A competitividade da economia brasileira acaba de atingir o “fundo do poço”. Ranking anual elaborado pelo instituto IMD, com parceria da Fundação Dom Cabral (FDC) no Brasil, mostrou que o país perdeu mais quatro posições entre 2016 e 2017, chegando ao 61.º lugar e ficando à frente somente de Mongólia e Venezuela na lista de 63 nações.
Entre os países que ficaram mais atrativos para o investidor do que o Brasil no último ano estão Ucrânia e Croácia. No ano passado, o Brasil já havia sido ultrapassado por nações que têm problemas crônicos, como a superendividada Grécia e a vizinha Argentina.
‘Estamos vivendo um longo período de choque’, diz economista
Dois fatores ajudaram a empurrar o Brasil para a pior posição já registrada na pesquisa, que é realizada desde 2009 seguindo os padrões atuais, mas existe há mais de duas décadas.
Segundo Ana Burcharth, professora da FDC que ajudou na elaboração do estudo, o primeiro ponto que pesou negativamente foi o desempenho da economia. Em 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro recuou 3,6%, um dos piores desempenhos do mundo. Além disso, o país também perdeu posições nos quesitos eficiência do governo e legislação para negócios. Em ambos os casos, fica em um nada honroso penúltimo lugar entre todos os avaliados.
“Estamos caindo no buraco, igual em Alice no País das Maravilhas”, diz a professora da FDC. Isso ocorre porque o país não consegue melhorar seu ambiente de negócios mesmo em questões relativamente simples, como a desburocratização da abertura de empresas. “O problema não é só que nós estamos ficando no mesmo lugar. A questão é que, enquanto isso, outras nações estão evoluindo.”
Paralisia
Diante da instabilidade política, vários outros indicadores estruturais passaram a ter resultados ruins, de acordo com a professora. O Brasil, ao longo do último ano, reduziu o investimento em pesquisa em desenvolvimento e teve uma avaliação mais baixa no quesito educação. De uma maneira geral, avalia Ana Burcharth, o estudo mostra uma paralisia do país.
Os dados ruins brasileiro vieram mesmo com a pesquisa não contemplando a recente crise política causada pela delação dos donos da JBS, que colocou o mandato do presidente Michel Temer em risco. As entrevistas com homens de negócio brasileiros foram feitas em fevereiro e março, justamente quando um cenário mais positivo começava a se desenhar, especialmente por causa da expectativa da aprovação das reformas previdenciária e trabalhista.
“As reformas, sem dúvida, são necessárias. Está claro que não temos capacidade de financiar as contas da nossa Previdência no longo prazo”, diz a professora. “E o marco regulatório trabalhista é antigo. Não dá para acreditar que o funcionário moderno tenha as mesmas necessidades do que há 50 ou 60 anos atrás.”
Outras nações
No topo do ranking, Hong Kong e Suíça continuaram em 1.º e 2.º lugar, respectivamente. Luxemburgo e Emirados Árabes Unidos entraram no top 10, em 8.º e 10.º, respectivamente, substituindo Noruega e Canadá. O restante das dez economias mais competitivas do mundo é formado por Cingapura (3.º), EUA (4.º), Holanda (5.º), Irlanda (6.º), Dinamarca (7.º) e Suécia (9.º).
‘Estamos vivendo um longo período de choque’, diz economista
O economista Sérgio Lazzarini, professor da escola de negócios Insper, afirma que o Brasil está vivendo um longo período de choque econômico e político que se reflete em sua competitividade em relação a outros países. Para ele, os interesses de determinados grupos atrapalham as reformas necessárias para que a nação se torne mais eficiente. Confira trechos da entrevista que ele concedeu ao jornal “O Estado de S.Paulo”:
Qual é a lição que o ranking de competitividade nos ensina?
Estamos num longo período de choque que vem desde o mandato Dilma Rousseff. Mas há um lado positivo: o ambiente institucional do Brasil está forte. Temos instituições de controle que estão detectando corrupção e punindo responsáveis. Que outro país emergente tem as mesmas instituições de controle que nós temos? Rússia, África do Sul, China, Índia e México – não acho que encontraremos em nenhum deles. Tudo está saindo debaixo do tapete, e isso é muito bom.
E qual é o lado negativo?
Temos um lado corporativista muito forte. Queremos fazer reformas e não conseguimos. Para nós, construir um Estado eficiente, com controle de gastos, é complicado. Isso pesa negativamente na opinião dos empresários. Acho que têm países emergentes que vão melhor neste quesito, como México, que tem um Estado menor.
E o fato de nossa sociedade estar baseada na desigualdade, dificulta as reformas?
É um ponto crítico, um grande problema. Até os juízes, que estão à frente do combate à corrupção, querem manter privilégios e salários exacerbados.
E o risco político, tanto com a crise no governo Temer quanto com a eleição de 2018?
Há um incêndio de curto prazo para apagar. Acho que a gente vai ter uma transição de governo (com a saída de Temer), para apagarmos esse fogo no curto prazo. Não creio que faremos reformas fundamentais agora. Para a eleição de 2018, precisamos evitar o retorno de políticos envolvidos na Lava Jato e também populistas, que renegam o problema dos gastos estatais e da Previdência.