Depois de quatro anos no comando do Ministério Público Federal (MPF), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deixa a chefia do órgão em setembro. Vai passar o bastão com a Lava Jato no auge, após atingir dois ex-presidentes e o atual ocupante do Planalto. Oito procuradores disputam o cargo que, hoje, muito bem poderia ser apelidado de “guardião da Lava Jato”. Todos defendem a operação, como seria de se esperar. Mas, dentre eles, há diferenças de entendimento sobre a investigação e a gestão do MPF que podem influenciar os rumos da Lava Jato.
Há candidato que já condenou publicamente as “manifestações midiáticas” de integrantes da investigação. Uma concorrente buscou restringir o número de procuradores cedidos a operações como a Lava Jato para que não faltassem em outras unidades do MPF. A proposta foi criticada por supostamente prejudicar a investigação do petrolão, mas é apoiada por vários adversários na disputa pela vaga de Janot.
Outros candidatos são alvos de polêmica por supostas ligações político-partidárias que poderiam comprometer sua independência como chefe do MPF. Há concorrente acusada de ser petista e outra, de tucana. Um irmão de governador. E um ex-candidato a deputado que foi auxiliar de um governador do PSDB.
A Gazeta do Povo elaborou um breve histórico de cada um dos candidatos a procurador-geral da República e sobre o que eles já falaram sobre a Lava Jato.
Como é a eleição
A eleição para procurador-geral da República é promovida pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Todos os 1,2 mil membros do MPF podem participar. Os três mais votados farão parte de uma lista tríplice que será apresentada para a escolha final pelo presidente Michel Temer. Ele não tem a obrigação legal de escolher o mais votado. Mas essa tradição vem sendo mantida desde 2003. A votação vai ocorrer no fim deste mês de junho.
Raquel Dodge
Terceira mais votada na última eleição para a Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2015, Raquel Dodge afirmou na segunda-feira (29), em debate realizado pelos candidatos ao cargo, que irá apoiar a Lava Jato. Ela ainda falou em ampliar o número de investigadores e a estrutura disponibilizada para eles, se necessário.
Mas Raquel foi criticada em abril por ter proposto, ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), uma resolução que limitaria a cessão de procuradores de outras unidades para forças-tarefas como as da Lava Jato. Ela propôs que cada unidade do MPF só poderia ceder 10% de seus procuradores à operação. A argumentação é de que outros setores do MPF não podem ficar sobrecarregados de trabalho.
Durante a sessão em que a proposta estava sendo votada, Janot reclamou e disse que a proposta iria prejudicar a Lava Jato. Raquel, que não faz parte do grupo do atual procurador-chefe, disse ter consultado as forças-tarefas de Curitiba e de Brasília antes de propor a limitação. E assegurou que as investigações não seriam prejudicadas. A discussão da proposta foi interrompida por um pedido de vista de Janot. O placar da votação estava favorável à aprovação da proposta.
A atuação de Raquel Dodge, porém, não autoriza ninguém a acusá-la de barrar investigações contra políticos. Ela participou da Operação Caixa de Pandora. A apuração do caso, que ficou conhecido como mensalão do DEM, levou pela primeira vez um governador à prisão (no caso, José Roberto Arruda, que comandou o Distrito Federal).Também participou da equipe que investigou o ex-deputado federal Hildebrando Paschoal (AC), condenado por liderar um esquadrão da morte e por integrar uma quadrilha criminosa no Acre.
Carlos Frederico Santos
É considerado um dos principais opositores de Janot dentro do MPF. Na segunda-feira (29) alfinetou a “lentidão” da PGR em investigar políticos com foro privilegiado. “A Lava Jato de Curitiba, para mim, desenvolve um trabalho espetacular. (...) Na PGR, acho que tem que mudar questão de rotinas, algumas coisas. Nos últimos quatro anos [período da gestão de Janot], os resultados foram muito poucos. Ao contrário de Curitiba.”
Na sessão de abril do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) que discutiu a proposta de limitar a cessão de procuradores para operações como a Lava Jato, assumiu a relatoria da resolução e manteve a ideia de criar restrições ao deslocamento de integrantes do MPF. Aceitou a sugestão, porém, de criar uma regra de transição que a proposta não se aplica às forças-tarefas já existentes. “É preciso entender que o Ministério Público não se resume a uma investigação, e nem somente a investigações criminais. Por exemplo: o Brasil é carente de políticas públicas. O MPF é responsável por isso também”, disse ele.
Santos já havia concorrido com Janot na eleição interna do MPF de 2015. Ficou em quarto lugar na disputa em que o atual procurador-geral foi reeleito. À época, numa entrevista ao portal UOL, criticou as “manifestações midiáticas” de Janot na Lava Jato. Segundo ele, essas “exposições desnecessárias (...) comprometem a relação institucional entre os poderes e não se demonstram boas para a estabilidade do país”.
No MPF, Santos ganhou notoriedade por sua atuação na apuração da chacina de índios ianomâmis, no Norte do país, em 1995. Também foi um dos autores da ação civil pública que impediu, no mesmo ano, a construção de uma hidrelétrica dentro da área que hoje é a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Mario Luiz Bonsaglia
Foi o segundo colocado na eleição interna do MPF em 2015, perdendo para Janot. Recentemente, disse que vai manter todo o apoio à força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e garantiu que irá reforçar o grupo que atua na operação pela PGR, em Brasília.
Na recente polêmica sobre estabelecer limite para a cessão de procuradores para outras investigações, defendeu a sugestão de estabelecer a limitação apenas para grupos ainda não formados. Isso preservaria a Lava Jato e outras operações em andamento.
Atualmente, Bonsaglia atua na 7.ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, órgão que acompanha a atuação de procuradores que são responsáveis por fiscalizar a atividade policial e o sistema prisional. Entre 2004 e 2008, foi procurador eleitoral em São Paulo.
Ela Wiecko
Ela Wiecko afirma que a Lava Jato “é uma herança que demanda continuidade”. Foi vice-procuradora-geral da República na gestão de Janot. Mas pediu demissão em agosto do ano passado após ter participado de uma manifestação, em Portugal, contra o “golpe” e que pedia “Fora, Temer”. Logo depois, deu entrevista em que criticou o presidente: “Pelas coisas que a gente sabe do Temer, não me agrada ter o Temer como presidente. Não me agrada mesmo. Ele não está sendo delatado?”
Além disso, o marido dela, Manoel Lauro Volkmer de Castilho, poucos dias antes havia se exonerado do gabinete do ex-ministro do STF Teori Zavascki, após assinar um manifesto de juristas em defesa do ex-presidente Lula.
A participação de Ela Wiecko no protesto, suas declarações à imprensa e o posicionamento de seu marido a expuseram a críticas. Ela foi chamada de “petista”. Esse suposto alinhamento ideológico com o PT, acusado de montar o esquema de corrupção apurado pela Lava Jato, pode prejudicá-la na disputa pela sucessão de Janot.
Apesar da polêmica, em março deste ano Ela Wiecko defendeu a posição da PGR num julgamento do STF que colocou o mundo político (incluindo o PT) em polvorosa. A PGR argumentou, na análise de um caso envolvendo o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que uma doação eleitoral contabilizada pode vir a ser usada para “esquentar” propina. Os ministros do Supremo concordaram com a tese da Procuradoria.
Na vice-procuradoria, Ela Wiecko também se destacou em projetos na área de direitos humanos, como a criação do Comitê Gestor de Gênero e Raça do MPF e na defesa da legalidade da lista suja do trabalho escravo.
Eitel Santiago
Declarou recentemente que tem um compromisso com o combate à corrupção e que irá manter o apoio às operações em andamento. Mas disse ser favorável a estabelecer algum limite de cessão de procuradores para esse tipo de força-tarefa. “A Lava Jato é uma conquista do povo brasileiro. O que não se pode é desfalcar unidades com outras bandeiras importantes.”
Dentro do MPF, Eitel Santiago é visto como um procurador mais ligado ao grupo contrário a Janot, mas que tem bom trânsito nas outras correntes.
Apesar disso, encontra resistência dentro da instituição por duas razões: teve ligações com políticos e, paralelamente a sua função de procurador, atuou como advogado privado – o que é permitido para quem entrou no MPF antes da Constituição de 1988.
Eitel foi filiado ao PFL (atual DEM), partido pelo qual foi candidato a deputado federal pela Paraíba, em 1994. Deixou o MPF temporariamente em 2007 para ser secretário de Segurança da Paraíba no governo de Cássio Cunha Lima (PSDB), hoje senador. Procuradores e promotores que ingressaram no Ministério Público após 1988 não podem ocupar cargos no Executivo.
Sandra Cureau
No debate entre os candidatos à PGR na segunda-feira (29), Sandra Cureau se comprometeu a “aprimorar a Operação Lava Jato e todas as que se sucederem”. Também defendeu a necessidade de estabelecer “critérios racionais e objetivos” para a cessão de procuradores para as forças-tarefas.
Sandra ganhou notoriedade em 2010, quando era subprocuradora-geral eleitoral e teve uma atuação rígida contra o PT na eleição presidencial daquele ano. A poucos dias do primeiro turno, deu uma entrevista em que criticou a participação do então presidente Lula na campanha de Dilma Rousseff e o acusou de usar a máquina pública em favor da candidata: “Eu acho que ele quer, a qualquer custo, fazer a sua sucessora”.
Ela foi acusada de ser “tucana”. Nas eleições de 2014, também foi rígida com a campanha de reeleição de Dilma. E, segundo seus críticos, teve atuação mais leve com os demais candidatos. Essa atuação supostamente anti-PT pode vir a pesar na escolha do novo procurador-geral.
Nicolao Dino
Ligado ao grupo de Janot, o atual vice-procurador-eleitoral Nicolao Dino disse na segunda-feira (29) que, independentemente de quem vier a ser o novo chefe do MPF, a Lava Jato tem de continuar.
Dino foi designado por Janot no ano passado para compor o grupo do MPF criado para preservar o “espírito” da Dez Medidas de Combate à Corrupção – uma das bandeiras da força-tarefa da Lava Jato desfiguradas em votação na Câmara dos Deputados.
Em 2016, também foi alvo de críticas indiretas do então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), quando a Casa foi alvo de mandados de busca e apreensão da Lava Jato. Disse que aquilo era vingança de procuradores cujos nomes não haviam sido aprovados pelos senadores para cargos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Nicolao Dino também é quem assina o parecer do Ministério Público Eleitoral que pede a cassação da chapa Dilma-Temer no processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Embora tenha argumentado não haver prova de que Temer sabia das irregularidades, argumentou que a chapa é indivisível. E, portanto, o presidente tem de perder o mandato.
O vice-procurador-eleitoral, porém, tem uma relação de parentesco que pode prejudicá-lo na eleição interna do MPF. Ele é irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) – um forte opositor do PMDB e da família Sarney. Além disso, Flávio Dino foi citado nas delações de executivos da Odebrecht.
Franklin Rodrigues da Costa
Franklin Rodrigues da Costa concorda com a criação de um limite de 10% de procuradores de cada unidade do MPF que podem ser cedidos a operações especiais, como a Lava Jato. Ele, porém, afirma que não vai mexer com a operação. “A Lava Jato a gente nem fala, porque já se sabe que vai prosseguir, os colegas que estão auxiliando vão permanecer, porque já conhecem esse tema”, disse na última segunda-feira (29), em debate com os demais candidatos a procurador-geral da República.
Quando foi procurador do Ministério Público Eleitoral, Costa fez parte da equipe que investigou um esquema de corrupção que teria financiado a campanha de reeleição do então governador do Distrito Federal Joaquim Roriz em 2002.
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