Marcello Miller (ao centro): ex-procurador é o pivô do que pode ser o questionamento de todas as provas da delação da JBS.| Foto: José Lucena/ Estadão Conteúdo

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, garante que apenas os benefícios concedidos aos delatores da JBS podem ser anulados por causa do descumprimento dos termos de colaboração premiada. Não as provas. Mas toda a delação, ou ao menos parte significativa dela, estará ameaçada se houver a comprovação da suspeita de que o ex-procurador Marcello Miller “jogou nos dois lados” ao mesmo tempo. Ou seja, se negociou a delação para a JBS, como advogado da empresa, ao mesmo tempo em que ainda estava no Ministério Público Federal (MPF). E, principalmente, se for provado que Miller influenciou a Procuradoria Geral da República (PGR) a firmar a delação.

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Advogado criminalista e professor de Direito Penal, Mário Soltoski Júnior afirma que é ponto pacífico que as provas serão mantidas se ficar comprovado que apenas os delatores descumpriram o termo de colaboração. Abre-se, contudo, uma brecha jurídica para as defesas de acusados questionarem a validade delas se houve irregularidades praticadas pelo MPF na negociação do acordo. E essa é a suspeita que envolve Miller. Oficialmente, ele foi procurador do MPF até 5 de abril, quando foi exonerado do cargo e virou advogado do escritório que negociou a delação – o Trench, Rossi & Watanabe, do Rio de Janeiro.

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A gravação em que o dono da JBS, Joesley Batista, e o diretor da empresa Ricardo Saud citam Miller como a “ponte” para chegar a Janot é anterior a isso – embora tenha sido tornado pública na terça-feira (5), foi feita em de 17 de março. Nessa ocasião, em março, Miller não estava mais no grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Mas ele foi considerado braço-direito de Janot quando fez parte da investigação, entre 2014 e 2016.

O ex-procurador nega ter cometido qualquer ilegalidade.

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A árvore envenenada

O advogado criminalista Soltoski Júnior afirma que a possibilidade de ter havido irregularidades cometidas pela PGR no acordo de colaboração da JBS pode invalidar todas as provas obtidas a partir daí. Isso porque as defesas poderão argumentar na Justiça que uma prova obtida a partir de uma ilicitude também é ilícita. No Direito, isso é conhecido como a doutrina dos frutos da árvore envenenada – algo que é incorporado na legislação brasileira.

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Soltoski Júnior afirma que o áudio de Joesley com o presidente Michel Temer, gravado em 7 de abril, é um tipo de prova sob risco nessas condições. A JBS assegura que a delação só começou a ser negociada após a gravação. Mas o caso ficou sob suspeita. “Houve interferência do Marcelo Miller na conversa com o Temer?”, questiona o professor de Direito Penal. Segundo ele, é ilícita a prova obtida quando alguém foi induzido a cometer o crime por outra pessoa. E esse eventualmente pode ter sido o caso dessa gravação, se houve a interferência do ex-procurador.

A apreensão da mala do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, com R$ 500 mil de propina da JBS, é outro exemplo de prova que pode ser questionada com base na doutrina dos frutos da árvore envenenada.

A prova autônoma

Porém, nem toda a delação necessariamente corre o risco de ser invalidada. O Código do Processo Penal também contempla uma exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada: a teoria da prova autônoma. Ou seja, se um material incriminatório foi obtido durante a investigação independentemente das atividades irregulares, ele é válido no processo.

Se forem comprovadas as irregularidades cometidas por Miller, a questão passar a ser justamente como separar o que não foi contaminado do que foi. “Me parece que a discussão que vai se travar daqui em diante [no caso da JBS] é exatamente essa”, diz Soltoski Júnior.

O professor de Direito Penal lembra que três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestaram publicamente pela licitude das provas da JBS, durante sessão da última quarta-feira (6): Celso de Mello, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello. Mas o STF tem mais oito ministros. “Eles ainda não disseram o que pensam”, lembra Soltoski Júnior.

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O que está em jogo: mais que o fim do mundo

A colaboração premiada dos donos e executivos da JBS foi maior e mais bombástica inclusive que a da Odebrecht – que foi chamada de delação do fim do mundo. Os delatores da JBS chegaram a citar 1.829 políticos em seus depoimentos à PGR – de vereadores ao presidente Michel Temer, passando por deputados, senadores e governadores. E isso dá uma dimensão do que está em jogo.

A gravação de Temer colocou o presidente na corda bamba. Ele foi acusado de ter dado anuência para que Joesley comprasse o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O presidente também é acusado de ter recebido propina em dinheiro.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) igualmente foi duramente atingido: além de ser acusado de ser beneficiário de propina, foi gravado pedindo R$ 2 milhões para o empresário para pagar sua defesa na Lava Jato. E esteve ameaçado de ser preso.

Outros figurões da República envolvidos foram os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. Os delatores da JBS disseram ter aberto uma conta no exterior com US$ 150 milhões para os dois.

Todos os acusados negam irregularidades.

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