área alagada, sendo 15 no Paraná e um no Mato Grosso do Sul. Outros 38% são distribuídos ao Paraná e 1% ao Mato Grosso do Sul. O restante, 13%, vai para municípios e estados indiretamente atingidos por reservatórios rio acima e 10% para órgãos federais.
A usina tem razão em estar preocupada e defendendo o pagamento dos royalties. A oportunidade de poder negociar, sob o prisma político vigente, as regras de venda da energia de Itaipu pelo próximo meio século está atraindo interesses nas esferas de poder. Nesse processo, há quem defenda que mudanças maiores podem ser feitas, além do anexo C, que trata das condições financeiras do tratado. Alguns especialistas afirmam que seria possível revisar o texto principal do tratado se governos e Congressos dos dois países aceitassem.
O Ministério de Minas e Energia do Brasil afirmou que “ainda estão em estudo as alterações que se entenderia como desejáveis no Tratado” mas que ainda não foi iniciado “formalmente” o debate entre os diversos ministérios sobre o tema e que espera que a revisão do anexo C seja concluída antes de 2023, mas não há previsão de prazo porque qualquer alteração depende de aprovação dos Congressos de ambos países”.
“Cada país está estudando os cenários possíveis para o pós-2023, quando a usina estará amortizada. Os estudos para a renegociação do anexo C também estão entre os temas estratégicos da binacional para os próximos anos”, afirmou Itaipu Binacional, em nota.
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