O doleiro Alberto Youssef fez a primeira delação do país, em 2004. Ele repetiu a dose na Lava Jato.| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Ninguém duvida que a Lava Jato, deflagrada em março de 2014, seja a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil. Nunca se chegou tão perto de núcleos organizados de poder e jamais se escancarou tanto as entranhas da corrupção sistêmica enraizada na história do país. Além de mudar a maneira como o brasileiro enxerga a corrupção, a Lava Jato tem também o mérito de revolucionar a forma como a Justiça é feita no país. Um dos exemplos disso é a popularização do instituto da colaboração premiada, que permite a pessoas investigadas colaborarem com a Justiça em troca de uma redução na pena.

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Até agora são 158 acordos de colaboração firmados só na Lava Jato, segundo dados do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, responsável pelas investigações. As colaborações também estão presentes em outras operações tanto na Justiça Federal quanto na estadual. Os motivos que levam os investigados a colaborar variam de acordo com cada caso, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Mas uma coisa é consenso: o instituto veio para ficar e revolucionar o direito criminal brasileiro.

“Estamos diante de uma acusação muito preparada e os mecanismos antigos não estão funcionando, dando resultado”, diz o advogado Antônio Figueiredo Basto, responsável por firmar o primeiro acordo de colaboração premiada da história do Brasil, em 2004, durante o caso Banestado. O cliente dele era o doleiro Alberto Youssef, hoje também colaborador da Lava Jato. Na cartela de clientes, Basto tem ainda o ex-senador Delcídio do Amaral, o executivo Júlio Camargo, entre outros.

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“Hoje, com a quantidade de informações que existem, você torcer o nariz para a colaboração premiada é fórmula de insucesso para o cliente”, opina a advogada Alessi Brandão, responsável junto com o advogado Beno Brandão por firmar acordos de colaboração com os marqueteiros João Santana e Mônica Moura, com o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, entre outros réus.

Neste contexto, os advogados defendem que o acordo de colaboração surge como instrumento legítimo de defesa. “´É um instrumento que passou a fazer parte da estratégia de defesa. Existem pouquíssimos advogados que não fazem, que não aceitam discutir o tema colaboração”, afirma o advogado Marlus Arns de Oliveira, responsável pelos acordos dos executivos da Camargo Correa Eduardo Leite e Dalton Avancini.

Advogado responsável pela negociação do acordo do ex-ministro Antônio Palocci, Adriano Bretas ressalta que a aceitação em discutir possibilidades de acordo não significa um abandono total às formas tradicionais de defesa. “Eu posso ser um advogado perfeitamente combativo, aguerrido, que faz um litígio de forma contenciosa, porém quando não é possível solucionar o problema dessa maneira e o cliente prefere adotar uma solução negociada eu posso fazer isso também”, defende.

Um novo caminho para defesas

Para Basto, diante do alcance da organização criminosa desvendada pela Lava Jato é necessário pensar em outros caminhos para a Justiça brasileira. “Não há como você trabalhar com mecanismos processuais de investigação comum, é preciso que haja uma Justiça negociada”, opina.

“Houve uma mudança no paradigma da advocacia criminal”, opina Bretas. “A solução a ser dada passa por uma Justiça criminal negociada e essa mudança causou uma certa inquietação e uma certa dificuldade natural dos advogados se reinventarem frente a essa nova realidade”, completa.

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“Nosso direito está caminhando para ser um direito muito mais americanizado, um direito negocial”, concorda Alessi.

A diferença básica entre os sistemas brasileiro e americano é que nos Estados Unidos – e países com modelo semelhante – promotores e investigados geralmente entram em acordo quanto ao cumprimento da pena, reconhecimento de culpa e ressarcimento de danos antes mesmo que o caso chegue à Justiça, evitando inclusive julgamentos que podem ser imprevisíveis, tanto para a defesa quanto para a acusação. Enquanto isso, por aqui, os processos são fundados em uma série de garantias e em um sistema litigioso.

“Fazer essa migração põe em turbulência o sistema como um todo”, reconhece Bretas.

Críticas

A mudança, porém, não acontece sem conflitos. Existem na própria Lava Jato advogados que são contrários e extremamente críticos aos acordos de colaboração premiada. Para Bretas, as críticas têm como pano de fundo um conflito de filosofias entre os profissionais contrários e favoráveis ao instituto. “Alguns advogados, talvez acostumados com a forma [de atuar] mais antiga, tradicional, resistiram muito a esse enfrentamento [da colaboração]”, opina.

Para Alessi, há também um conflito de gerações por trás das críticas. “As cabeças mais jovens acabam sendo mais abertas a novas ideias, a outros posicionamentos”, diz. “É evidente que um advogado que tem 40, 50 anos de advocacia tem uma vivência muito maior que a minha, mas os tempos que nós estamos vivendo hoje são inéditos, não são os de sempre. Essa visão, com grande respeito aos cabelos brancos dos meus colegas, acaba sendo de igual pra igual com a nossa”, completa.

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“Quem se atualiza, quem estuda, sabe que as coisas mudaram para o bem e para o mal”, diz Oliveira. “E aí entra a colaboração premiada e outros instrumentos que nem foram falados, mas que mudaram a feição do direito penal”, opina o advogado.

Para Basto, há uma inversão de valores quando se criticam os acordos de colaboração firmados por investigados com a Justiça. “Aqui no Brasil a inversão de valores é tão grande que o erro não está na roubalheira, na afanação. O erro está na colaboração”, critica. “Na minha opinião, a colaboração não fere nenhum elemento ético, porque não há um ambiente ético no crime”, continua Basto. “O colaborador está atacando uma zona neutra, a zona do crime”, completa o advogado.

Prós e contas

Como todo instrumento de defesa, a colaboração premiada também apresenta uma série de prós e contras que vão além dos benefícios e deveres do colaborador. Para Bretas, um ponto a favor dos acordos é a existência de interesse público em todos os casos.

“O interesse público que existe nisso é evitar um processo que se alonga, uma resposta que já é dada desde logo, o Judiciário que não está sendo abarrotado e, portanto, pode se debruçar sobre os casos que precisa se debruçar. Todo mundo sai ganhando”, afirma.

Oliveira lembra que, apesar da “premiação”, nem sempre os benefícios são somente positivos para os investigados. “O colaborador se transforma em um párea social, ele deixa de ser respeitado socialmente, ele deixa de ser respeitado pelos pares que estão no processo, porque ele fez uma colaboração e o outro ficou em silêncio”, explica.

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Todos os advogados são unânimes em afirmar que o acordo nunca é a primeira opção de defesa, apesar da popularização do instituto. “Nós nunca indicamos a colaboração como primeiro mecanismo de defesa. Antes de tudo é feito um estudo pormenorizado do processo multidisciplinar para analisar quais são as possibilidades de defesa diante da prova que existe”, conta Basto.

“Enfrentamos a defesa em alguns casos e fizemos acordos em outros. Tivemos êxito com absolvição e tivemos êxito com colaboração. Você se afunda em um estudo, se aprofunda na técnica jurídica, para que você possa apresentar para o seu cliente a melhor solução para o problema dele”, defende Oliveira.