Tramitam no Congresso, entre as propostas para as eleições de 2018, duas medidas que interessam muito aos atuais senadores e deputados. A primeira é, na eleição para deputados estaduais e federais, mudar o voto do sistema nominal para o de lista fechada: o eleitor escolhe um partido ou coligação e não mais um candidato. A segunda consiste em garantir mais dinheiro público para as campanhas por meio de um novo fundo público, chamado de Fundo Especial de Financiamento da Democracia (FFD).
O motivo de tanta pressa é, primeiro, o medo de serem penalizados pelo eleitor nas urnas pelo envolvimento em casos de corrupção – hoje, de cada três deputados federais, um é investigado pela Justiça ou responde a uma ação penal.
LEIA TAMBÉM: Sem Lula, esquerda não tem candidato para 2018
O que as mudanças escondem
No caso da lista fechada, a ideia é conquistar votos sem aparecer muito – já que, ao votar no partido, o eleitor na verdade escolhe os candidatos da sigla que estão ordenados numa lista (os primeiros da relação são os eleitos).
“A lista fechada tem suas vantagens, mas não no cenário político atual, em que a proposta tem um viés claramente corporativo”, afirma o professor Paulo Baía, cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Como os atuais parlamentares não querem expor os seus nomes à população, tentam um mecanismo em que eles possam ser reeleitos sem que a população perceba, dificultando a renovação no Congresso”.
Já em relação ao financiamento das campanhas, com a proibição de receberem doações de empresas, os parlamentares colocaram os olhos sobre os recursos públicos, com o mote “a democracia custa caro”.
A ideia é adotada em outros países, mas o medo dos especialistas, no caso do Brasil, é que seja aberta mais uma torneira para o desvio de recursos que pode começar pequena agora e aumentar ao longo do tempo. “Estamos em um momento de austeridade, em crise econômica, com os gastos ultrapassando o teto, não podemos colocar mais lenha nessa fogueira dessa forma”, diz David Fleischer, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília.
VEJA AINDA: O que está por trás da proposta para legalizar o lobby no Congresso
Prazo final
Com a Câmara praticamente paralisada com as denúncias contra o presidente Michel Temer, vai ser difícil colocar em pauta esses e outros pontos da reforma política agora. Mas, para conseguir se reeleger, os parlamentares não vão desistir de tentar. E eles têm pouco tempo para isso: para entrar em vigor, as mudanças precisam ser sancionadas até 6 de outubro de 2017 – um ano antes das eleições.
O deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política, já acenou que pode abrir mão da lista fechada caso a opinião pública seja resistente à medida, mas não do fundo público. Nos bastidores, as discussões são acaloradas e ainda há esperanças de incluir tudo. Confira, nas próximas páginas, as principais propostas em jogo.
O QUE ESTÁ EM JOGO
Para valer em 2018, as novas leis eleitorais precisam ser sancionadas até 6 de outubro de 2017. Entenda em detalhes as mudanças propostas:
O que é: em 2018, para deputado federal e estadual, a população votaria no nome do partido e não mais em um candidato específico. Cada partido teria uma lista prévia de possíveis eleitos, conhecidos pela população. Os partidos mais votados teriam mais vagas e assumiriam as pessoas indicadas pelo partido na ordem colocada nessa lista pré-determinada.
Por que interessa para os políticos?
A população dificilmente votará em políticos envolvidos em casos de corrupção. A lista seria uma forma de “blindar” os envolvidos: por exemplo, estima-se que o PMDB ou PT poderiam ter, cada um deles, pelo menos 30% dos votos na legenda para a Câmara. Os nomes dos candidatos da lista de cada partido seriam conhecidos pela população, mas a aposta é que os eleitores, cansados da política nacional, votariam sem pensar muito no partido ou coligação para o qual tenham mais afinidade, sem dar-se conta em que estarão escolhendo políticos com currículo questionável.
Vantagens:
- A campanha seria mais barata, sem os gastos por candidato.
- Os eleitores votam em propostas e ideias e não em um “salvador da pátria”. É difícil prever como agirá o eleitor, mas partidos novos ou com aparência de ideias inovadoras podem conquistar mais votos.
Desvantagens:
- A população pode votar em uma lista sem perceber, por exemplo, que foram inseridos nomes de candidatos investigados pela Lava Jato.
- Partidos disfarçados de “novos” podem trazer nomes diferentes, porém vinculados aos políticos de sempre.
- Pode ser difícil que nomes novos consigam um lugar na lista dos partidos mais fortes, feita pelos caciques das agremiações.
O que é: prevê um repasse, para 2018, de R$ 1,9 bilhão para as campanhas eleitorais de primeiro turno de governadores e presidente da República, e para as campanhas de senador, deputados federais e estaduais. E mais R$ 285 milhões para as campanhas de segundo turno para governador e presidente. Do total, 2% seriam distribuídos igualmente entre os partidos e 98% proporcionalmente de acordo com a votação recebida nas eleições de 2014 para a Câmara dos Deputados. Do conjunto de recursos, 70% devem ser gastos nas campanhas de presidente e governador e 30% para o restante.
Por que interessa para os políticos?
Com a proibição do financiamento das campanhas eleitorais por empresas, muitos partidos consideram impossível fazer campanha com os recursos permitidos. Com a medida, fica institucionalizado o uso direito do dinheiro público. “A democracia custa caro. Não há como realizar eleições num país de dimensões continentais como o Brasil sem despender elevadas somas com logística, maquinário e pessoal”, diz o relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP).
Vantagem: É o modelo adotado em outros países, como Canadá e Alemanha. O espírito da medida é garantir à população a visibilidade que precisa para escolher, com consciência, partidos e candidatos, algo considerado impossível sem recursos financeiros – ainda mais em campanhas grandes como as de presidente e governador.
Desvantagens: Em crise econômica e com políticos desmoralizados e envolvidos em casos de corrupção, incomoda permitir o uso de dinheiro público, que poderia ser usado em outras áreas consideradas mais prioritárias, para as campanhas. Para muitos, elas deveriam ser feitas com recursos dos próprios candidatos e partidos, respeitando o teto de gastos previstos na lei.
As coligações são uma estratégia para que os partidos pequenos consigam eleger representantes. Como, em geral, por si mesmas, as pequenas legendas não conseguem o número mínimo de votos para conquistar uma vaga, graças às coligações elas conseguiram alcançar o quociente eleitoral (votos válidos divididos pelas vagas em disputa no Legislativo). Com o fim das coligações, os partidos maiores tendem a ser beneficiados enquanto que os menores correm o risco de desaparecer do cenário.
Outra medida que deve atingir em cheio os partidos pequenos, caso seja aprovada. A ideia é restringir o acesso ao fundo partidário, ao tempo gratuito de rádio e televisão e à estrutura funcional no Congresso dos partidos que não alcançarem, nas eleições para deputados federais, pelo menos 2% dos votos válidos em cada uma das 14 unidades da Federação. O objetivo é impedir que pequenas agremiações sejam utilizadas para aumentar o tempo de rádio e televisão nas coligações ou para fins escusos durantes as eleições, chamadas de “partidos de aluguel”.
A sugestão é, para as eleições legislativas e proporcionais (de deputados federais, estaduais e vereadores), dividir o país em distritos. Cada eleitor tem dois votos: um para candidatos no distrito (vence o mais votado; sistema de voto majoritário) e outro no partido (voto proporcional ao desempenho do partido nas eleições). O objetivo é facilitar, por meio de proximidade, a fiscalização dos eleitos pela população. A conjugação com o voto proporcional tem por objetivo impedir a figura do “salvador da pátria” ou a influência de “coronéis”, o que poderia ocorrer caso o voto fosse apenas distrital (o mais votado em cada distrito). É o sistema mais polêmico e de difícil consenso no Congresso.
* Outras propostas em estudo reforma política, mas que dificilmente serão apreciadas este ano.
Fontes: Senado / Câmara dos Deputados / Paulo Baía, cientista político da UFRJ; David Fleischer, cientista político da UnB; Márcio Coimbra, coordenador do MBA de Relações Institucionais do Ibmec.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink
Deixe sua opinião