Horas após a chegada de uma tropa de agentes da Força Nacional, enviada pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro e que começou a atuar neste sábado (5), a onda de crimes violentos voltou a causar pânico no Ceará. Entre a noite desta sexta (4) e esta madrugada, quadrilhas atacaram a tiros e incendiaram prédios públicos e veículos em várias cidades do estado, inclusive na capital, Fortaleza, onde o transporte público continua a operar em regime emergencial, com menos de menos de 10% da frota. Ao longo do dia, no entanto, houve diminuição nas ocorrências, segundo informações do próprio governo.
Parte desse efetivo da Força Nacional já foi às ruas de Fortaleza e da região metropolitana para fazer patrulhamento na noite deste sábado – os ataques têm se concentrado à noite. Os agentes ficarão concentrados no Centro de Formação Olímpico, equipamento com alojamentos do governo estadual ao lado da Arena Castelão. Desde a manhã deste sábado já era possível ver carros da Força Nacional circulando por vias de Fortaleza.
Concentrados nos primeiros dias em Fortaleza e região metropolitana, os ataques agora também ocorreram no interior, desde a manhã de sexta-feira (4). Ao menos 21 cidades de todas as regiões, incluindo a capital, registraram ocorrências ligadas a membros de facções criminosas desde quarta (2). Ao todo 80 ações foram registradas até o momento, entre ônibus e carros incendiados, ataques a prédios públicos e privados, a radares e câmeras de trânsito e até há um viaduto na BR-020, que liga Fortaleza a Brasília.
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Segundo o governo, neste sábado, houve diminuição nas ocorrências --não houve ataque a ônibus, que tiveram frota reduzida no sábado para menos de 30% do normal aos finais de semana.
Até o momento, só houve registro de três pessoas feridas, um casal de idosos e um motorista de um ônibus, anda no primeiro dia dos ataques. Um suspeito foi morto em troca de tiros com a polícia quando tentava, com outras pessoas, danificar um radar de trânsito na cidade de Eusébio, na Grande Fortaleza. Essa crise pode ser considerada como a maior onda de violência da história do estado.
Terceira noite de violência
Na terceira noite seguida de ações coordenadas das quadrilhas, criminosos botaram fogo em uma garagem de transportes públicos em Ibaretama, a 140 km de Fortaleza. Em Pacoti, também no interior, três carros que estavam estacionados em frente ao Fórum foram queimados, além do prédio da Secretaria de Meio Ambiente do município, que teve salas reviradas e quebrados e onde um carro foi incendiado.
Ainda de acordo com a imprensa local, um carro foi incendiado em Maracanaú, na Grande Fortaleza. Na capital, uma agência da Caixa Econômica Federal que fica na famosa praia de Iracema foi atacada a tiros e uma concessionária no Centro da cidade teve veículos incendiados. Um princípio de incêndio em um carro estacionado dentro de um shopping em Fortaleza foi controlado a tempo, mas o estabelecimento disse que ainda investiga, junto às autoridades, a causa do incidente.
A ação dos bandidos também precariza o transporte público de Fortaleza. Conforme o jornal O Povo, apenas 108 ônibus em 41 linhas operam neste sábado na cidade - em condições normais, a frota que sai às ruas é de 1810 ônibus urbanos e 350 metropolitanos. A circulação dos coletivos é em sistema emergencial, com três policiais dentro de cada um dos veículos.
Nesta sexta (4), até agora dia de auge dos ataques no Ceará, a Polícia Militar empossou 373 novos soldados aprovados em um concurso de 2016 para reforçar a segurança nas ruas. Em acordo costurado com o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), o chefe do Executivo da Bahia, Rui Costa, que também é do PT, cedeu outros 100 policiais militares de batalhões especializados baianos para apoiar as polícias cearenses.
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Embora todos os casos ainda estejam sob investigação, o presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará, Cláudio Justa, adiantou a onda de crimes violentos que se espalha pelo estado é uma represália à promessa feita pelo secretário de Administração Penitenciária (SAP), Luís Mauro Albuquerque, de aumentar a fiscalização nos presídios.
Chegada da Força Nacional
A decisão de enviar tropas da Força Nacional ao Ceará em meio a uma onda de ataques do crime organizado foi tomada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, após pedido do governador Camilo Santana (PT). O ministro sugeriu a formação de um gabinete de crise, com a integração de polícias federais e estaduais. Na noite da quinta-feira (3), um comunicado do Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que a Força Nacional só iria “se deslocar ao Estado em caso de deterioração da segurança”. Mas às 10h56 desta sexta-feira, a portaria do ministro Sergio Moro autorizou o envio de 300 homens e 30 viaturas ao local por 30 dias. Segundo o ministro, a decisão só foi tomada porque o estado não conseguiu debelar a crise sozinho.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse que o fato de o PT comandar o estado, mesmo sendo oposição ao governo federal, não influenciaria a medida. “Jamais faremos oposição ao povo de qualquer estado e o povo do Ceará precisa neste momento”, afirmou. Moro “foi muito rápido, hábil e eficaz para atender o estado, cujo governador reeleito tem posição radical à nossa (sic).”
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Medidas fortes no Ceará
“Esse tem sido justamente o motivo desses atos criminosos: fazer com que o Estado recue dessas medidas fortes, o que não há nenhuma possibilidade de acontecer. Pelo contrário: endureceremos cada vez mais contra o crime”, disse o governador Camilo Santana por meio de uma rede social na tarde desse sábado.
Há suspeita de que a ordem para os ataques realizados contra prédios públicos e privados, delegacias, agências bancárias, ônibus e até um viaduto em todo o Ceará tenha partido de dentro de penitenciárias. Foram indiciados 52 detentos por desobediência, resistência e motim e outros 250 devem ser indiciados, segundo o secretário de segurança do Ceará, André Costa.
Os ataques ocorrem depois de o governador anunciar que uma das prioridades de seu segundo mandato será endurecer as regras em presídios, que hoje têm unidades divididas entre facções criminosas: as três mais fortes no estado são o PCC (Primeiro Comando da Capital) e GDE (Guardiões do Estado), que são aliados, e o CV (Comando Vermelho).
Santana criou uma secretaria exclusiva para o assunto, a de Administração Penitenciária, e escalou para comandá-la o policial civil e ex-secretário de Justiça do RN, Luís Mauro Albuquerque, e com passagem também pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
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Há possibilidade de revisão da divisão de detentos por presídios com base na facção a que pertencem, o que pode ter desencadeado ordens para as ações realizadas por bandidos nas últimas horas.
Na terça (1º), durante a posse dos secretários no Palácio da Abolição, Albuquerque disse que não reconhecia as facções criminosas e que os presídios têm que ser comandados pelo estado, não pelos criminosos -nos últimos meses vídeos de detentos com celulares nas unidades circularam pela internet.
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança, o Ceará foi, em 2017, o terceiro estado do país com mais mortes violentas. A taxa foi de 59,1 mortos a cada 100 mil habitantes. À frente do estado estiveram apenas Rio Grande do Norte (68) e Acre (63,9).
Em 2018, segundo dados divulgados pelo estado, houve queda de 10,5% na taxa de homicídios entre janeiro e novembro de 2018, comparado com 2017.
Mesmo assim, no ano passado ocorreu a maior chacina da história do Ceará, com 14 mortos durante uma festa na periferia de Fortaleza, em janeiro, e a morte de seis reféns após ação policial para evitar assalto a dois bancos em Milagres, no interior, em dezembro.
Pedido do Pará
Depois do Ceará, agora o Pará também pediu ao ministro da Justiça, Sergio Moro, ajuda da Força Nacional para conter a violência no estado. A solicitação, feita pelo governador Helder Barbalho (MDB), chegou à pasta e está em análise.
“O Pará está mais violento que o Rio de Janeiro, proporcionalmente. O pedido feito foi por seis meses de Força Nacional no estado”, disse o delegado Éder Mauro (PSD-PA), que foi ao Palácio do Planalto falar com o presidente Bolsonaro.
Não há prazo para decisão do ministro da Justiça sobre o pedido de Barbalho. De acordo com a assessoria da pasta, até agora, essas foram as únicas solicitações recebidas
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