A Vale já sabia, desde outubro do ano passado, que a barragem I de Brumadinho e outras nove estruturas em Minas Gerais estavam enquadradas em uma categoria de atenção. Essa informação consta de um documento da própria empresa sobre a situação dos reservatórios que a Justiça tornou público ontem. Os dados foram obtidos pelo Ministério Público (MP) de Minas, que moveu ação contra a mineradora.
O MP-MG solicitou à Vale, no dia 31 de janeiro, seis dias após o rompimento da barragem de Brumadinho, informações do setor de gestão de risco geotécnico da empresa. De 57 barragens avaliadas, 10 estavam enquadradas na chamada Zona de Atenção (Alarp Zone). O MP diz que havia “severo risco de rompimento” das estruturas.
A metodologia é usada internacionalmente para medir o quão aceitáveis são os riscos de uma barragem. Estruturas enquadradas na Alarp Zone são aquelas em que o risco é tolerável apenas se a redução for impraticável ou se o custo for desproporcional à melhoria obtida. A barragem de Brumadinho, cujo rompimento deixou até ontem 165 mortos e 155 desaparecidos, estava enquadrada nessa categoria. A Vale informou que laudos de estabilidade não indicavam risco iminente em Brumadinho e a metodologia usa padrão mais rígido que a legislação nacional e internacional.
LEIA MAIS:Senado abre CPI para investigar rompimento de barragem da Vale em Brumadinho
Segundo os documentos apresentados pela Vale ao órgão, além dessa, as barragens de Laranjeiras, em Barão de Cocais, as barragens IV e Menezes II, também em Brumadinho, a Capitão do Mato, Dique B e Taquaras, em Nova Lima, e as barragens Forquilha I, II e III, em Ouro Preto, estavam avaliadas na mesma categoria.
“Todas elas são próximas a núcleos urbanos, havendo pessoas residentes/transitando na zona de autossalvamento”, indica o documento do MP. No caso da barragem de Brumadinho, dados da Vale atestam a possibilidade de erosão interna e liquefação, causa também apontada pela investigação da Polícia Federal (PF) como a principal hipótese para o desastre.
A liquefação ocorre quando o volume - ou a pressão da água na barragem - aumenta por algum motivo. O fenômeno foi responsável pela tragédia em Mariana, em 2015.
A possibilidade de problemas na barragem de Brumadinho, segundo a própria Vale, era de 0,02%. Em comparação com as demais na Alarp Zone, essa estrutura era a que a tinha o menor risco. Nas três barragens de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, o risco é de 0,1%, cinco vezes maior.
LEIA MAIS: Duas cidades de Minas fazem evacuação por causa do risco de barragens se romperem
Potencial de mortes
O material traz ainda gráficos que mostram o “potencial de perda de vida” dessas barragens. Em um cenário sem alerta à população, o risco de atingidos aumenta em até dez vezes (de cem para mil vítimas). Em um cenário com alerta sonoro, o número de atingidos seria, de no máximo, dez atingidos.
Em Brumadinho, não houve acionamento das sirenes - segundo a Vale, elas foram engolidas pela lama. “Isso demonstra a absoluta necessidade da adoção de medidas imediatas (...) sob pena de eventos similares”, indica a Promotoria.
LEIA MAIS: E-mails mostram que Vale soube de falhas em barragem 2 dias antes de tragédia
O documento embasou decisão judicial no início do mês, que determinou que não haja atividades que possam aumentar o risco nas outras nove barragens. A 22ª Vara Cível da Comarca de BH determinou que a Vale apresente relatório por auditoria independente sobre a estabilidade das estruturas e informe eventual elevação dos riscos de rompimento.
Também determinou multa diária de R$ 1 milhão em caso de descumprimento. A decisão levou a Vale a suspender a produção da mina de ferro de Brucutu, a maior do tipo, em Barão de Cocais, na região central. À época, a Vale informou que recorreria da decisão e disse que as barragens de Ouro Preto já não estavam operando. As demais estruturas, segundo a Vale, tinham o propósito exclusivo de contenção de sedimentos e não de disposição de rejeitos.