A decisão do Brasil de não sediar a Conferência do Clima (COP-25) em 2019, anunciada nesta semana, foi tomada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro. “Houve participação minha”, afirmou na quarta-feira (28). A decisão brasileira causou mal-estar na ONU, que terá de achar uma nova sede às pressas, e sinalizou a existência de divergências entre Bolsonaro e ministros do futuro governo a respeito do chamado Acordo de Paris e da própria COP.
Em entrevista, Bolsonaro disse que existe a possibilidade de o país sair do Acordo do Paris e não quer “anunciar uma possível ruptura dentro do Brasil”. Outro fator mencionado foi o custo para a realização do evento – R$ 400 milhões, segundo estimativas –, que considerou “exagerado” diante da situação das contas públicas.
“Peço a ajuda de vocês”, disse o presidente eleito a jornalistas. Bolsonaro afirmou que o Acordo de Paris – esforço internacional assinado por 195 países em 2015 para conter o aquecimento global no planeta – coloca em risco a soberania do Brasil por criar, segundo ele, uma grande área de preservação ambiental chamada “Triplo A”. Trata-se de uma faixa de 136 milhões de hectares que se estenderia desde os Andes, passando pela Amazônia e chegando ao Atlântico. Ainda de acordo com o presidente eleito, a proposta foi criada pela Fundação Gaia Amazonas, com sede na Colômbia.
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“Eu quero deixar bem claro, como futuro presidente, que, se isso for um contrapeso, nós com toda certeza teremos uma posição que pode contrariar muita gente, mas vai estar de acordo com o pensamento nacional”, disse o presidente eleito. Durante a campanha eleitoral, ele falou em sair do acordo do clima e da própria ONU.
Segundo Bolsonaro, o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente. “Mas não pode uma política ambiental atrapalhar o desenvolvimento do Brasil. Hoje a economia quase está dando certo apenas na questão do agronegócio. E eles estão sufocados por questões ambientais que não colaboram em nada para o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente.”
O presidente eleito assumiu a responsabilidade pela desistência da candidatura do Brasil apesar de o futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que estava ao lado, haver soprado, enquanto a pergunta era feita: “Não temos nada com isso. Isso é decisão do Itamaraty”.
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O atual governo consultou a equipe sobre a realização da COP-25 porque, embora seja amplamente conhecida, a candidatura do Brasil para sediar o evento seria formalizada na COP-24, que começa no domingo (2/12), em Katowice, na Polônia. Os países da América Latina e Caribe ofereceriam o Brasil como sede, depois de meses de articulação para superar as resistências da Venezuela. O futuro chanceler, Ernesto Araújo, foi questionado sobre o interesse em manter a candidatura.
A equipe de transição foi também avisada de que há questão financeira pendente. A proposta do Orçamento de 2019, em análise no Congresso, prevê recursos para o evento, mas apenas uma pequena parte, cerca de R$ 15 milhões. Os técnicos avaliavam tirar recursos do Fundo Clima, gerido pelo Ministério do Meio Ambiente, mas seria necessário outras fontes de recursos.
Divergência com ministros
Além de Onyx Lorenzoni tentar atribuir a decisão apenas ao Itamaraty, outros dois ministros anunciados pelo futuro governo demonstraram posição favorável à COP e ao Acordo do Clima.
Menos de uma hora depois da declaração de Bolsonaro, o recém-anunciado ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), disse que a COP é “de grande importância” para discutir a questão climática e “todos os outros temas que estão relacionado ao turismo”.
Questionado sobre a posição de Bolsonaro, porém, Álvaro Antônio titubeou. “Não conversei com o presidente ainda. Se a posição dele é essa, obviamente a gente respeita a posição do presidente, mas vou conversar com ele para a gente ter o alinhamento das ideias”, disse. “A gente ainda precisa se aprofundar mais e entender melhor qual o impacto da não realização do evento nessa visibilidade do Brasil aqui dentro e também no exterior.”
A sinalização do novo governo a respeito do Acordo de Paris vai na direção contrária do papel que o Brasil tem representado nas negociações de clima da ONU. A própria Tereza Cristina (DEM-MS), indicada para o Ministério da Agricultura, já disse que “o Acordo de Paris é importante para a agricultura brasileira, pois o produtor brasileiro é reconhecido lá fora como preservador”.
Decisão causa mal-estar na ONU
No telegrama enviado na última segunda-feira em que comunicou a desistência da candidatura, o governo brasileiro apresentou como justificativas a difícil situação das contas públicas e o processo de transição no Brasil. Mas o quadro fiscal não havia sido um peso quando o país se candidatou, em outubro.
A decisão do Brasil de não sediar a COP em 2019 criou um mal-estar diplomático e obrigou a ONU a se apressar para procurar um novo país disposto a receber o evento.
O presidente Michel Temer havia se mostrado interessado em acolher o evento em 2017, em Bonn. Na época, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, disse que o fato seria um “marco” no caminho até a implementação do Acordo de Paris. Como o Brasil havia conseguido apoio dos outros países, a ONU não tem plano B.
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Agora, a entidade corre para encontrar uma solução, enquanto governos estrangeiros criticam, nos bastidores, a postura do Brasil. Apesar de o Itamaraty ter alegado razões financeiras e de transição de governo, representantes da ONU ouvidos pelo reportagem não acreditam nos argumentos. E o próprio presidente eleito, afinal, admitiu que teve participação na decisão.
Em condição de anonimato, um membro do alto escalão da entidade afirmou que a decisão é um sinal do que deverá ser a política de meio ambiente do novo governo brasileiro. Ele destacou que o Brasil é reconhecido por manter os compromissos assumidos e que a medida é uma quebra dessa postura.
Oficialmente, a ONU adotou um tom técnico. “Sediar a COP é um compromisso logístico e financeiro significativo”, disse o vice-secretário executivo da entidade, Ovais Sarmad. “A oportunidade de servir de sede respeita uma rotação entre os cinco grupos regionais. É a vez do Grupo da América Latina e Caribe (Grulac) de sediar a conferência em 2019”, disse.