• Carregando...
 | Marcelo Camargo /Marcelo Camargo
| Foto: Marcelo Camargo /Marcelo Camargo

O ministro da Justiça, Sergio Moro, revelou que estuda a implantação de um modelo de “contrato” de segurança pública para enfrentar a criminalidade em municípios com altos índices de violência. A ideia, de acordo com o ministro, é estabelecer um acordo entre o governo federal, o governo do estado e o município, definindo responsabilidades de cada ente no enfrentamento do crime. 

Moro propõe uma espécie de contrato local de gestão da segurança pública. “Qual seria exatamente a ideia relacionada a esses contratos locais: selecionar no país o número de municípios com alto índice de criminalidade e realizar uma espécie de – que me perdoem os juristas – contrato entre União, estados e municípios para definir responsabilidades e ações conjuntas no âmbito específico daqueles municípios direcionados especificamente à redução da criminalidade naquelas regiões de alta incidência”, disse Moro ao participar de um seminário sobre segurança pública promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

LEIA TAMBÉM: Estado modelo contra crime extingue Secretaria de Segurança e atrai atenção de Moro

Moro não deu detalhes de quando o projeto pode ser implantado no Brasil, nem quais os critérios que serão usados para definir as cidades que receberão o projeto piloto. “Às vezes falta uma ação mais coordenada das unidades da federação em relação a problemas conjuntos. Para resolver um problema de elevada criminalidade em um local, normalmente o que se precisa é de uma ação não só da União Federal, não só dos estados, mas igualmente dos municípios, e essas ações precisam ser conjuntas, não pode cada um trabalhar com uma política que não sejam compatíveis e consistentes”, explicou Moro aos jornalistas ao deixar o evento do CNJ. 

Modelo existe há mais de dez anos em Portugal  

A proposta do ministro da Justiça é inspirada em um modelo adotado em Portugal. Por lá, o governo federal adotou o projeto de Contrato Local de Segurança (CLS), que tem como pilares o que o país chama de policiamento de proximidade, que envolve diversos entes governamentais e a comunidade local na prevenção do crime em determinada cidade.  

Um documento do Ministério da Administração Interna de Portugal detalha o funcionamento dos contratos locais de segurança e faz parte de um Manual de Diagnósticos Locais de Segurança, produzido pelo Fórum Europeu para a Segurança Urbana. Segundo o governo de Portugal, os CLS correspondem a um “acordo para a cooperação na área da prevenção e repressão da criminalidade, visando condutas atentatórias da segurança das populações e da integridade de pessoas e bens”. 

LEIA TAMBÉM: Preso, Lula vira ‘comentarista-geral da União’ nas redes sociais

O governo português assinou um protocolo com a Associação Nacional de Municípios Portugueses em 2008. Através do protocolo, foram assinados 29 contratos locais de segurança em sete distritos. Os contratos foram subscritos pelos governadores e pelos presidentes das Câmaras Municipais. 

Entre 2008 e 2011, foram celebrados 35 contratos locais de segurança em todo o país. Após um ano de funcionamento em Loures – primeira cidade onde houve a celebração de um acordo –, houve uma redução de 10% no índice da pequena criminalidade. 

O governo português lançou em 2016, em seu plano de governo, uma nova leva de contratos locais, que tem como objetivos a prevenção da delinquência juvenil, eliminação de fatores que potencializam a atividade criminosa, a integração dos programas de policiamento, redução das vulnerabilidades sociais e a promoção da cidadania e da igualdade de gênero. 

LEIA TAMBÉM: Bolsonaro elogia presidentes militares e chama ditador paraguaio de estadista

Os CLS da nova geração, como são chamados pelo governo de Portugal, são organizados a partir de uma comissão que envolve diversos ministérios da administração pública federal e uma comissão coordenadora das ações, que é formada pelo presidente da Câmara Municipal, as forças de segurança e um representante do governo federal. As duas comissões são responsáveis pela elaboração de diagnósticos de segurança locais e pela formulação de um plano de ação. As medidas são implementadas por um núcleo operacional integrado. 

Balanço negativo  

Os contratos locais de segurança foram tema da tese de doutorado de Maria Dalila Correia Araújo Teixeira, que era governadora civil de Lisboa, em 2008 – ano de implementação dos CLS em Portugal – e teve um papel importante na disseminação do modelo, como secretária de Estado da Administração Interna. 

Ela chegou à conclusão, porém, de que a experiência não foi replicada em outros locais. Segundo a pesquisa de Teixeira, o governo federal nos anos seguintes a 2011 não deu continuidade a vários contratos, que acabaram ficando inativos. Ela também constata que novos contratos firmados pelo atual governo tem uma natureza mais política do que operacional, o que dificulta a obtenção de resultados melhores. 

LEIA TAMBÉM: PMs querem aposentadoria diferente das Forças Armadas e manter benefícios

Apesar dos resultados positivos, os contratos locais foram abandonados pelos governos seguintes. Em Loures, onde foi implementado o primeiro CLS, o presidente da Câmara Municipal, Bernardino Soares, afirma que desde 2017 não houve mais apoio do governo federal. 

Modelo teve origem na França 

O modelo de contratos locais de segurança teve início na França na década de 1990. O projeto nasceu como consequência de diversos confrontos entre a polícia francesa e jovens dos subúrbios, especialmente na região de Lyon. A implementação de contratos locais de segurança entre estado e cidades permitiu a repartição de tarefas entre a Polícia Nacional e as Polícias Municipais francesas. 

Modelo não é novidade no Brasil, dizem especialistas 

Ex-secretário de Segurança Pública de Guarulhos (SP), Guaracy Mingardi destaca que a ideia de celebração de contratos para gerir a segurança pública de forma integrada não é novidade no Brasil. Ele cita como exemplo uma iniciativa em Guarulhos, em que a prefeitura e o estado firmaram parceria e a prefeitura assumiu a ronda escolar, liberando os policiais militares para atividades mais complexas. Após mudanças de gestão, porém, a parceria foi desfeita. 

“O diabo mora nos detalhes. A ideia em si é boa, o problema é que a União acaba não fazendo nada, só presidindo”, reclama Mingardi. “Normalmente, nesses contratos, cada um quer passar o pepino para o outro e a União fica numa boa”, completa. 

Para Alberto Kopittke, do Instituto Cidade Segura, a proposta de Moro não traz nada de novo. “É o que está previsto na lei do Susp [Sistema Único de Segurança Pública]”, diz. Segundo Kopittke, a lei do SUSP já prevê um trabalho integrado entre a União, estados e municípios na elaboração de planos de segurança pública e prevê prioridade para atuação em cidades com maior índice de homicídios. “Isso já existe e funciona. Esse é o caminho”, completa.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]