Obras atrasadas, calote, denúncias de corrupção, projeto entregue pela metade, parceria fracassada, demissões e acidentes de trabalho. A Refinaria de Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, resume o quadro de projetos mal-sucedidos que marcaram o Brasil nos últimos anos. Mas o empreendimento carrega outro traço negativo, ainda mais significativo: simboliza a obscura relação que os governos do PT mantiveram com o regime chavista da Venezuela.
A Rnest foi lançada em 2005 como um projeto conjunto entre a Petrobras e sua equivalente venezuelana, a PDVSA. Os venezuelanos tinham uma extração intensa de petróleo e capacidade menor de refino da commodity. A ação integrada, então, parecia boa para os dois lados: as estatais comercializavam petróleo com uma empresa do mesmo continente e se beneficiariam com o resultado do refino.
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A Petrobras seria responsável por 60% do investimento para construir a Rnest, com os 40% restantes ficando a cargo da PDVSA. O orçamento inicial do projeto era de US$ 2,5 bilhões, e a expectativa de conclusão era para 2011.
Praticamente nada, porém, seguiu o roteiro inicialmente planejado. Os gastos com a construção da refinaria dispararam, superando a casa dos US$ 20 bilhões. A obra até hoje não foi integralmente concluída e entrega, atualmente, menos da metade da produção de petróleo esperada. E o projeto acabou figurando como uma das “estrelas” dos superfaturamentos descobertos pela operação Lava Jato, a ponto de ter relação com a condenação que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão.
Estrela do PAC se apagou
A Rnest foi parte do ciclo de obras que figurou no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), conjunto de iniciativas no campo da infraestrutura que foi uma das principais bandeiras do governo Lula. O ex-presidente disse, em depoimento ao então juiz Sergio Moro em 2017, que a Rnest foi concebida em uma época em que havia uma concorrência forte entre os estados brasileiros para sediar a nova refinaria da Petrobras. Pernambuco foi selecionado até por relações diretas do comandante da Venezuela à época, Hugo Chávez, com membros do governo do estado.
Mais do que uma obra de engenharia e infraestrutura, a Rnest acabou por se transformar em mais uma peça na linha da “internacionalização do Brasil”, que vigorou principalmente no segundo mandato de Lula e que tinha nas chamadas “relações Sul-Sul” – isto é, vínculos diretos entre países do chamado Terceiro Mundo, sem a presença dos EUA ou potências europeias – uma de suas maiores apostas.
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“O que aconteceu como fato histórico, ontem, é que a PDVSA olha para o Sul, para a América do Sul e olha para o Brasil, e a Petrobras olha também para a América do Sul e para a América Latina. São duas empresas gigantescas, duas empresas que, trabalhando juntas, podem contribuir para mudar a história energética na área de combustível e gás do mundo”, disse Lula em abril de 2008, em uma visita dele e de Chávez às obras da refinaria.
Discursos vazios. Faltou combinar com a PDVSA
A sintonia entre os dois governos, entretanto, não durou muito tempo. Ao longo de todo o processo de construção da Rnest, a PDVSA e o governo venezuelano não chegaram a desembolsar nenhum recurso. O Brasil mostrou preocupação com a dívida e buscou, por anos, cobrar a Venezuela, sem sucesso. Até que formalizou que não buscaria mais a contrapartida venezuelana e que iria tocar o projeto sem o país vizinho, então já comandado por Nicolás Maduro.
O motivo da desistência brasileira foi, principalmente, a falta de formalização na negociação entre Brasil e Venezuela. A PDVSA não chegou, em nenhum momento, a entrar oficialmente no negócio da Rnest – os discursos e promessas de Chávez em relação à refinaria jamais foram efetivados. Sem ter como evocar o contrato, ao Brasil restou aceitar o calote. Já em 2013, a Petrobras divulgava que “como as partes não chegaram a um consenso acerca da sociedade, a Rnest foi incorporada pela Petrobras, que, com tal medida, otimizou a gestão de seu portfólio”.
No mesmo depoimento de 2017 a Moro, o ex-presidente Lula falou que “o que aconteceu é que não aconteceu a tão sonhada parceria [entre Brasil e Venezuela]. A Petrobras fez sozinha a refinaria”.
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Hoje, a Rnest, que foi parcialmente inaugurada em 2014, processa 100 mil barris de petróleo por dia. O número é menos da metade da capacidade total do empreendimento, que é de 230 mil. A produtividade inferior se deve à falta de conclusão do Trem II, que é o segundo conjunto de unidades que formam o local de refino, e também à não entrega de um aparelho para redução de emissões, o SNOX, que evitaria a limitação no processamento.
Para o próximo quadriênio (2019-2023), a Petrobras almeja a finalização do Trem II e do SNOX. A expectativa é de ampliar o processamento em 160 mil barris diários. Os investimentos, segundo a estatal, serão de US$ 1,3 bilhão.
Histórico de problemas
A Rnest se apresentou como uma “pedra no sapato” da Petrobras já poucos anos após o lançamento do projeto. Ainda em 2010, o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um alerta sobre os trabalhos em Abreu e Lima – segundo a corte de contas, a Rnest registrava “irregularidades graves”. A refinaria passou aos holofotes nos anos seguintes, com a comprovação do aumento dos gastos para a obra e a descoberta da possibilidade de que a Venezuela não fosse honrar seu compromisso.
Em 2012, a então presidente da Petrobras, Graça Foster, disse à Câmara dos Deputados que a alta dos custos com a Rnest era o resultado de “erros de avaliação” cometidos pela empresa e também se explicaria pela alteração no cenário econômico. A executiva prometeu, na mesma ocasião, que a refinaria estaria em pleno funcionamento em 2015.
Mecanismo exposto
Foi a operação Lava Jato, entretanto, que acabou por tumultuar em definitivo a trajetória da Rnest. A obra foi envolvida no escândalo de superfaturamentos e pagamento de propinas descoberto pela Polícia Federal e o Ministério Público. Era um dos alvos do “clube de empreiteiras”, acordo ilícito entre as maiores empresas brasileiras no setor para a distribuição de projetos junto ao poder público.
Figurou em delações e nas denúncias que mencionavam empreiteiras como OAS, Odebrecht, Engevix e Camargo Corrêa. Foi também apontada como uma das fontes de financiamento que abasteciam o caixa de diferentes partidos.
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Neste aspecto, se caracterizou como “suprapartidária”: os desvios de seus recursos serviram para as verbas de PT, PMDB e PP, que compunham o consórcio governista nas gestões de Lula e Dilma Rousseff, e também foram mencionados em acusações a políticos de outro campo ideológico, como o deputado Paulinho da Força (SD-SP), o ex-senador Gim Argello (PTB-DF) e o ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra (PE), morto em 2014.
A série de denúncias chegou a motivar a Petrobras a determinar a suspensão das obras para a finalização da Rnest. Mas a ligação mais “ilustre” da refinaria com a corrupção se deu por meio do pagamento de propinas que a OAS fez ao ex-presidente Lula. A empresa, segundo as acusações do Ministério Público, direcionou R$ 3,7 milhões ao petista, sendo R$ 2,4 milhões na reforma do triplex do Guarujá (SP) e o restante na gestão do acervo do ex-presidente.
Lula teria recebido a propina como meio para facilitar as negociações entre a OAS e a Petrobras. A denúncia foi a que a levou à primeira condenação de Lula, pela qual ele cumpre pena em regime fechado desde abril do ano passado.
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