O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, apresentou na segunda-feira (21) o projeto anticrime do governo, com uma série de medidas que faziam parte das promessas de campanha do então candidato Jair Bolsonaro – como o excludente de ilicitude e maior rigor nas penas e no regime prisional. Também foi incluída a prisão após a segunda instância e a criminalização do caixa dois.
Veja os 21 principais pontos do projeto anticrime e o que ele muda em relação à atual legislação de combate ao crime e à corrupção:
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1. PRISÃO DE CONDENADOS EM 2.ª INSTÂNCIA
A legislação prevê que ninguém pode ser preso senão em flagrante ou após um processo transitar em julgado (ou seja, quando tiver todos os recursos esgotados). Há discussão jurídica em torno disso, e o Supremo Tribunal Federal (STF) vem permitindo desde 2016 a prisão de condenados em segunda instância (caso dos Tribunais de Justiça), antes que o processo chegue Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao próprio Supremo.
Formaliza em lei a jurisprudência atual do STF. Eventuais multas decorrentes do processo também podem ser pagas quando o condenado começar a cumprir pena, não mais após o trânsito em julgado.
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2. PRISÃO DE CONDENADOR EM 1.ª INSTÂNCIA
Hoje é possível recorrer em liberdade de decisão do Tribunal do Júri – a primeira instância responsável por crimes dolosos contra a vida (como homicídios).
Uma pessoa condenada pelo Tribunal do Júri começa a cumprir pena imediatamente após a decisão, mesmo que caibam eventuais recursos. Ou seja, a condenação em primeira instância ocorreria basicamente nos casos de assassinatos.
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3. NOVA REGRA PARA RECURSOS JUDICIAIS
Os embargos infringentes, um tipo de recurso judicial, podem ser interpostos caso haja um voto divergente, em benefício do réu (abaixando a pena, por exemplo), no colegiado de magistrados que tiver realizado o julgamento.
Esses embargos só podem ser apresentados se um dos juízes da segunda instância tiver votado pela absolvição total do réu, e não em caso de outras divergências (como o tamanho da pena).
4. LEGÍTIMA DEFESA E EXCLUDENTE DE ILICITUDE
Lei em vigor define legítima defesa como situação em que a pessoa, “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Isso vale para casos em que cidadãos ou policiais, por exemplo, matam criminosos numa situação de confronto.
Reduz pena até a metade ou deixa de aplicá-la se a legítima defesa “decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Esse ponto do projeto anticrime de Moro é o mais criticado por entidades e autoridades da área de direitos humanos, que veem nele uma permissão para que policiais matem em serviço. Trata-se de uma promessa de campanha de Bolsonaro, que ficou conhecida como “excludente de ilicitude”.
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5. PRISÃO EM REGIME FECHADO
O regime fechado só é aplicado para condenações acima de oito anos, independentemente do crime. A pena prevista para corrupção, por exemplo, é de 2 a 12 anos – portanto, é possível que um condenado por corrupção não vá para a cadeia se a pena for inferior a oito anos.
O regime fechado passa a valer para reincidentes e também para condenados por corrupção e peculato. Também vale para roubo praticado com arma de fogo. O projeto restringe ainda a progressão de regime (do fechado para o semiaberto, por exemplo) para casos envolvendo morte da vítima. Outra medida prevista no pacote anticrime é o fim das saídas temporárias de presos condenados por crimes hediondos (como homicídio, latrocínio, estupro e genocídio), tortura e terrorismo. Condenados por integrar organização criminosa não poderão progredir de regime se houver comprovação de que ele mantém vínculo com o grupo.
6. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
A lei considera organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas com objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes com penas superiores a quatro anos de prisão.
Inclui na definição facções criminosas conhecidas – como PCC, Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando Puro, Amigos dos Amigos. As milícias também serão classificadas expressamente como organizações criminosas.
7. ARMAS DE FOGO
Lei prevê que a pena para disparo, posse ou porte ilegal, comércio ilegal e tráfico internacional de arma de fogo seja aumentada caso o réu seja integrante de forças de segurança ou empregado de empresa de segurança e de transporte de valores.
Aumenta a pena para os mesmos crimes se o réu já tiver registros criminais passados, com condenação em segunda instância.
8. CONFISCO DO PRODUTO DO CRIME
O Código Penal prevê de modo genérico o confisco “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido [...] com a prática do fato criminoso”.
Detalha que o confisco de bens será correspondente à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito, em casos de condenados por infrações de pena máxima superior a seis anos de prisão. Obras de arte apreendidas ou outros bens de valor cultural e artístico passam a ser destinados a museus públicos em alguns casos.
9. BENS APREENDIDOS PARA COMBATER CRIME
Não está detalhado no Código de Processo Penal.
Autoriza expressamente a utilização de bens sequestrados e apreendidos de criminosos para atividades de prevenção e repressão a crimes, com prioridade do órgão de segurança pública que fez a investigação. Por exemplo: lanchas de contrabandistas e traficantes apreendidas pela Polícia Federal em Foz do Iguaçu (PR), na divisa com o Paraguai, podem ser usadas pelos policiais federais no patrulhamento da fronteira. Quando o processo transita em julgado, o bem torna-se definitivamente propriedade do órgão público
10. PRESCRIÇÃO
A lei dispõe que o prazo de prescrição deixa de correr em alguns casos, como quando o réu cumprir pena no exterior.
Inclui novas situações para o prazo de prescrição parar de correr, como quando houver recursos pendentes nos tribunais superiores (STF e STJ).
11. CRIME DE RESISTÊNCIA
A lei prevê pena de dois meses a dois anos de detenção a quem se opuser à execução de um ato legal, usando violência ou ameaça ao agente público. Quando o ato não se consumar devido à resistência, a pena prevista é de 1 a 3 anos de reclusão
Acrescenta que, se a resistência resultar em morte do agente, a pena vai de 6 a 30 anos de reclusão.
12. ACORDOS CRIMINAIS EM INVESTIGAÇÕES DE IMPROBIDADE
Não há previsão legal hoje.
Possibilita acordos para o investigado que confessa o crime, em casos sem violência ou grave ameaça, com pena máxima inferior a quatro anos. O Ministério Público poderá propor soluções sem que haja oferecimento de denúncia à Justiça, mediante algumas condições, como reparação do dano causado, renúncia dos bens de proveito ou produto do crime, prestação de serviços ou multa. Segundo especialistas, medida é inspirada no direito norte-americano (“plea bargain”). Na esfera cível, também passam a ser possíveis os acordos para reparação do dano nas investigações de improbidade administrativa, o que antes era vedado.
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13. INVESTIGAÇÃO DE POLÍTICO COM FORO PRIVILEGIADO
A investigação ou ação penal na primeira instância precisa ser remetida para o STF, por exemplo, caso surjam indícios de envolvimento de políticos com foro especial (presidente, ministros, deputados, senadores).
Autoridades que atuam na primeira instância remetem para o STF somente a parte relativa ao político com foro especial, prosseguindo com a investigação sobre os demais suspeitos. Nesse exemplo, a investigação ou a ação penal só passa integralmente ao STF se a corte decidir que é imprescindível julgar todos os envolvidos conjuntamente.
14. CRIME DE CAIXA DOIS
Casos de caixa dois são julgados com base em um artigo do Código Eleitoral que fala sobre omissão ou falsidade na prestação de contas à Justiça Eleitoral. A punição é considerada branda (até cinco anos) e não se aplica a quem pagou o caixa dois. Boa parte dos inquéritos abertos no STF com base na delação da Odebrecht na Lava Jato, por exemplo, investiga caixa dois. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há registro de condenados por caixa dois.
Tipifica o crime de caixa dois, com pena de 2 a 5 anos de prisão “se o fato não constitui crime mais grave” (se não vem acompanhado de corrupção, por exemplo). Prevê aumento da pena se houver a participação de agente público e estende a punição a quem deu o dinheiro via caixa dois.
15. INTERROGATÓRIO DE PRESOS POR VIDEOCONFERÊNCIA
O Código de Processo Penal diz que a prática é “excepcional” e deve ser empregado em algumas situações, como para prevenir riscos à segurança pública no deslocamento de um preso.
Amplia os casos em que juiz pode ouvir presos por videoconferência e retira do código a “excepcionalidade” da medida. Trata-se de uma demanda dos governadores, que alegam gastar muito dinheiro com o transporte de detentos para as audiências nos tribunais.
16. PRISÃO DE CRIMINOSOS REINCIDENTES
Presos em flagrante podem ter liberdade provisória se juiz verificar que ele praticou o crime em estado de necessidade, em legítima defesa ou em estrito cumprimento de dever legal.
Acrescenta que o juiz deve negar a liberdade provisória se verificar que o preso “é reincidente ou que está envolvido na prática habitual, reiterada ou profissional de infrações penais ou que integra organização criminosa”, exceto se o delito for muito leve.
17. PRESÍDIOS DE SEGURANÇA MÁXIMA
São presos nos presídios federais de segurança máxima “aqueles cuja medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso”.
Acrescenta detalhes sobre como será o cumprimento da pena nesses presídios: cela individual, visitas só em dias determinados, no máximo duas pessoas por vez, “separadas [do preso] por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações”, entre outras especificações. A medida visa evitar que chefes de facção enviem ordens por meio de parentes e amigos. As conversas com advogados não são gravadas.
20. BANCO DE DNA DE PRESOS
Condenados por crimes graves e violentos devem ter amostra de DNA recolhida e armazenada em um banco de dados para auxiliar em investigações futuras. Apesar de lei estar em vigor, o banco de DNA não vem sendo abastecido regularmente.
Acrescenta que o recolhimento do DNA será no momento do ingresso do condenado na prisão, a fim de efetivar uma lei que já existe. Passa a considerar falta grave a recusa do condenado de submeter-se à coleta da amostra. Também muda o momento em que o perfil genético pode ser excluído do banco de dados: quando houver absolvição do acusado ou depois de 20 anos do cumprimento da pena.
21. INFORMANTE EM CASOS DE CORRUPÇÃO
Não há previsão da existência do informante na lei atual.
União, Estados, municípios e empresas estatais precisam criar ouvidorias em que qualquer pessoa possa relatar crimes contra a administração pública, resguardada a sua identidade. Também permite que o informante seja recompensado caso sua denúncia resulte na devolução de dinheiro público desviado. Ele ficaria com até 5% do valor recuperado.
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