O jurista Jorge Hage Sobrinho foi ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU) – atual Ministério da Transparência – por pouco mais de oito anos, de junho de 2006 até o final de 2014, período em que foi responsável pela articulação e monitoramento da Lei de Acesso à Informação (LAI) e também pela elaboração da Lei de Conflito de Interesses e a Lei Anticorrupção — esta última que permite a punição de empresas envolvidas em irregularidades contra a administração pública.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Hage afirma que o Brasil já não pode mais ser chamado de o país da impunidade, já que vários políticos e empresários estão cumprindo penas e devolvendo recursos públicos. Ele chama a atenção, porém, para a necessidade de medidas preventivas.
Hage também pontua que o Brasil precisa adotar ações e critérios para ter um selo de transparência perante outros países. Entre as medidas sugeridas pelo ex-titular da CGU estão: rever normas sobre licitações e contratos; adoção de medidas de compliance pelas empresas privadas; uma lei para regulamentar o lobby; e a redução do foro privilegiado.
Dados da ONG Transparência Internacional apontam que, para 78% dos brasileiros, o nível de corrupção aumentou no Brasil. Ainda de acordo com a pesquisa, no Brasil, 56% afirmam que o governo atua de forma inadequada contra a corrupção. Confira os principais tópicos da entrevista:
Impunidade?
“A corrupção está sendo investigada, descoberta e punida aos olhos de todos, a cada dia, em todos os jornais, revistas, canais de TV e internet. Isso não tem nada a ver com ‘impunidade’, pelo contrário, mostra que tem havido punições e muitas. Agora, isso passa, sim, a sensação de que a corrupção aumentou, claro.”
Transparência
“A grande maioria dos estados e municípios realmente anda a passos mais lentos em matéria de transparência, quando comparados com o poder Executivo Federal. Os poderes Legislativo e Judiciário, bem como o Ministério Público, também estão muito atrasados. Mas não me parece que isso se relacione tanto com uma possível ‘sensação de impunidade’, que, a meu ver, não é mais o principal problema hoje. Já temos algumas centenas de condenações, inclusive muitas de figuras poderosas. O Brasil não é mais o país da impunidade. Falta muita coisa, sim, e a corrupção continua acontecendo, mas não é por falta de investigação, denúncia e punição. O que falta é priorizar mais a prevenção, as medidas preventivas, tais como a implementação integral das medidas previstas na Lei das Estatais, a Lei 13.303/2016, sobre o compliance anticorrupção; mudanças nas práticas políticas velhíssimas, da república velha, que ainda estão presentes em nosso dia a dia, do fisiologismo mais primário, do ‘toma lá dá cá’ de cargos em troca de apoio para projetos do Executivo, de loteamento de ministérios e de empresas estatais; precisamos reduzir o volume dos cargos de livre provimento, para reduzir essas práticas.”
Métodos anticorrupção
“Precisamos consolidar as novas regras do financiamento de campanhas, sem retrocessos ao que o STF já decidiu, ao banir o financiamento empresarial (que sempre esteve na base da grande corrupção político-administrativa). Precisamos ainda rever as normas sobre licitações e contratos. E, em outras frente, é necessário melhorar o ambiente geral de negócios no pais, aumentando os estímulos e incentivos à adoção de medidas de compliance pelas empresas privadas, pelo menos daquelas que contratem com o governo, como já faz hoje a Petrobras e vai começar a fazer o estado do Rio de Janeiro, que aprovou uma lei recentemente impondo compliance para as empresas que participarem de licitações e contratos com o estado.”
Foro privilegiado e Ficha Limpa
“Há também iniciativas que cabem às próprias empresas – independentemente do governo – e que são importantíssimas para mudar a face do problema: me refiro a Acordos Setoriais de Integridade, por exemplo em setores como infraestrutura, petróleo e gás, laboratórios farmacêuticos, produtos médico-hospitalares, planos de saúde, etc.
Outra medida importante que nos falta ainda é uma lei de regulamentação do lobby. Por fim, eu ainda lembraria no que nos falta: reduzir drasticamente o chamado foro privilegiado, adotar critérios objetivos e rigorosas de idoneidade e reputação para a nomeação de ministros de estado e de tribunais (exigindo, no mínimo, os mesmos requisitos dos cargos eletivos - Lei da Ficha Limpa) , criminalizar o enriquecimento Ilícito (há um projeto do Executivo no Congresso desde o ano de 2005).”
Acordos de leniência
“Não resta a menor dúvida que a regulamentação atual dos acordos de leniência precisa ser alterada. Da forma que ficou, não pode funcionar bem. Nenhuma empresa se sente segura em abrir informações sobre ilicitudes perante um órgão público, sabendo que pode, no dia seguinte, ser processada por outra órgão com iguais poderes punitivos. Trata-se de reflexo do regime de “independência das esferas punitivas”, que vigora no sistema jurídico brasileiro. Ora, se é assim, se existem diversos órgãos com competência para aplicar ou provocar a aplicação de sanções sobre um mesmo fato ilícito cometido por uma empresa – no caso, CGU, Tribunal de Contas da União, Cade, Advocacia-Geral da União e Ministério Público (estes dois últimos provocando o Judiciário), é obvio que precisa haver alguma forma de coordenação, de articulação entre eles para negociar essa redução de penalidades, ou todos participando juntos da celebração dos acordos ou cada qual negociando em paralelo, ou criando-se uma instância em que todos estejam representados, enfim, uma forma de coordenação. Só que, pela lei atual (art. 16, § 10, da Lei 12.846/2013), a CGU é o único órgão com competência para a celebração de tais acordos, no âmbito do poder Executivo Federal. E isso não foi nem proposta do Executivo, pois o projeto de Lei nem previa esses acordos; foi tudo introduzido no Congresso, por emenda.”
Recuperação de recursos públicos
“Há grande dificuldade para a estimativa dos danos e consequente recuperação dos recursos públicos, onde cada um desses órgãos tem adotado um critério diferente. e aí é preciso destacar que o ressarcimento do dano nada tem a ver com a pena de multa. São duas coisas distintas. E vem sendo feita certa confusão sobre isso. A lei não permite nenhuma negociação sobre o ressarcimento do dano; ele tem que ser integral. Somente a multa é que pode ser negociada e reduzida em até 2/3. E outro problema diferente, ainda, é a morosidade dos processos para o ressarcimento do dano (depois de definido o valor a cobrar). Para resolver o problema dos acordos de leniência, a meu ver, é preciso altera a Lei 12.846 (Lei Anticorrupção Empresarial).
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