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Policial na Rocinha: comunidade é o símbolo do caos na segurança do Rio. | Carl de Souza/AFP
Policial na Rocinha: comunidade é o símbolo do caos na segurança do Rio.| Foto: Carl de Souza/AFP

Corrupção, desigualdade social, crescimento desordenado, impunidade... Muitos fatores explicam o caos da segurança pública no Rio de Janeiro, após o breve período em que o país imaginou que a cidade estava resolvendo seus problemas com as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadoras). Alguns deles são históricos, nunca solucionados. Mas, por trás da crise atual, há um componente novo: a “maldição do petróleo” – mal que acomete a maioria dos países produtores (dos 20 maiores exportadores mundiais, 17 são ditaduras ou regimes autocráticos; muitos dos quais corruptos e ineficientes).

O dinheiro do petróleo jorrou farto para os cofres públicos do governo do Rio após a descoberta do pré-sal, em 2006, e o início efetivo da produção, dois anos depois. Tamanha riqueza inebriou a classe política. O estado mergulhou fundo na corrupção e não se preocupou em melhorar a gestão pública. Criou muitos gastos permanentes, sobretudo com pessoal. Quando os anos de fartura acabaram, não havia caixa para pagar a conta da farra. E a segurança foi uma das áreas diretamente afetadas.

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Preços em queda, problemas em alta

“Os governos do Rio acharam que o preço do petróleo ia ficar muito alto por um longo tempo. O Sergio Cabral [ex-governador] roubou o que pôde e não fez uma reserva [de recursos] dos royalties [do petróleo] para o futuro”, diz Antonio Carlos Porto Gonçalves, doutor em Economia pela Universidade de Chicago e professor da FGV Direito do Rio. Quando a cotação internacional do petróleo caiu, o governo começou a ter problemas de caixa. Sérios problemas.

O Rio também sofreu um baque com a nova partilha dos royalties, aprovada pelo Congresso em 2012. Cidades e estados não produtores passaram a receber uma parcela que antes era exclusiva dos produtores. À época, o governo fluminense estimou que, até 2020, o estado e seus municípios deixariam de receber R$ 77 bilhões com as novas regras.

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Vivendo a vida louca

Mas, ainda assim, o governo do Rio continuou a gastar como se não houvesse amanhã. “O Rio foi imprudente”, resume Gonçalves.

O estado tinha muita folga orçamentária para gastar com pessoal. Enquanto a maioria das unidades da federação sempre esteve muito perto do índice máximo permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (49% da receita líquida corrente comprometida com gastos de pessoal), o governo fluminense tinha uma situação financeira exemplar para os padrões brasileiros.

Cabral preso em 2016: fim melancólico para a farra de gastos e de corrupção.Foto: Rodrigo Félix/Gazeta do Povo/Arquivo

Em 2006, ano anterior à posse de Cabral, o Rio gastou 30,2% de suas receitas com o pagamento de pessoal, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ). Mesmo durante o governo do peemedebista, a situação se manteve bem abaixo dos limites legais. Em 2013, último ano inteiro sob a gestão de Cabral (ele renunciou em abril de 2014), a relação era de 29,55%. No ano passado, porém, o governo comprometeu com a folha mais que o dobro: 61,73% das receitas.

A bomba-relógio estava armada pelo próprio Cabral e estourou no colo de seu sucessor, Luiz Fernando Pezão – que era vice do ex-governador. Segundo dados do Ministério da Fazenda e do Tesouro Nacional, o Rio foi o estado que mais aumentou despesas com funcionalismo entre 2009 e 2015: 146,62% (ou 16,24% de acréscimo ao ano) nos três poderes estaduais. A União, apenas como comparativo, elevou essas despesas em 56,05% (média anual de 7,7%) no mesmo período.

Resultado: faltou dinheiro inclusive para pagar o funcionalismo. O estado atrasou salários, não pagou o 13.º. E enfrentou greves. Inclusive de policiais civis e militares no início do ano. A criminalidade aumentou. “E a gestão, que já era ruim quando tinha dinheiro, só piorou”, diz o professor da FGV.

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Só o dinheiro (ou a falta dele) não explica tudo

Mas apenas a falta de dinheiro não explica tudo. Coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Ignacio Cano explica quais são os fatores envolvidos: “A partir de 2013 já havia problemas de segurança, mas não eram tão perceptíveis. Mesmo assim não foi feita nenhuma correção de rumo nos programas implantados a partir de 2008 [as UPPs]. Seria necessário alguma atualização”.

É nesse cenário que a crise financeira do estado encontrou outras duas crises: a política e a da economia nacional. “Tivemos uma crise política e financeira, em que o estado não consegue governar, não consegue pagar os policiais, não consegue contratar. Somado a isso vivemos uma recessão econômica e desemprego, o que sempre eleva os índices de criminalidade”, diz Cano.

Antonio Carlos Porto Gonçalves aponta ainda aspectos legais que prejudicam não apenas o combate ao crime no Rio, mas em todo o país. “Não consigo entender como um traficante preso numa penitenciária federal em Rondônia consegue comandar um ataque na Rocinha”, diz o professor da FGV, referindo-se a Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, apontado como o comandante de uma das facções que entraram em guerra pelo controle do tráfico no local. Gonçalves afirma que é preciso haver restrições mais severas às visitas a presos de alta periculosidade para que não se comuniquem com o mundo exterior.

Para ele, é preciso ainda pensar em formas de evitar ou coibir que o crime utilize menores de 18 anos para formar seus “exércitos” – como ocorre no Rio. “A polícia prende e logo eles são soltos.” Ele também acredita ser necessário endurecer as penas para quem mata policiais. São mais de 100 policiais assassinados neste ano no Rio. “Existe um terrorismo contra os policiais daqui [do Rio].”

Gonçalves destaca que há corrupção na polícia, mas que os bons policiais enfrentam circunstâncias de trabalho muito difíceis. E que, portanto, é preciso enfrentá-las.

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