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O Brasil colocou a mão no vespeiro e saiu picado. Em 2014, o Itamaraty decidiu “intervir” no conflito entre israelenses e palestinos. Endureceu o tom contra Israel, que deflagrava uma ofensiva contra o Hamas na Faixa de Gaza. Chamou o embaixador brasileiro de volta ao país – na liturgia da diplomacia, o passo anterior ao rompimento de relações. O porta-voz da chancelaria israelense, Yigal Palmor, não deixou por menos. Bateu duro e deixou claro como via o país: “O Brasil é um gigante econômico e cultural, mas continua um anão diplomático”.

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Foi uma ofensa. Uma humilhação. Mas também um sinal de alerta: a política externa brasileira dava sinais claros de fracasso e erros de estratégia. E jogou o país numa espécie de divã existencial. Um ser ou não ser: o que o Brasil é afinal? Um anão diplomático? Um gigante de papel? Uma potência injustiçada? Ou simplesmente uma nação que não se enxerga e não sabe o que quer?

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Falta de visão

Três anos depois, o Brasil não tem papel relevante na intermediação dos conflitos do Oriente Médio – o que mostra como a sonhada cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU não passa disso: um sonho.

A conquista do assento no Conselho das Nações Unidas há décadas é um dos principais objetivos do Itamaraty. “Mas esse projeto diplomático revela certa falta de visão da realidade de como funciona o sistema internacional”, diz Wilson Maske, coordenador do curso de especialização em História Contemporânea e Relações Internacionais da PUCPR.

Sala de reuniões do Conselho de Segurança da ONU.  

Embora reconheça que o pleito brasileiro tem o mérito de questionar uma ordem internacional estabelecida em 1945, após o fim da 2ª Guerra, ele lembra que o Brasil não é um “gigante” militar e na economia. “Conquistar uma cadeira no Conselho é muito mais uma tentativa de se tornar uma potência no papel do que de fato.”

A reivindicação brasileira na ONU fica ainda mais distante se for levado em conta que o país não consegue nem mesmo desatar os nós que aparecem em seu quintal.

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A crescente escalada de violência na Venezuela, o colapso econômico do vizinho e o risco de instalação de uma ditadura por Nicolás Maduro é um exemplo disso. “A Venezuela foi ‘paparicada’ pelos governos Lula e Dilma. E no que deu?”, questiona Argemiro Procópio, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Outro exemplo foram as negociações entre o governo da Colômbia e as Farcs para pôr fim à guerra civil naquele país. A participação brasileira não foi relevante.

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No comércio, patinamos

Na área comercial, o Mercosul patina. Apenas 14,4% do comércio dos países do bloco é feito com seus parceiros. É pouco. Na União Europeia, o porcentual é de 60,2%. No Nafta (que reúne Estados Unidos, México e Canadá), são 41,1%. “No exterior, o Mercosul é exemplo de um mecanismo de integração que não deu certo”, diz Argemiro Procópio.

No comércio, o Brasil é escandalosamente pequeno.

Argemiro Procópio professor de relações internacionais da Universidade de Brasília

O país também se amarrou ao Mercosul. Ao se recusar a assinar acordos comerciais fora do bloco, perdeu oportunidades. Isso se reflete em vários números. No ano de 2000, 20% do comércio externo brasileiro era feito com a América do Sul, incluindo nações que não fazem parte do Mercosul. A fatia caiu para 15% em 2015.

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O Brasil também tem fraca participação no bolo do comércio global: cerca de 1% – menos do que Malásia e Tailândia, por exemplo. Em 2015, o Brasil era o 25.º em movimentação internacional de mercadorias, enquanto a economia brasileira ocupava a sétima posição. A diferença entre o tamanho do mercado interno e a posição externa expõe a timidez comercial do país. “No comércio, o Brasil é escandalosamente pequeno”, diz Procópio.

O comércio com a África, um dos focos recentes da política externa, cresceu. Mas ainda é insignificante. E um dos pilares da relação com os africanos, o intercâmbio cultural, é inexpressivo. A cultura da África é uma ilustre desconhecida dos brasileiros – embora o país tenha a segunda maior população negra do mundo, atrás apenas da Nigéria.

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Dependência da China

O bloco dos Brics (formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não passou de uma jogada mais de marketing do que com efeitos práticos.

O país é cada vez mais dependente dos chineses, os principais parceiros dos brasileiros. Cerca de um quarto do comércio nacional é feito com a China. Mas isso tem pouquíssimo a ver com os Brics. O Brasil se desindustrializou, substituindo os produtos nacionais pelos made in China.

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Em contrapartida, vende basicamente commodities de pouco valor agregado para os chineses. “Temos de exportar 40 navios de minério de ferro, couro e soja para receber um de produtos industrializados da China”, exemplifica Procópio.

Aqui é preciso abrir um parêntese para um ponto positivo em meio a uma série de insucessos na política externa. A diplomacia tem sido relativamente eficiente para defender a agropecuária nacional, responsáveis pelas principais commodities brasileiras. Wilson Maske exemplifica: após a crise deflagrada pela Operação Carne Fraca, o país conseguir conter danos maiores e reabriu mercados que haviam se fechado para o gado nacional.

Novos vexames

Temer, na chegada à Rússia: pompa de boas-vindas, mas sem autoridades de peso. 

Para finalizar, o país continua passando por constrangimentos diplomáticos. Na recente visita à Rússia, nenhuma autoridade de peso foi receber o presidente Michel Temer no aeroporto – um sinal de desprestígio. Ele também passou pelo vexame de, em visita à Noruega, ter de ouvir da primeira-ministra Erna Solberg que o Brasil precisa “fazer uma limpeza” na política devido aos casos de corrupção.

Na mesma viagem, a Noruega também anunciou o corte de 50% da ajuda financeira para a preservação da Amazônia porque o Brasil permitiu o aumento do desmatamento. São cerca de R$ 200 milhões ao ano. A agenda ambiental internacional, por sinal, é uma área em que o país vem perdendo importância.

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Enfim, somos um anão?

É exagerado dizer que o Brasil é um anão diplomático. “Somos um país de porte médio. E esse é o papel internacional que temos [no cenário internacional] nos últimos 20, 10 anos”, diz Virgílio Arraes, professor de história contemporânea da Universidade de Brasília (UnB). Mas ele reconhece que a maior parte da agenda externa brasileira não tem obtido resultados satisfatórios.

Gerações de brasileiros têm visto seu país falhar ao não deixar a categoria de potência média. Como diz o velho ditado: ‘o Brasil sempre foi o país do futuro’. Só aprendendo com o presente terrível pode escapar de suas velhas verdades.

Roberto Simon colaborador da revista Foreign Affairs, em reportagem publicada em 2016.

O país se apequenou. Especialmente porque as expectativas de que iria decolar eram grandes. A prestigiosa revista norte-americana Foreign Affairs, dedicada a analisar as relações internacionais, publicou em janeiro de 2016 um artigo em que foi taxativa: a política externa brasileira fracassou.

“Gerações de brasileiros têm visto seu país falhar ao não deixar a categoria de potência média”, afirma a revista no texto. “Como diz o velho ditado: ‘o Brasil sempre foi o país do futuro’. Só aprendendo com o presente terrível pode escapar de suas velhas verdades.”

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O próprio governo brasileiro reconhece os insucessos diplomáticos. Em maio, a Presidência elaborou um relatório – intitulado Brasil: um país em busca de uma grande estratégia – em que admite e pontua os desacertos externos, usando dados para embasar a argumentação.

“Nestes últimos anos, o Brasil não foi bem-sucedido em nenhum dos quatro eixos principais de sua política exterior – a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a integração sul-americana, a política comercial extrarregional e a atuação no âmbito do Brics”, diz o texto.

A despeito de o documento ter sido elaborado por um governo que quer se contrapor à administração do PT, o relatório não poupa nem mesmo a atual gestão, descrita como tendo foco mais no presidente do que no país: “Ao que parece, o governo do presidente Michel Temer decidiu concentrar esforços numa espécie de diplomacia presidencial voltada, precipuamente, para consolidar a legitimidade da nova administração e tranquilizar investidores internacionais”.

A política externa do governo Lula foi pirotécnica: muitas luzes, mas de pouca duração. Já a Dilma foi continuação de Lula. E o Temer é o Lula, mas sem a pirotecnia. Está mais preocupado em se manter no cargo.

Argemiro Procópio  professor de relações internacionais da Universidade de Brasília

Oscilações e pirotecnia

A política externa brasileira muitas vezes nem mesmo tem uma continuidade. É oscilante. “O Fernando Henrique [Cardoso] quis participar da construção de uma terceira via utópica entre o capitalismo e o comunismo, uma nova social-democracia”, diz Virgílio Arraes.

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Segundo ele, Lula mudou aquilo que considerava mais importante: a América do Sul (na prática) e a África (na retórica). O governo Dilma, em virtude da crise, buscou fechar acordos comerciais – embora a agenda externa na gestão dela não tenha tido a ênfase que teve com Lula.

Porém, Argemiro Procópio critica a gestão lulista. “A política externa do governo Lula foi pirotécnica: muitas luzes, mas de pouca duração”, diz ele. “Já a Dilma foi continuação de Lula. E o Temer é o Lula, mas sem a pirotecnia. Está mais preocupado em se manter no cargo.”

O problema da ideologização

Para Wilson Maske, as gestões petistas ainda foram marcadas por uma ideologização da diplomacia, com apoio e foco em nações governadas pela esquerda, como as do eixo bolivariano.

Ele pondera que não foi exatamente uma novidade. Após a II Guerra, o Brasil chegou a ter uma posição não alinhada no cenário internacional para marcar sua insatisfação por não ter sido contemplado pelo Plano Marshall, dos Estados Unidos. No governo de Jânio Quadros, chegou a condecorar o guerrilheiro Che Guevara. E, na fase mais dura da ditadura militar, reeditou a política externa de não alinhamento com os americanos.

Mas misturar ideologia e política externa é um problema porque ela nem sempre ela combina com o que é melhor do ponto de vista pragmático: “A ideologização da diplomacia é desastrosa. Um país sempre deve pensar nos interesses nacionais”, diz Maske.

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É a política interna que dá o tom da externa, do papel de um país no mundo

Wilson Maske coordenador do curso de especialização em História Contemporânea e Relações Internacionais da PUCPR

O que queremos ser?

Já Virgílio Arraes afirma ainda que o Brasil precisa saber o que quer ser daqui a 15, 20 anos para traçar sua estratégia diplomática. E cita o exemplo do Mercosul. “Queremos ser só exportadores de commodities? Então o Mercosul não é tão importante. Se quisermos ser industrializados, passa a ser. Mas não há definição.”

Outro ponto importante para a diplomacia brasileira ter peso internacional é, paradoxalmente, cuidar dos assuntos domésticos. “É a política interna que dá o tom da externa, do papel de um país no mundo”, diz Maske.

A lógica é simples. Um país que consegue se desenvolver economicamente, promove a igualdade entre seus cidadãos, os direitos humanos e preserva seu meio ambiente, por exemplo, passa a ser importante de fato no cenário internacional. Mas o Brasil não faz nem mesmo a lição de casa para querer dar lição às demais nações.