A forma como Jair Bolsonaro resolveu indicar seus ministros tem gerado ondas de insatisfação nos bastidores do Congresso Nacional. O presidente eleito tem clara predileção por militares e nomes sugeridos por bancadas temáticas, não por partidos, prática que vinha sendo adotada por todos os governos desde a redemocratização.
Embora publicamente o discurso seja de adequação a uma nova forma de fazer política, até mesmo aliados demonstram preocupação com o resultado prático desse modelo de composição do governo. Afinal, será possível votar matérias essenciais sem negociar com partidos? As bancadas temáticas sustentam apoios no plenário? A dinâmica congressual está preparada para essa forma de governar?
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Para o deputado Ricardo Barros (PP-PR), a adequação é necessária. "Há que se desenvolver um novo jeito de formar maioria no Congresso. As urnas deram o recado". O parlamentar comandou o Ministério da Saúde até março deste ano numa negociação de seu partido com o presidente Michel Temer. O PP era da base de Dilma Rousseff e desembarcou às vésperas da primeira votação do impeachment para apoiar o emedebista.
Colega de legenda de Barros, a senadora Ana Amélia (RS) acredita que é precipitada uma avaliação de como a forma de escolher ministros e negociar com o Congresso poderá impactar de fato nas votações de relevância no próximo ano.
"O desenho real das facilidades e dificuldades que o Bolsonaro terá, dado o grau de renovação do Congresso(mais de 80% no Senado e de 50%, na Câmara), só poderá ser medido a partir de fevereiro de 2019. E há que se considerar que a oposição vem com a faca nos dentes, sem responsabilidade nenhuma", analisou.
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Ana Amélia, que foi vice do tucano Geraldo Alckmin na eleição presidencial deste ano, ficará sem mandato a partir do ano que vem. Ela foi chamada por Bolsonaro para conversar, junto com o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Segundo a senadora, não foi oferecido nenhum cargo, mas o presidente eleito disse que gostaria de contar com ela, sem entrar em detalhes. Os dois teriam ficado de voltar a conversar.
Nesta terça-feira (27), Bolsonaro recebeu mais uma vez parte bancada evangélica no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde acontecem os trabalhos da equipe de transição, e reafirmou seu formato de indicações. "Não estamos negociando com partido, mas com bancadas. Essa é uma forma de atingir todo o Congresso Nacional", afirmou.
Fora das câmeras
Para além dos discursos públicos, nos bastidores, aliados do presidente eleito tem procurado Onyx Lorenzoni, que deve ser o responsável pela articulação política, para falar sobre essa estratégia do presidente eleito. A avaliação é que esse tipo de relação pode não gerar os frutos que o novo governo deseja e, em votações complexas como a reforma da Previdência, pode-se precisar mais de partidos que de bancadas temáticas.
"As bancadas temáticas atuam em bando, mas apenas para assuntos específicos e de interesse próprios. Se você coloca uma Previdência para votar, as bancadas evangélica, ruralista e da saúde, por exemplo, não votarão juntas. Tem-se que considerar, além disso, que alguns parlamentares participam de mais de uma bancada ao mesmo tempo. Parece que essa conta não está sendo feita", afirmou uma fonte do Palácio do Planalto que acompanha de perto da transição do governo Temer para Bolsonaro e, além disso, tem trânsito com congressistas.
Dinâmica congressual
Jair Bolsonaro sempre tratou as indicações partidárias ao longo de sua campanha eleitoral e até o momento como uma forma de barganha. O presidente tem quase 30 anos de experiência no Congresso Nacional e já passou por nove partidos políticos. Ao longo de sua trajetória no Parlamento, integrou comissões, mas não chegou a presidir nenhuma.
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No Congresso, o tamanho das bancadas define a distribuição de comandos das comissões temáticas e de suas composições. A distribuição dos gabinetes das lideranças das legendas também se dá dessa forma – os melhores e mais próximos ficam para as maiores siglas.
As votações não se dão de forma distinta. Os partidos orientam seus parlamentares sobre a forma de votar. Em alguns casos, em votações de extrema relevância, é comum que haja punições ao deputado ou senador que não se posicionar formalmente – no painel – conforme tiver ordenado a legenda. No impeachment, por exemplo, houve inúmeros casos de abandono ou expulsão.
Ou seja, os caciques do Congresso acabam concentrando muito poder devido à dinâmica do funcionamento das Casas. Quebrar esse sistema pré-estabelecido é o que o presidente eleito vem tentando fazer. Tem afirmado internamente que o novo Congresso estará ao seu lado e foi eleito também com o mesmo propósito de se contrapor à velha política.