Declarações do presidente Jair Bolsonaro indicam que os servidores públicos – pelo menos os civis – estão entre os principais alvos da reforma da Previdência que seu governo está preparando.
O regime próprio de Previdência (RPPS) dos servidores federais registrou déficit de R$ 49 bilhões em 2017, o equivalente a 0,74% de todas as riquezas geradas pelo país naquele ano, estimadas pelo Produto Interno Bruto (PIB). Esse valor representa a diferença entre a arrecadação de contribuições e o total pago em aposentadorias e pensões. O saldo negativo foi coberto pelo Tesouro Nacional, com recursos de todos os contribuintes.
Como esse sistema passou por uma reforma relevante em 2003, reforçada por um fundo de previdência complementar instituído dez anos depois, a tendência é de que o saldo negativo diminua nas próximas décadas.
As projeções do governo são de que o déficit vai alcançar o pico de 0,94% do PIB entre 2025 e 2026. Dali em diante, o rombo seria decrescente, chegando a 0,56% do PIB em 2050 e a 0,32% em 2060, segundo estimativas anexadas à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019.
EM DETALHES: As regras de aposentadoria dos servidores públicos federais
A situação do INSS, que cuida da Previdência dos empregados do setor privado, é mais grave. O rombo em 2017 foi de R$ 182 bilhões, ou 2,78% do PIB, e deve continuar crescendo, consumindo cada vez mais dinheiro do contribuinte. As projeções que constam da LDO são de que o déficit chegará a 3,62% do PIB em 2025, alcançando 9,45% em 2050 e 11,4% dez anos depois.
Do ponto de vista das contas públicas, portanto, uma reforma no INSS parece muito mais urgente que na Previdência dos funcionários públicos. Mas há outras questões em jogo, em especial as que dizem respeito às desigualdades no tratamento dispensado aos trabalhadores de um e de outro regime.
Ainda que no conjunto as aposentadorias e pensões dos funcionários públicos custem menos aos cofres federais, no nível individual a relação se inverte.
Quando se divide o rombo do INSS pelo número de beneficiários, que são pouco mais de 34 milhões, chega-se a um déficit de R$ 5,3 mil por pessoa em 2017. A Previdência dos servidores federais, por sua vez, tem apenas 737 mil beneficiários, dos quais 436 mil aposentados e 301 mil pensionistas. Com isso, o déficit por pessoa naquele mesmo ano correspondeu a R$ 66 mil, aproximadamente.
Por que os servidores ganham mais na aposentadoria
O déficit por beneficiário no regime próprio da União é maior, entre outras coisas, porque o valor pago aos aposentados desse sistema também é mais alto. Um aposentado do Poder Executivo ganha em média R$ 8.478 por mês, segundo dados de 2017. No Judiciário, são R$ 18.065. E, no Legislativo federal, R$ 26.823. Enquanto isso, o valor médio das aposentadorias pagas pelo INSS é de pouco mais de R$ 1,3 mil, conforme dados de outubro de 2018.
Há pelo menos duas razões para tamanha discrepância. A primeira é que os salários que o governo paga a seus funcionários são, na média, mais altos que os praticados pela iniciativa privada. O que até certo ponto é esperado, pois a escolaridade média dos servidores é mais alta que a dos demais trabalhadores. No entanto, o salário tende a ser maior mesmo quando se trata de formações e cargos similares. Independentemente das razões, essa remuneração mais alta – da qual são descontadas contribuições igualmente mais altas – acaba se convertendo num benefício maior após a aposentadoria.
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A segunda razão é que boa parte dos servidores federais se beneficia de regras que deixam o valor da aposentadoria ainda mais distante do que é pago pelo INSS. Uma delas é a integralidade, que garante um valor de aposentadoria idêntico ao do último salário recebido na ativa. Em geral o último salário é também o mais alto que o servidor já recebeu. Isso significa que ele passou boa parte da carreira contribuindo à Previdência sobre valores inferiores ao que receberá como aposentado.
Outra vantagem é a paridade, que assegura aos aposentados do funcionalismo reajustes iguais aos concedidos ao pessoal da ativa. A título de comparação, no INSS apenas quem ganha até um salário mínimo de aposentadoria tem direito ao mesmo reajuste dos que estão trabalhando (e também ganham o mínimo). Os demais aposentados recebem o repasse da inflação.
Paridade e integralidade são exclusivas dos funcionários mais antigos, que ingressaram no serviço federal até 18 de dezembro de 2003. Mas estão embutidas em praticamente todas as aposentadorias pagas atualmente e nos próximos anos. De janeiro a novembro de 2018, 96% dos 17 mil servidores federais que se aposentaram conseguiram benefício integral, segundo o Painel Estatístico de Pessoal (PEP) do governo. Considerando-se as regras atuais, que exigem 30 anos de contribuição para as mulheres e 35 para os homens, os primeiros benefícios sem direito a integralidade e paridade serão pagos apenas do fim de 2033 em diante.
Há ainda uma terceira vantagem. Enquanto no INSS muitas aposentadorias são limitadas pelo fator previdenciário, na Previdência do serviço público esse mecanismo não é aplicado.
As mudanças na aposentadoria dos servidores
O sistema previdenciário dos servidores passou por várias mudanças nas últimas décadas. As maiores foram determinadas por três emendas à Constituição. Em 1993, a emenda número 3 instituiu a contribuição à previdência, que até então não existia. Em 1998, a emenda 20 determinou que o critério para a concessão de aposentadoria seria o tempo de contribuição, e não mais o tempo de serviço.
Em 2003, a emenda 40 mudou a regra de cálculo do benefício, acabando com o benefício integral para os que ingressassem no serviço público dali em diante. E determinou que inativos e pensionistas também contribuam à Previdência, com alíquota de 11%, mas apenas sobre valores que excederem o teto do INSS. No fim de 2012, uma lei instituiu a previdência complementar do servidor federal, limitando ao teto do INSS o valor de aposentadoria (e a contribuição correspondente) dos que não aderissem ao novo fundo.
Apesar dessas mudanças, as vantagens conferidas aos servidores aposentados e acessíveis a boa parte dos que ainda estão na ativa consolidaram a percepção, em parte da sociedade, de que os funcionários públicos têm privilégios em relação aos demais trabalhadores. Por isso, dificultar a aposentadoria pelo INSS sem mexer nas regras para os servidores teria um custo político elevado para o governo, pondo em risco a própria chance de se aprovar qualquer reforma.
As regras de contribuição, acesso e valor de aposentadoria para os militares das Forças Armadas são diferentes das aplicadas aos servidores federais civis. Conheça em detalhes: Como funciona a previdência dos militares e por que ela custa tão caro.
A maior parte das regras listadas abaixo, válidas para os servidores federais civis, também se aplica ao funcionalismo dos estados e municípios que têm regimes próprios de Previdência. No entanto, as alíquotas de contribuição e as normas referentes à previdência complementar podem ser diferentes.
AS REGRAS DE APOSENTADORIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS (civis)
- Para quem ingressou no serviço público federal até 3 de fevereiro de 2013, a contribuição previdenciária é de 11% sobre o total da remuneração. A contrapartida do governo é de 22%
- Para quem ingressou no serviço público federal a partir de 4 de fevereiro de 2013 (e para os mais antigos que optaram pela previdência complementar), a contribuição obrigatória é de 11%, mas a referência é o teto do INSS, e não a remuneração total. Da mesma forma, a contrapartida do governo equivale a até 22% do teto do INSS
- Servidores que aderiram ao Funpresp, o fundo de previdência complementar da União instituído em 2013, pagam a contribuição obrigatória de 11% e definem o porcentual adicional que desejam destinar ao fundo. A União contribui ao fundo com parcela igual à escolhida pelo servidor, até o limite de 8,5% da remuneração
- Servidores aposentados e pensionistas também recolhem contribuição de 11% à Previdência, mas apenas sobre valores que excederem o teto do INSS
- Mulheres podem se aposentar a partir dos 55 anos de idade, com 30 anos de contribuição. Ou então aos 60 anos de idade, com benefício proporcional ao tempo de contribuição
- Homens podem se aposentar a partir dos 60 anos de idade, com 35 de contribuição. Ou então aos 65 anos de idade, com benefício proporcional ao tempo de contribuição
- Para se aposentar, os servidores – homens e mulheres – precisam ter pelo menos dez anos de efetivo exercício do cargo no serviço público, e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria
- Servidores que ingressaram até 14 de dezembro de 1998 podem se aposentar alguns anos mais cedo – a partir de 48 anos para mulheres e 53 para homens – desde que cumpram algumas regras de transição
- Quem ingressou no serviço público até 18 de dezembro de 2003 tem benefício igual ao último salário (integralidade) e reajustes iguais aos concedidos ao pessoal da ativa (paridade)
- Quem ingressou de 19 de dezembro de 2003 a 3 de fevereiro de 2013 recebe o equivalente à média dos 80% dos maiores salários, com reajuste pela inflação
- Quem ingressou a partir de 4 de fevereiro de 2013 recebe o equivalente à média dos 80% maiores salários, com reajuste pela inflação. O valor do benefício, no entanto, é limitado pelo teto do INSS – para benefícios maiores, é preciso contribuição à previdência complementar
- Em nenhum caso é aplicado o fator previdenciário
- Para deixar pensão, o servidor precisa ter contribuído por 18 meses, no mínimo. Um número menor de contribuições dá direito a uma pensão temporária, de quatro meses. São necessários dois anos de casamento ou união
- Para servidores que recebiam até o teto do INSS, o valor da pensão é integral. Para remunerações superiores, acrescenta-se à pensão 70% do valor que exceder o teto
- Beneficiários com menos de 43 anos de idade recebem a pensão por um tempo proporcional à sua idade. Esse tempo varia de três a 20 anos de recebimento. Para beneficiários com 43 anos ou mais, a pensão é vitalícia
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