O ‘banco de talentos’, ideia divulgada pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em fevereiro, para o gerenciamento das indicações políticas ao governo federal, deve começar a funcionar na próxima semana. O anúncio foi feito pelo secretário da Casa Civil para a Câmara, o ex-deputado federal Carlos Manato, em entrevista à Gazeta do Povo.
O projeto foi apresentado por Lorenzoni como um mecanismo para dar transparência às indicações políticas, comuns na formação da estrutura governamental. Via de regra, o presidente de ocasião destina parte do seu corpo funcional a nomes referendados por líderes políticos, que assim passam a apoiar o governo. É um cenário que foi apelidado de “toma-lá-dá-cá”, por representar uma via de favores de mão dupla.
Segundo Manato, o banco de talentos da gestão Bolsonaro conterá informações sobre a pessoa indicada, como o currículo e eventuais problemas com a justiça, e também dados sobre o político que apresentou a sugestão.
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“Os critérios que serão aplicados no banco de talentos foram criados pela CGU [Controladoria-Geral da União]. A pessoa tem que ter ficha limpa, curso superior e não pode ser parente de algum político. A partir daí, olha-se a parte técnica e as informações são passadas ao ministro correspondente, para que ele tome uma decisão”, destacou.
Manato diz que a recepção e a nomeação de nomes indicados por políticos não corresponde ao “toma-lá-dá-cá” porque, segundo ele, não haverá represálias aos parlamentares que, mesmo tendo apresentado sugestões, não votarem de maneira favorável ao Palácio do Planalto. “Se não votou com o governo, então não votou, problema dele [do parlamentar]. O que nós olharemos é um critério técnico”, disse. O secretário afirmou que o banco estará disponível também para políticos da oposição. “Mas duvido que eles queiram participar”, ressalvou.
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Os cargos que devem ser objeto do banco de talentos pertencem a instituições como universidades federais, agências reguladoras e braços de órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Muitas dessas entidades são visadas por políticos por terem orçamentos polpudos e ações de grande visibilidade, o que garante dividendos eleitorais.
Meta é a extinção da “forma perniciosa e corrupta de fazer política”
O fim do “toma-lá-dá-cá” figurou entre as principais bandeiras de Jair Bolsonaro durante o período eleitoral. O programa de governo apresentado pelo então candidato ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) destacou frases como “propomos um governo decente, diferente de tudo aquilo que nos jogou em uma crise ética, moral e fiscal. Um governo sem toma-lá-dá-cá, sem acordos espúrios” e “o quadro atual [antes do início da gestão Bolsonaro] deve ser visto como o resultado da forma perniciosa e corrupta de se fazer política nas últimas décadas, caracterizada pelo loteamento do Estado, o popular ‘toma-lá-dá-cá’.”
Após a eleição, no período de transição e no início do governo, Bolsonaro também abordou o tema em diversas ocasiões. “Há pouco, uma das perguntas mais ouvidas era com qual partido político ficaria determinada diretoria dos bancos”, disse no dia 7 de janeiro, na cerimônia de posse dos presidentes de Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES.
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O presidente também intensificou o diálogo com as chamadas “bancadas temáticas”, grupo de parlamentares aliados a determinadas causas – como evangélicos e ruralistas, por exemplo – que pertencem a diferentes partidos.
No entanto, ao mesmo tempo em que o discurso buscava alegar que o governo estava sendo montado “sem viés político”, atos da gestão indicavam que a conotação partidária não seria completamente descartada. A nomeação de três ministros filiados ao DEM – Tereza Cristina (Agricultura), Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Lorenzoni – ajudou a sigla a se aproximar da gestão Bolsonaro.
O DEM, que teve sua influência diminuída durante os anos de PT, ampliou sua bancada nas últimas eleições e, à época da montagem do governo, já comandava a Câmara, com Rodrigo Maia (RJ) – posteriormente, o partido venceu a eleição para a presidência do Senado, com Davi Alcolumbre (AP).
Além disso, nos primeiros dias de governo, o ministro Lorenzoni anunciou que faria uma “despetização” do governo, com o desligamento de funcionários que seriam simpáticos ao PT. A medida levou à exoneração de todos os servidores comissionados da Casa Civil – o que fez com que a Comissão de Ética da Presidência tivesse que interromper suas atividades. Posteriormente, parte dos empregados desligados foi reincorporada pelo ministério.
Mas o discurso do “fim do toma-lá-dá-cá” sofreu seu maior abalo após o governo perder uma votação na Câmara dos Deputados, no dia 19 de fevereiro. Os parlamentares barraram uma modificação na Lei de Acesso à Informação que havia sido assinada em janeiro pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que à época era presidente em exercício.
A derrota teve como principal culpado o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), que foi tachado de inexperiente. Mas também sobrou para o Palácio do Planalto, que se mostrava reticente a negociar com os partidos. Com duas pautas de grande expressão no Congresso – a reforma da Previdência e o pacote anticrime do ministro Sergio Moro –, o governo entendeu a necessidade de aprimorar o diálogo com as lideranças partidárias e ceder quando necessário.
A concessão de cargos a diferentes partidos foi uma das principais marcas das gestões do PT, com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Os petistas chegaram a indicar para postos de primeiro escalão antigos desafetos do partido, como os ex-ministros Edison Lobão (Minas e Energia) e Gilberto Kassab (Cidades). Nos níveis inferiores, as nomeações políticas também eram frequentes.
Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras que se tornou um dos personagens principais da operação Lava Jato, foi indicado ao cargo pelo PP, que compôs a base de apoio das gestões petistas.
Emendas parlamentares
A necessidade de conquistar mais apoio dentro do Congresso Nacional é reconhecida pelo líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO). “A verdade é que o governo não tem base aliada. Isso é algo que está sendo montado agora. O que o governo tem, hoje, são apenas os 55 votos do PSL”, disse.
Na opinião do parlamentar, o Planalto precisa “chamar os deputados” para propor aos interessados uma participação no governo. “Ninguém vai governar com o Bolsonaro apenas porque ele tem olhos azuis. A verdade é que muitos parlamentares querem se integrar, querem colocar suas digitais no governo. E temos que chegar a isso não na base do ‘toma-lá-dá-cá’, mas num diálogo de propostas, conduzido pela Casa Civil e pelo líder do governo na Câmara”, disse.
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Além da concessão de cargos, um método historicamente feito pelos presidentes para ampliar sua governabilidade é a distribuição de emendas parlamentares aos deputados e senadores. A tática será reproduzida pela gestão Bolsonaro.
O governo planeja distribuir verbas do orçamento no valor de R$ 5 milhões para cada parlamentar, e a quantia somada das emendas pode chegar a R$ 1,4 bilhão, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. A matéria também revela que o governo estuda distribuir “bônus” aos deputados de primeiro mandato – como o orçamento atual foi fechado no ano passado, os “calouros” só teriam direito a emendas em 2020.
Militares também têm interesse em mais cargos
Um empecilho que o governo e os deputados podem encontrar na hora de emplacar apadrinhados de políticos no Planalto e na Esplanada dos Ministérios é o elevado número de militares. Além de ministros originários das Forças Armadas, como Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) e Almirante Bento (Minas e Energia), os militares estão também ganhando relevância nos escalões inferiores.
Recentemente, o presidente sinalizou a concessão de mais postos a membros da Marinha, que poderiam ficar com vagas estratégicas no Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), na Superintendência de Portos e no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A saída para o governo pode ser a de unir os dois propósitos: ou seja, privilegiar a nomeação de militares que sejam referendados por políticos.
Um ministro civil que falou em off com a Gazeta do Povo afirmou que a ampla presença dos militares se deve também a uma expressiva rede de contatos mantida entre os membros das Forças Armadas. “Como eles se conhecem bem, sempre conseguem saber pessoas de diferentes perfis para a ocupação de determinados postos. É um networking muito forte”, apontou.
O secretário Manato tem opinião similar: “existe hoje uma grande harmonia entre os civis e militares. Nas reuniões, acabamos esquecendo que existem as patentes. E os militares estão se posicionando pela sua competência. Não há, por parte da Casa Civil, o interesse de colocar os militares acima dos outros indicados que tenham competência”.
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