Com um placar de 2 votos a 1, o Supremo Tribunal Federal (STF) paralisou o julgamento iniciado nesta quarta-feira (13) que analisa se é a Justiça Eleitoral quem deve julgar todos os processos que envolvam o cometimento de crimes comuns, como lavagem de dinheiro e corrupção, com crimes eleitorais, como o caixa 2. O julgamento será retomado na tarde desta quinta-feira (14).
Por enquanto, votaram a favor de encaminhar os processos para a Justiça Eleitoral os ministros Marco Aurélio Mello, relator do caso, e Alexandre de Moraes. Votou contra o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte, alinhado com o posicionamento defendido pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Se vencer a tese de Marco Aurélio, o STF será um duro golpe contra a Lava Jato, cinco anos após o início da operação que desvendou um esquema criminoso na Petrobras e levou para cadeia políticos, empresários, executivos e doleiros. A força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba, que investiga o petrolão, vê no julgamento uma manobra para esvaziar uma possível punição aos políticos que receberam propina disfarçada de caixa 2 eleitoral.
NOSSA OPINIÃO: Decisão do STF contra a Lava Jato consagra a impunidade no país
Em entrevista à Gazeta do Povo, o procurador Diogo Castor de Mattos chegou a classificar o julgamento como um “ataque covarde à Lava Jato”. Ele também foi autor de artigos publicados na imprensa em que defende que os crimes comuns fiquem com a Justiça Federal, não com a Justiça Eleitoral.
Ministros reagem às críticas de procurador
A sessão plenária desta quarta foi marcada por uma forte reação dos ministros do Supremo à pressão feita nas redes sociais e na imprensa por membros da Lava Jato em Curitiba. A opinião de Mattos na imprensa repercutiu mal e foi classificado como “lamentável” pelo ministro Alexandre de Moraes. Também causou surpresa no presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.
Toffoli, inclusive, pediu a palavra antes da leitura do voto do relator, Marco Aurélio, para fazer um “pronunciamento institucional” sobre o caso. Ele afirmou que vai representar contra Diogo Mattos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e na Corregedoria do Ministério Público Federal.
“A Justiça Eleitoral é, de todos os ramos do Poder Judiciário nacional, vamos e venhamos, a que é a mais eficiente e a mais célere”, disse. “Atacar o Poder Judiciário Eleitoral é atacar essa Suprema Corte também, na medida em que o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] é presidido pelo STF. Farei e anuncio uma representação ao CNMP e a Corregedoria do MPF, em razão dos ataques desse procurador a Justiça Eleitoral. Não é permissível esse tipo de ilação”, disse Toffoli.
As críticas foram endossadas pelo ministro Alexandre de Moraes. “Algumas pessoas precisam amadurecer e entender que não existe uma Liga da Justiça sagrada contra o resto da Justiça que seria a Liga do Mal”, disse o ministro sobre os ataques da Lava Jato à Justiça Eleitoral.
“Não é possível um único grupo achar que é dono da verdade, achar que a corrupção só iniciou a ser combatida, só se combate e só vai se combater enquanto eles desempenharem suas funções, desprezando milhares de colegas”, disse Moraes.
Advogado diz que pano de fundo do julgamento é ideológico
O advogado Ricardo Pieri Nunes sustentou que a Justiça Eleitoral atrai a competência para julgar todos os casos envolvendo crimes eleitorais. “O que está em jogo aqui não é uma questão jurídica, é uma questão de natureza ideológica que implica em um ataque ao próprio Poder Judiciário”, defendeu antes da votação dos ministros.
Ele criticou a pressão feita pela força-tarefa da Lava Jato sobre o STF em relação ao julgamento. Nunes citou um artigo publicado pelo procurador Diogo Castor de Mattos, da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, publicado no site O Antagonista.
“Um procurador da República, e não uma criança inocente, às vésperas de um julgamento no plenário do STF, vai a imprensa para se pronunciar sobre o julgamento e dizer que ministros da Corte estão articulando um golpe”, disse o advogado.“Na expectativa de que Vossas Excelências se sujeitarão a esse tipo de ofensa e atenderão ao desejo da assim chamada Lava Jato”, completou o advogado.
Entenda o caso
O caso julgado na quarta-feira (13) chegou ao plenário da Corte depois de um desentendimento entre a Primeira e a Segunda Turma do Supremo. O primeiro colegiado, formado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber, Marco Aurélio e Alexandre de Moraes, vinha adotando o entendimento de que todos os crimes devem ser julgados pela Justiça Federal.
Já a Segunda Turma, formada pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Cármen Lúcia e Edson Fachin (relator da Lava Jato), vinham decidindo que, quando outros crimes ocorrem junto com crimes eleitorais, os casos devem ser remetidos para a Justiça Eleitoral.
O plenário apreciou recurso relacionado ao inquérito que investiga o ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), e o deputado federal Pedro Paulo Carvalho Teixeira (DEM-RJ) pelo suposto recebimento de R$ 18 milhões da Odebrecht para campanhas eleitorais.
Segundo as investigações, Paes teria recebido R$ 15 milhões em doações ilegais no pleito de 2012, quando estava no MDB. Em 2010, o também ex-emedebista Pedro Paulo teria recebido R$ 3 milhões para campanha e mais R$ 300 mil na campanha à reeleição, em 2014.
Lei é clara, diz especialista
A lei diz que quando há crimes eleitorais cometidos com outros crimes, a Justiça Eleitoral atrai a competência para julgar tudo. Para o diretor do Instituto dos Advogados do Paraná e professor da Faculdade de Direito da UFPR, Guilherme Brenner Lucchesi, a legislação é clara ao definir a competência da Justiça Eleitoral para julgar qualquer caso que envolva repercussão eleitoral.
“A competência da Justiça Federal sempre vai prevalecer sobre a competência da Justiça Estadual. O mesmo acontece com relação à Justiça Eleitoral. Se eu tiver diversos crimes que sejam praticados e dentre esses crimes houver um crime eleitoral, segundo a nossa legislação vigente hoje – isso não é uma questão de interpretação judicial, é o que a lei diz – a competência da Justiça Eleitoral prevalece, defendeu Lucchesi em entrevista recente à Gazeta do Povo.
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