Em meio ao turbilhão que traz incerteza sobre quem presidirá o país, iniciou-se em 15 de maio a jornada de escolha do novo procurador-geral da República, que terá o poder de investigar e denunciar autoridades com foro privilegiado, como o presidente da República. Esse processo ocorrerá em um ambiente sem precedentes de empoderamento do Ministério Público Federal (MPF), com a Operação Lava Jato a pleno vapor e com um sem-número de desdobramentos ainda por vir, e que não deve contar com a tentativa de recondução do atual procurador-geral, Rodrigo Janot.
Carlos Frederico Santos é um dos subprocuradores-gerais da República que submeteu à Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) pedido para ser considerado na disputa para a lista tríplice. Ao receber a reportagem da Gazeta do Povo em Brasília, defendeu maior abertura de diálogo do MPF com os poderes Executivo e Judiciário e a formalização do processo de definição da lista tríplice oferecida ao presidente da República para a escolha dos procuradores. Se for selecionado, Santos terá como plano de atuação no comando da PGR a busca de eficiência, com novas rotinas, mais servidores e novos mecanismos periciais. A estruturação dos gabinetes e das forças-tarefa com pessoal e instrumentos de ação também está na lista de intenções de Carlos Frederico dos Santos.
Ao ser questionado pela Gazeta do Povo sobre o trabalho da Operação Lava Jato, Santos empertigou-se na cadeira, chegou mais perto do gravador que registrava a entrevista e falou como se estivesse perante os integrantes da força-tarefa: “O pessoal de Curitiba está fazendo um excelente trabalho para o Ministério Público e um excelente trabalho para o Brasil, que está modificando a cara do país. Isso não podemos perder nem deixar reduzir”, disse, promentendo dar mais suporte e ferramentas aos integrantes da operação. “A Lava Jato está andando no caminho do meio e está atingindo o alvo que deve atingir”, reforçou Santos.
Em meio a rumores de que o presidente Michel Temer poderia romper a tradição iniciada em 2003 e deixar de encaminhar ao Senado o nome do procurador mais votado pelos membros da ANPR, Santos reforçou a importância da lista e sua tradição, mas não defendeu a necessidade de que seja escolhido pelo presidente o primeiro da lista.
Santos participou da disputa anterior para a PGR em 2015, na qual ficou como o quarto mais votado, mas concorria com Janot, que buscava recondução e entrava como favorito. Nascido no Amazonas, tem 26 anos de experiência no MPF. Durante quatro anos foi presidente da ANPR (por dois mandatos, de 1999 a 2003) e, por outros cinco, secretário-geral do Ministério Público Federal, de 2005 a 2010.
Formalizaram candidatura à ANPR para compor a lista tríplice, além de Santos, os procuradores Nicolao Dino, Ela Wiecko, Eitel Santiago de Brito Pereira, Mario Bonsaglia, Franklin Rodrigues, Raquel Dodge e Sandra Cureau. A eleição entre os integrantes da ANPR ocorre no fim de junho e a lista é encaminhada ao presidente da República, que seleciona e encaminha ao Senado o nome que deve ser sabatinado e receberá o mandato para comandar a PGR por dois anos.
A disputa para procurador-geral em 2017 é marcada pela grande visibilidade do Ministério Público, especialmente com a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Como deve ser a atuação do procurador-geral da República nesse ambiente do MPF empoderado, com presença forte na imprensa e junto à população, como os profissionais da Lava Jato?
O pessoal de Curitiba está fazendo um excelente trabalho para o Ministério Público e um excelente trabalho para o Brasil, que está modificando a cara do país. Isso não podemos perder nem deixar reduzir ou diminuir. A minha proposta, se me tornar procurador-geral, é justamente dar o melhor suporte possível à Lava Jato de Curitiba. Disso eu não abro mão; é uma situação que deve ser incentivada porque a Lava Jato não é uma ação só do Ministério Público Federal, mas hoje é uma questão de Brasil. Nós temos, sim, de dar tudo para que a Lava Jato funcione de forma a cumprir sua missão, de forma a cumprir o que vem desenvolvendo.
Em algum momento o senhor avalia que os integrantes da Operação Lava Jato extrapolam, talvez com uma reação muito midiática, e passam do tom ideal?
Eu creio que não há exagero. Essa análise deve ser feita primeiramente pela população e, em segundo lugar, pelos tribunais. Até agora eu não tenho visto censura alguma em relação ao trabalho da Lava Jato. Então, eu acho que o tom é bom, está normal, não é exasperado, mas também não é diminuto. Quero dizer que a Lava Jato está andando no caminho do meio e está atingindo o alvo que deve atingir.
A PGR é a responsável por denunciar parlamentares, como vem fazendo na Lava Jato e em outras operações contra a corrupção. Mas o procurador-geral precisa ter seu nome aprovado pelo Senado. Como deve ser o trânsito do candidato entre os senadores, que vão sabatinar e conduzir ao cargo alguém que poderá denunciá-los posteriormente?
Acredito no princípio republicano e democrático, que exige que se passe o nome do procurador-geral pelo crivo dos demais poderes, como uma forma de controle e da situação de freios e contrapesos que está na Constituição. O fato de o procurador-geral ser sabatinado no Senado é uma situação que não expõe a independência do procurador, porque após a aprovação ele terá um mandato que lhe dá segurança de fazer o seu trabalho com independência. Ao ser sabatinado e receber o seu mandato, ele fará o trabalho que deve fazer, sem pensar em recondução. Se os fatores forem favoráveis para recondução, que ele pense em recondução. Se não forem favoráveis, faça seu trabalho e se recolha, deixando para que outro o substitua.
“O tom [das manifestações dos integrantes da força-tarefa] é bom, está normal, não é exasperado, mas também não é diminuto”
Qual a sua visão sobre o projeto do fim do foro privilegiado?
Desde que eu era presidente do ANPR já defendia que o foro privilegiado não é uma coisa boa para o país. Continuo com essa mesma ideia; nós temos de repensar a situação do foro privilegiado, sim, porque a capacidade de ações deve começar na primeira instância e deixar a ação amadurecer, para se ver quais são os erros e acertos. Se houver erro para menos, que se corrija para mais em uma outra instância. Se tiver erro para mais na primeira instância, que se corrija para menos, para darmos o direito à ampla defesa. Eu acho fundamental o duplo grau de jurisdição, e isso se torna incompatível com uma única instância. Nesse viés, o foro privilegiado não reflete o melhor para o país. Há projetos que mitigam essa situação, prevendo que ninguém deve ter foro privilegiado, apenas os chefes de poderes. Pode ser razoável, por exemplo, que o presidente do Supremo, da Câmara e do Senado tenham foro privilegiado, isso é razoável. O que não podemos é ter um elenco enorme de autoridades com foro privilegiado. Isso limita o Judiciário, limite o poder de ação e abarrota os tribunais.
A perda do foro não deve ser vista como um problema para as autoridades, então?
Se eu dissesse que a perda do foro privilegiado é um problema, eu estaria dizendo que não acredito na Justiça. Eu dou crédito à Justiça, aos procuradores e aos tribunais de piso. Qualquer situação que tenha de ser discutida com relação à matéria de fundo constitucional ou sobre eventual abuso pode ser discutida no STJ ou no Supremo. O que emperra o fim do foro privilegiado é o fato de isso implicar numa mudança de cultura, que traz medo. Mas dizer que vai haver prejuízo, isso eu não posso dizer. Haverá vantagens de se ter um Judiciário mais célere, de as pessoas poderem responder de forma mais rápida, sendo punidas caso culpadas. Mas, se forem inocentes, serão logo inocentadas e não deverão nada à Justiça.
Essa é sua segunda candidatura a procurador-geral. O que o senhor aprendeu neste processo e como isso muda sua relação com os integrantes da carreira para esta nova disputa?
Este é um processo novo e que não tem uma definição certa. No processo anterior, o procurador-geral, como estava em recondução, sempre é o favorito, mas nós não podemos abrir mão de fazer uma disputa para a composição da lista. Hoje em dia, a lista é uma situação metajurídica e que reside nos costumes, e esse costume nós não podemos deixar de praticar. Então foi feita uma lista tríplice naquele momento, mas já se sabia de antemão que o favorito era quem já ocupava o posto.
Por que Rodrigo Janot não vai disputar a vaga?
A lista surgiu quando eu era presidente da ANPR, no meu segundo mandato. Nós fizemos a lista tríplice como um ato político, contra o excesso de reconduções do procurador-geral da República. Nós visamos, com esse ato, limitar a uma recondução do procurador-geral. Ao mesmo tempo, firmamos naquele momento a ideia da participação dos procuradores da República na escolha do procurador-geral. A lista se transformou numa situação metajurídica. Ela existe como costume, mas não existe juridicamente. Nós passamos por quatro procuradores-gerais e não houve interesse da constitucionalização da lista. Hoje nós vivemos ainda essa perplexidade da lista: se vai ser aceita, quais são as regras, se o procurador pode ter mais de uma recondução ou não. A ideia, quando criamos a lista, era de que houvesse apenas uma recondução. Logicamente não existem normas a este respeito. O sentimento da classe é de que uma recondução é uma situação factível, dois anos é pouco, quatro anos são suficientes, mas seis anos seria demais. O princípio da alternância é princípio republicano, sempre salutar para a renovação das ideias e dos conceitos. O cargo de procurador-geral da República desgasta demais o ocupante, então não é recomendável que se fique mais de quatro anos no cargo. Agora, isso depende logicamente da conclusão e do bom senso de cada um.
“O foro privilegiado não reflete o melhor para o país”
O presidente Michel Temer deveria manter a tradição de escolher o nome mais votado da lista para encaminhar ao Senado?
Não posso dizer o que o presidente da República deve ou não fazer, isso deve partir da consciência dele. O fato é que nós temos uma lista tríplice, uma norma que já foi incorporada à vida nacional e é respeitada há quatro procuradores-gerais. O bom senso do presidente, eu creio, dirá que ele deve buscar o nome dentro da lista. A Constituição lhe reserva o direito de agir de outra maneira, mas para a nação brasileira isso não seria de bom tom. Essa é uma questão para o presidente decidir; a nós cabe fazer e apresentar a lista, pois foi uma conquista política, que não está prevista na Constituição, mas existe.
Pode haver entre os procuradores uma tentativa de constranger o presidente da República ao levar ao topo da lista tríplice um candidato que tenha notadamente se posicionado politicamente contra seu governo?
Não posso fazer ilações de situações cuja concretude desconheço. Quem disputa o cargo de procurador-geral da República deve se manifestar sobre situações concretas. As ilações geram instabilidade e eu me reservo a falar apenas sobre fatos concretos.
Qual é um ponto importante, uma característica, da atuação de procurador-geral que é importante se buscar agora?
Penso na figura do procurador-geral como uma pessoa que tem de ser firme, enérgica, mas não se fechar ao diálogo. Deve ser aberta ao diálogo. Firme e enérgico, sim, porque nós temos de fazer cumprir as leis do país, temos de trabalhar em favor da sociedade e punir aquilo que tem de ser punido, evitar os crimes que estão sendo praticados e que alguns venham ser cometidos, fazer um trabalho de política criminal. Mas para isso nós temos de ser abertos ao diálogo e ver como podemos trabalhar nesse sentido, de tentar evitar essa situação, de tentar propor políticas criminais e, acima de tudo, fazer o principal papel do procurador-geral da República, que a defesa da Constituição. O Supremo Tribunal Federal é um tribunal constitucional, com viés criminal, e trata de outros assuntos, mas sua principal função é ser um tribunal constitucional. Eu penso que o procurador-geral da República pode fazer isto, sim, logicamente sem prejudicar e sem abrir mão de qualquer medida judicial-criminal ou ação criminal que esteja em curso e que possa ser proposta.
Está entre as diretrizes da sua proposta de plano de trabalho, caso aclamado como procurador-geral, a “criação de instrumentos de suporte ao trabalho dos membros e servidores”. Quais seriam esses instrumentos que merecem suporte?
A PGR e o MPF podem aperfeiçoar novas rotinas que tornem mais célere, eficiente e eficaz o seu trabalho. Penso em criar novas rotinas, dar investiduras a novos servidores, criar mecanismos periciais que facilitem o trabalho do MP e também estruturar os gabinetes, as forças-tarefa com o melhor número de pessoal especializado e com instrumentos de ação. Já temos perícia técnica em vários sentidos. Mas nós podemos especializar mais áreas e dar melhores instrumentos para que essas perícias sejam elaboradas de forma mais rápida, para prestar maior e melhor suporte, também tendo maior número de peritos.
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