O governo voltou a se movimentar para aprovar a reforma da Previdência, que estava no congelador desde a revelação das gravações da JBS.
A mudança na legislação incomoda a maioria da população, que terá de trabalhar mais para se aposentar. Mas deve contribuir para um aumento da produtividade, da poupança e do investimento, com resultados positivos para toda a economia.
No longo prazo, a aproximação das diferentes regras que existem hoje pode contribuir para uma redução da desigualdade – atualmente, a Previdência dos servidores e as aposentadorias por tempo de contribuição ao INSS são concentradoras de renda.
Mas as mudanças feitas na reforma por pressão de diferentes corporações tendem a limitar bastante esse efeito distributivo. Além disso, o elevado grau de informalidade da economia brasileira e o mercado de trabalho hostil aos mais velhos podem criar um contingente de pessoas de meia idade ou idosas sem trabalho e sem condições de se aposentar.
Impactos positivos
Hoje o Brasil gasta cerca de 2,2% do PIB para bancar aposentadorias e pensões de pessoas que têm menos de 60 anos, e quase metade desse bolo vai para pessoas com no máximo 54 anos. Gente que, em boa parte dos casos, tem escolaridade e qualificação acima da média.
Quando saem do mercado antes da velhice, esses trabalhadores deixam de contribuir para a geração de riquezas. E os que continuam na ativa após a aposentadoria em geral produzem menos que os não aposentados da mesma idade.
Resultado: além de gastar um bocado, o país ainda deixa de produzir o equivalente a 0,6% do PIB todo ano por causa da perda de eficiência provocada pelas aposentadorias precoces. Ao inibi-las, a reforma da Previdência deve contribuir não só para uma economia de recursos públicos, mas para o aumento da produtividade do país.
No Brasil, a taxa de reposição da aposentadoria – relação entre o valor do benefício e o salário médio que o trabalhador recebeu na vida – é de 80%, em média. Na OCDE, que reúne os países mais desenvolvidos, a taxa média é de pouco mais de 60%. Some-se isso o fato de que muitos trabalhadores conseguem se aposentar cedo e o resultado é um grande desestímulo a poupar dinheiro.
O país tem uma taxa de poupança historicamente baixa, que, com a crise, ficou ainda menor. O volume de recursos que sobra após as despesas de consumo caiu do equivalente a 18,3% do PIB em 2013 para apenas 13,9% em 2016 –a média dos países emergentes é de 25%. Isso significa que por aqui há menos dinheiro para financiar investimentos produtivos, o que obriga o país a “importar” poupança.
Além de adiar aposentadorias, a reforma da Previdência deve reduzir – ao menos um pouco – a taxa de reposição dos benefícios. E esses dois fatores tendem a estimular a poupança doméstica.
Se a taxa de poupança crescer, haverá mais recursos para emprestar a empresas e consumidores. Com isso, o custo do crédito – isto é, a taxa de juros – tende a cair.
Parte importante desse efeito virá do setor público. Ao conter o crescimento de seus gastos com Previdência, o governo federal poderá reduzir o volume de dinheiro que pega emprestado para financiar a dívida pública, ao mesmo tempo em que pagará juros mais baixos – a chamada “taxa neutra de juros”, aquela que permite crescimento econômico sem pressões inflacionárias, poderia baixar em 0,62 ponto porcentual, segundo estimativa do Ministério da Fazenda.
Ou seja, cedo ou tarde os investidores terão de abrir o leque e financiar mais investimentos produtivos se quiserem fazer seu dinheiro render mais.
A queda do custo do crédito deve elevar o retorno do investimento privado e, portanto, estimular esse tipo de desembolso, com reflexos positivos para a economia e a geração de empregos. O próprio governo, gastando menos com aposentadoria, terá mais dinheiro para investir.
Somadas, a Previdência e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – que também será alterado pela reforma – representam 54% dos gastos primários (não financeiros) do governo. A folha de pagamentos e os demais gastos correntes abocanham outros 41%, sobrando apenas 5% para investimentos.
No ano passado, os investimentos públicos e privados somaram o equivalente a 16,4% do PIB, pior índice em pelo menos duas décadas. Cálculo do Ministério da Fazenda indica que, com a reforma da Previdência, essa taxa poderia aumentar em 1,8% do PIB, com impacto positivo no crescimento econômico equivalente a 0,65% do PIB ao longo de dez anos.
Sem reforma, o quadro das contas públicas ficará muito pior, afetando a confiança na economia, o investimento público e privado e o desempenho do PIB. Técnicos do governo calculam que em dez anos Previdência e BPC vão consumir no mínimo 63% do Orçamento, restando ainda menos recursos para educação, saúde, segurança e demais despesas. A alternativa será elevar impostos, sugando recursos do setor privado – como, aliás, o governo já tem feito.
Diferentes pesquisas demonstram que, à exceção do piso da aposentadoria, que é vinculado ao salário mínimo, a Previdência é concentradora de renda. Ou seja, há uma transferência de recursos dos mais pobres para os mais ricos.
Os dois benefícios mais problemáticos, nesse sentido, são a aposentadoria por tempo de contribuição, que permite que homens e mulheres se aposentem pelo INSS com cinquenta e poucos anos, e a previdência do funcionalismo, que paga benefício integral a todos os que ingressaram no serviço público antes de 2013. Com regras tão generosas, o gasto brasileiro com os servidores inativos equivale a 4% do PIB, mais do que gasta a quebrada Grécia (3,5%).
Além de instituir uma idade mínima de aposentadoria (62 anos para mulheres e 65 para homens, na regra geral), extinguindo a aposentadoria por tempo de contribuição, a proposta de reforma aprovada na comissão especial da Câmara dos Deputados iguala boa parte das regras para servidores e trabalhadores do setor privado. Com isso, a concentração de renda provocada pelo nosso sistema previdenciário deve diminuir ao longo dos anos.
Impactos negativos
Pela proposta original do governo, se aposentar ficaria mais difícil para todos – homens, mulheres, trabalhadores urbanos e rurais, servidores e segurados do INSS. De certa forma, o prejuízo ficaria mais ou menos distribuído. O problema é que, ao longo da tramitação, a reforma da Previdência foi sendo desidratada por pressão de corporações do serviço público e diferentes categorias profissionais, o que limita e muito o “efeito redistributivo” inicial da reforma.
Agora há idades mínimas mais baixas para agricultores, professores e policiais, e dois benefícios exclusivos dos servidores que ingressaram antes de 2013 tendem a ser mantidos – a aposentadoria integral e o direito de receber o mesmo reajuste salarial do pessoal da ativa. Antes, esses privilégios seriam reservados apenas aos servidores que aceitassem cumprir desde já as novas idades mínimas de aposentadoria, sem regra de transição.
A maioria dos trabalhadores mais pobres se aposenta hoje por idade, aos 60 (mulheres) ou 65 (homens). Após a fase de transição da reforma, as mulheres terão de esperar mais dois anos, até os 62, para se aposentar. Para os homens o requisito de idade continuará o mesmo.
Mas uma outra mudança deve dificultar bastante a aposentadoria dos brasileiros de baixa renda: o aumento da contribuição mínima. Hoje é preciso contribuir à Previdência por pelo menos 15 anos para se aposentar por idade. Com a reforma, esse requisito sobe para 25 anos. O que não é tão simples num país com 13,5 milhões de desempregados e onde mais de 40% dos ocupados são informais.
Das 576 mil pessoas que se aposentaram por idade em 2015, 79% não juntaram 25 anos de contribuição. E dois terços somaram no máximo 20 anos. Mas os técnicos do governo acreditam que o aumento do tempo vai estimular autônomos a contribuir, e que o regime de transição dá tempo suficiente para acomodar os trabalhadores à nova realidade.
A reforma da Previdência vai obrigar o brasileiro a permanecer mais tempo num mercado de trabalho em que as empresas se acostumaram a trocar funcionários mais velhos – e de salários maiores – por outros mais jovens e “baratos”. O temor é de que isso crie um exército de desempregados de meia idade que não podem se aposentar.
Dados do IBGE e do Ministério do Trabalho mostram que as pessoas com 50 anos ou mais são 23% da população, mas têm participação menor, de 17%, no total de empregados (na soma de celetistas e funcionários públicos).
Contraditoriamente, outros números revelam que o desemprego é baixo entre os mais velhos. Em 2015, segundo a pesquisa Pnad Contínua, a taxa de desocupação das pessoas entre 55 e 64 anos era de 3,6% e a de 65 anos ou mais era ainda menor (1,9%), ao passo que a dos jovens de 16 a 24 anos estava em 22,8%.
Há ao menos duas explicações para esse baixo desemprego. Boa parte dos que se aposentaram deixou o mercado de trabalho. E outros tantos podem estar fora do mercado por causa do chamado desalento – quando as pessoas desistem de procurar emprego e, assim, deixam de ser consideradas “desocupadas”.
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