| Foto: Mauro Pimentel/AFP

No fim da manhã de domingo (17), após intensos tiroteios, moradores da favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, começaram a postar em redes sociais os estragos provocados pela guerra de traficantes no local: paredes e veículos esburacados, muitos cartuchos pelo chão e, na cena mais chocante, um corpo carbonizado em meio a uma pilha de lixo ainda em chamas.

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As cenas trouxeram à memória lembranças de outras guerras sangrentas na comunidade e deram início a uma operação policial que chega nesta sexta-feira (22) ao seu quinto e mais conturbado dia, com tiroteios e ônibus queimados em retaliação ao avanço das tropas na comunidade. Nesta sexta-feira (22), homens do Exército cercaram o local para dar cobertura às forças policiais que tentam pôr fim à violência.

Para especialistas, a volta dos confrontos representa um sintoma do fracasso das políticas de segurança no Rio, que vem passando por uma grave crise financeira – no último fim de semana, houve também guerra de facções no Juramento, na zona norte da cidade, com pelo menos sete mortos.

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“Em um cenário de crise generalizada e aumento da violência, é natural que a disputa entre traficantes se intensifique”, alerta o sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj.

Encravada em uma encosta de frente para São Conrado e de costas para a Gávea, bairros nobres da zona sul do Rio, a Rocinha era, de acordo com o último Censo do IBGE, a maior favela do Brasil em 2010, com 69.156 habitantes – a maior de São Paulo, Paraisópolis, ocupava na época a oitava posição, com 42.826 pessoas.

São, segundo o IBGE, 23.357 domicílios. Em 71% deles, o chefe de família tinha uma renda inferior a dois salários mínimos.

É ponto estratégico para o tráfico de drogas do Rio pelas facilidades logísticas: está próxima da zona Sul e da Barra, na zona Oeste – a principal entrada fica na maior via de ligação entre as duas regiões –, o acesso às vielas é difícil e a mata no alto do morro possibilita rotas de fugas para os bandidos.

Disputas

A localização privilegiada fez da Rocinha alvo frequente de disputas entre facções. De meados dos anos 1980 até o início dos anos 2000, era controlada pelo Comando Vermelho (CV). Passou por diversos confrontos até a ascensão, em 2007, de Antonio Bonfim Lopes, o Nem, que é apontado como mandante da invasão desta semana.

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Um dos piores momentos durou uma semana, teve 12 mortos – entre civis, suspeitos e o chefe anterior, Luciano Barbosa da Silva, o Lulu – e resultou na aproximação da facção ADA (Amigos dos Amigos) com o então novo chefe local, Erismar Rodrigues Moreira, o Bem-Te-Vi.

Em 2012, o governo do Rio implantou no local uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), que, se não acabou com o tráfico de drogas, pôs fim a um período de conflitos sangrentos na área.

A ocupação se deu dois anos após a invasão, por traficantes locais, do Hotel Intercontinental, em São Conrado, motivada pela interceptação, pela polícia, de um bonde de traficantes que voltavam de uma festa no Morro do Vidigal.

Leia também: Exército cerca a favela da Rocinha após tiroteios que assustaram o Rio

Naquela ação, estavam dois dos pivôs da guerra deste domingo (17): Ítalo de Jesus Campos, conhecido como Perninha, e Rogério Avelino, o Rogério 157. Com mais oito criminosos, eles fizeram cerca de 30 reféns e se entregaram depois de um cerco policial ao hotel.

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No último dia 13 de agosto, Perninha foi morto pelo grupo de Rogério 157, em uma declaração de guerra contra Nem, preso em 2011 durante o cerco à favela para a ocupação que implantaria a UPP.

Do presídio federal de segurança máxima em Rondônia, Nem vinha demonstrando insatisfação com o comando de 157, que passou a cobrar dos moradores por serviços como fornecimento de água e mototáxi, e já tinha emitido ordens para destituí-lo.

No domingo (17), com apoio de homens de outras favelas controladas pela ADA (São Carlos, Vila Vintém e Macacos), seu grupo invadiu a comunidade. O grupo de Rogério 157 foi reforçado por homens dos morros da Babilônia e Chapéu Mangueira, controlados pelo CV, que vê no conflito uma oportunidade para retomar o tráfico na Rocinha.

Embora a polícia descarte a participação de representantes de criminosos do PCC (Primeiro Comando da Capital), a aproximação de Nem com o grupo paulista nos últimos anos pode ter influenciado na adesão do CV a Rogério 157, já que CV e PCC são rivais.

Crise

A guerra pelo controle da Rocinha ocorre menos de um mês após a redução em 30% dos efetivos das UPPs, reflexo da crise financeira do estado do Rio de Janeiro – impedido de repor policiais mortos e aposentados e com dificuldades para suprir as tropas com equipamentos adequados.

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Ignácio Cano diz que, embora as UPPs não tenham impedido o tráfico de drogas onde foram implantadas, a presença policial inibia tentativas de outras facções de tomar aqueles territórios. “O custo de oportunidade dessas invasões aumentou com a presença da polícia”, comenta.

Na segunda (18), a polícia iniciou uma operação por tempo indeterminado na Rocinha e, desde então, vem realizando operações nas comunidades de onde saíram reforços para a guerra, na tentativa de prender suspeitos.

Na Rocinha, comércio e escolas têm funcionado de forma irregular, dependendo da sensação de segurança e a área onde os conflitos foram mais fortes ficou sem luz até quarta (20), quando funcionários da empresa de energia puderam entrar para consertar transformadores queimados.

Entre segunda e esta sexta-feira, cerca de 3 mil alunos de escolas públicas da região ficaram sem aulas devido à falta de segurança.

“Hoje foi o dia em que o bem perdeu para o mal, e foi de lavada!”, escreveu no domingo (17) em sua conta do Facebook Mariana Alves, diretora do Projeto de ensino Cultural e Educação Popular (Pecep), curso pré-vestibular comunitário, após saber que seus alunos perderam a prova da Universidade Estadual do Rio de Janeiro porque não conseguiram sair de casa durante o tiroteio.

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“Ao longo deste ano, eles passaram quase todos os dias estudando, aprendendo a aprender, descobrindo que são mais inteligentes que pensavam e que podem chegar mais longe do que fizeram eles acreditar durante tanto tempo.”