Quando o governo federal anunciou o pacotaço de privatizações, começou pela Eletrobras, a estatal do setor elétrico. Logo no dia seguinte ao anúncio de desestatização, veio o recado de que Itaipu, a hidrelétrica binacional, e as usinas nucleares estavam fora do pacote. Se por um lado é natural manter Itaipu – além da grande produção, há um contrato com outro país –, também é curioso notar o apego com o sonho nuclear. Afinal, por que o Brasil não desiste desse tipo de geração de energia?
A primeira razão está na Constituição: é atribuição exclusiva da União explorar os serviços e instalações nucleares e ter monopólio da pesquisa do setor. Caso o governo realmente queira privatizar a Eletronuclear – e as usinas de Angra 1 e 2, que estão prontas, ou Angra 3, em processo de construção – seria preciso alterar a Constituição. Como se vê com o andamento da reforma da Previdência, aprovar uma proposta de emenda constitucional (PEC) a essa altura do desgaste do governo de Michel Temer seria mais uma tarefa difícil – ou impossível.
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A segunda – e que tem mais variantes – é financeira. O Brasil tem duas usinas nucleares ativas, que juntas em 2017 entregaram só 2,8% de toda a energia gerada no país. Uma terceira usina ainda está em construção e não tem data para ficar pronta – pelo cronograma inicial, deveria ter sido finalizada em 2014. O governo já gastou bilhões nesses empreendimentos, que não se mostram rentáveis.
Mas vale a pena continuar investindo nesse sistema que entrega pouco para a matriz elétrica brasileira? A partir daí, são três os caminhos: continuar investindo, absorver o prejuízo e privatizar o que for possível ou abrir mão do sonho nuclear e canalizar os recursos para outras áreas.
Para que insistir?
Na opinião de José Goldemberg, professor emérito da USP e presidente do Conselho Superior da Fapesp, o Brasil deveria abrir mão de suas usinas nucleares. “A tendência mundial é o abandono gradativo da geração nuclear. As pessoas acabaram se convencendo de que a energia nuclear não foi uma solução para os problemas de energia”, pondera.
Goldemberg lembra que a tendência de queda pode ser medida pelo percentual que a energia nuclear representa na geração mundial: já foi de 15% há cerca de dez anos e hoje está na casa dos 11% do total. Para ele, essa é uma energia cara e que gera muita inquietação do ponto de vista da segurança.
“No Brasil, há outras fontes de energia em que os investimentos são mais atraentes. O problema central da energia nuclear é Angra 3: ou se completa ou se abandona”, diz. Para Goldemberg, do ponto de vista empresarial, não há motivos para continuar nesse caminho: o dinheiro gasto para terminar Angra 3 poderia ser usado para qualquer outro investimento mais profícuo do governo federal.
De acordo com a Eletronuclear, o progresso de instalação dessa usina é de 61,5% – as atividades foram suspensas em 2015 por falta de recursos. O Brasil já gastou R$ 8,5 bilhões para montar a usina e finalizá-la deve custar entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões aos cofres públicos. Caso as obras sejam reiniciadas até o segundo semestre de 2018, a Eletronuclear estima que a usina comece a operar em 2022.
“Essa usina evidentemente nunca será rentável”, comenta Adilson de Oliveira, professor da UFRJ. Ele pondera que Angra 1 e Angra 2 também já apresentaram muitos problemas – a primeira usina nuclear brasileira neste momento está desativada e passando por manutenção. “Essas usinas não comercializam energia no regime competitivo. Você teria de fixar os preços. Não há vantagem na privatização, se fosse possível”, argumenta. Para ele, a política nuclear no Brasil ainda é muito incipiente e muito estratégica. “Eu acho que seria insensato privatizar uma usina com tantos problemas e que ainda tem uma porção estratégica importante”, avalia.
Diversidade para a matriz
Apesar dos altos custos, a variedade para a matriz energética é considerada um fator importante e favorável para as usinas nucleares. “O Brasil precisa ter a matriz elétrica com uma maior participação de usinas nucleares. Eu, pessoalmente, sou favorável que a geração nuclear seja feita por empresas privadas e aumentar essa geração”, defende Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).
Para ele, o estado deve concentrar suas finanças em áreas como educação e saúde e regular outras atividades, como o setor elétrico. A demora para a finalização do projeto de usinas em Angra é exemplo: se fosse privado, já estaria pronto. “A Lava Jato também mostrou os escândalos na Eletronuclear. Isso é típico de estatal”, pondera.