“Candidata de Bolsonaro” na disputa por uma vaga ao Senado pelo Rio Grande do Sul, a empresária Carmen Flores fez repasses de verba pública de campanha do PSL para a filha, a neta e a própria loja. Os pagamentos aparecem em sua prestação de contas à Justiça Eleitoral.
Carmen era a presidente do partido no estado e se desfiliou da sigla em dezembro passado. A candidata obteve 1,5 milhão de votos, mas não foi eleita. Quarta colocada, ficou atrás de Luiz Carlos Heinze (PP) e Paulo Paim (PT), eleitos para as duas vagas, e Beto Albuquerque (PSB), o terceiro.
Ela recebeu R$ 200 mil da direção nacional do PSL, valor proveniente do fundo partidário, dinheiro público para financiar as legendas e as campanhas eleitorais. Parte desse montante foi parar nas contas de familiares.
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Questionada sobre o motivo dos pagamentos à filha e à neta, a candidata respondeu, sem detalhar: “Quem sabe elas trabalharam?”. “Não entrei não para ganhar o Senado, mas para dar 28 segundos [na TV] para o Bolsonaro. Ele não tinha horário político, eu não tinha intenção de me eleger, em nenhum momento”, disse.
A filha, Maribel Lopes, por exemplo, recebeu R$ 40 mil pelo aluguel de seis meses de um imóvel com o mesmo endereço da loja de móveis da mãe, em Porto Alegre. Ao lado, funcionou a sede do PSL durante a campanha, local agora vazio. Antes, o endereço do PSL era o apartamento residencial da candidata. Já a neta da candidata recebeu R$ 1.155,45 para fazer panfletagem na rua, de acordo com os recibos.
Por meio de seu advogado, Lucas Ceccacci, respondeu ainda que suas contas ainda não foram julgadas pelo Tribunal Regional Eleitoral e que toda a movimentação financeira foi registrada e tem origem. Sobre o pagamento a familiares, disse que “não há ilegalidades nas contratações”.
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Resolução 23.553, do TSE, que regulou a arrecadação e aplicação dos recursos da eleição de 2018, não trata sobre a possível ilegalidade da contratação de parentes. A Justiça Eleitoral pode entender como ilegal se, ao julgarem as contas, constatarem que os serviços não foram prestados, por exemplo, como gráficas de fachada.
Carmen recebeu R$ 200 mil do diretório nacional do PSL para a candidatura, mas que “trabalhou para Bolsonaro”. “Eu não sabia o que era PSL, eu era Bolsonaro. Sempre admirei a causa Bolsonaro. O ministro Onyx Lorenzoni e o presidente, na época deputado [Bolsonaro], jogaram no meu colo em 20 de março a presidência do partido”, falou.
Compra de móveis
Além do aluguel, a verba pública da campanha também serviu para mobiliar a sede. Os móveis foram comprados na própria loja da candidata. Foram R$ 34 mil em mesas e cadeiras. As notas fiscais mostram que os móveis não teriam saído da loja vizinha da sede, mas de uma loja da rede “Carmen Flores” em Xangri-lá, no litoral gaúcho.
“Os móveis são do partido. Vão pegar todos os móveis [de volta], mas estamos sem sede ainda”, disse o deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS). O parlamentar gravou um vídeo, divulgado nas redes sociais, no qual critica a ex-colega de legenda.
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Questionado sobre o uso do fundo partidário para comprar bens para o PSL, disse que considerava “tudo legal”. O que seria incorreto, segundo ele, seria a compra na loja da então presidente do partido, “sem licitação”.
A prestação de contas da candidata ao Senado também mostra que a maior despesa da campanha foi para Roselvane Nascimento, que recebeu R$ 95,1 mil. Segundo Nunes, Roselvane trabalhava como secretária do PSL. A reportagem tentou contato por telefone, mas foi informada de que ela estava em viagem.
Segundo o deputado Nunes, em setembro passado ele informou a Gustavo Bebianno, que presidia o PSL nacional, sobre o modo como Carmen conduzia o partido gaúcho. “Eu não era candidato ainda. Quando relatei os problemas, ele disse que, se eu continuasse contra a Carmen, poderia ficar sem legenda para concorrer. Me ameaçou”, disse à reportagem. Procurado, o PSL nacional não se manifestou sobre a suposta denúncia de irregularidades feita por Nunes.
Hoje sem partido, Carmen afirmou em entrevistas que se filiaria à sigla do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que coordenou a campanha de Bolsonaro no Rio Grande do Sul. Ela é empresária há mais de 40 anos e também fez fama na TV, gravando comerciais.
Depósitos sequenciais
Carmen também fez depósitos sequenciais em dinheiro na sua conta de campanha e depois sacou a soma das quantias depositadas. No total, foram 76 depósitos em espécie (sessenta com o próprio CPF) nos dias 30 e 31 de outubro e 1º de novembro, após o fim do segundo turno. Os depósitos foram revelados pelo jornal Zero Hora.
Ela arrecadou R$ 335,6 mil. Além do fundo partidário (R$ 200 mil), ela foi a segunda maior doadora da própria campanha, com R$ 59,6 mil. Os depósitos em espécie somaram R$ 75,6 mil.
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A diferença entre o total depositado pela candidata (R$ 59,6 mil) e a soma dos depósitos em espécie (R$ 75,6 mil) durante os três dias é resultado de outros 16 depósitos feitos por uma terceira pessoa (sessenta pela candidata e dezesseis por um terceiro).
Uma série de reportagens da Folha de São Paulo vem revelando a existência de um esquema de candidaturas laranjas do PSL para desviar verba pública eleitoral. A campanha de Bolsonaro foi marcada por um discurso de ética e de combate à corrupção. Agora, os laranjas estão na mira da Polícia Federal e do Ministério Público.
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