O martelo ainda não foi batido, mas são grandes as chances de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva venha a Curitiba para depor ao juiz federal Sergio Moro, na quarta-feira (13), num ônibus rodoviário – como o que usou na recém-encerrada caravana pelo Nordeste – e comece em seguida a segunda perna de seu périplo pelo Brasil, desta vez rumo ao Sul do país.
A decisão será tomada pelo próprio Lula e seu estafe mais próximo e comunicada à cúpula petista local na segunda-feira (11), numa reunião na capital paranaense com a presença de Gilberto Carvalho, que foi chefe de gabinete de Lula no Planalto e permanece como um dos auxiliares mais próximos do ex-presidente.
“Depende dele, mas há muitas chances disso acontecer”, disse à Gazeta do Povo um líder importante do PT no Paraná, falando sob a condição de sigilo. “Avalia-se se vale ou não a pena começar a caravana após um depoimento à Justiça. Por outro lado, o início dela por Curitiba daria outro caráter à vinda dele para cá. Seria um evento do PT”.
No Nordeste, Lula falou como candidato a presidente e atraiu multidões. Apesar de uma confusão registrada logo na primeira parada, em Salvador, com militantes de movimentos que se opõem ao PT, o ex-presidente saiu ovacionado na maior parte dos eventos de que participou. Se confirmado, o lançamento da segunda etapa da viagem dele pelo Brasil tentará repetir o êxito, ainda que agora em território inóspito – no Sul, o petista registra índices recordes de rejeição.
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Quase tudo diferente para o novo depoimento
A eventual partida da caravana de Lula marcaria mais uma diferença entre o que a cidade verá na quarta-feira (13) e viu em 10 de maio passado, quando Lula depôs pela primeira vez a Sergio Moro. Daquela vez, Lula chegou num jato particular emprestado pelo ex-ministro Walfrido Mares Guia, e foi recebido por milhares de apoiadores que vieram de vários estados do país, acamparam num terreno ao lado da rodoferroviária e marcharam por ruas da cidade.
Desta vez, Lula chega a Curitiba fustigado pelo maior golpe recebido desde o início da operação Lava Jato: a confissão de um de seus aliados mais próximos, o ex-ministro Antonio Palocci, de que a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF), acusando o ex-presidente de receber um terreno de R$ 12,4 milhões para construção da sede do Instituto Lula como pagamento de propina, é verdadeira.
O aumento da pressão sobre os dirigentes petistas afetou a militância. “Desta vez, não virão militantes de outros estados, só do Paraná. Esperamos cerca de 100 ônibus aqui do estado, mas todos chegam e partem na quarta-feira. Ninguém irá acampar. Aliás, acabei de receber um interdito proibitório (decisão judicial) da União proibindo acampamentos ao lado da rodoferroviária”, relatou Regina Cruz, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Paraná e integrante do comando nacional da Frente Brasil Popular, que reúne movimentos sociais alinhados ao ex-presidente.
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Nesta semana, os apoiadores de Lula irão se concentrar na Praça Generoso Marques, no centro da capital. Um ato marcado para começar às 14 horas reunirá shows de música e o que os organizadores chamam de “aula pública” com o jurista Eugênio Aragão, professor da Universidade de Brasília (UnB), ex-procurador do Ministério Público Federal e ex-ministro da Justiça durante o governo de Dilma Rousseff. Crítico contumaz da Lava Jato – em artigo recente, chamou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de “tolinho” –, deverá oferecer à plateia aquilo que ela espera: um rosário de óbices à operação, a ser desfiado no mesmo momento em que Lula estará cara a cara com Moro.
A ida do ex-presidente à praça, após o depoimento, é provável. “Sempre há expectativa de que Lula vá. Mas ainda não está confirmado”, falou o presidente estadual do PT no Paraná, o ex-deputado federal Florisvaldo Fier, mais conhecido como Doutor Rosinha. Cabe lembrar que, em maio passado, Lula foi à Praça Santos Andrade, por volta das 19h30, discursar após falar por cerca de cinco horas a Moro. À época, o processo tratava do apartamento tríplex no Guarujá. O petista negou a posse do imóvel, mas acabaria condenado, em julho, a nove anos e seis meses de prisão.
Defesa seguirá negando acusações
Na quarta-feira (13), Lula irá depor, a Sergio Moro, na condição de réu em processo em que é acusado de ter aceito a compra, pela Odebrecht, de um terreno para o instituto que leva o seu nome com dinheiro que, segundo a força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal, é oriundo de propina. A acusação ganhou força depois que, na última quarta-feira (6), Palocci, homem forte do primeiro governo do petista e também réu no mesmo processo, disse que o ex-presidente avalizou pessoalmente propina paga ao PT pela empreiteira.
Lula também chega a Curitiba com três novas denúncias contra si: uma aceita recentemente por Moro, que trata de reformas bancadas por empreiteiras num sítio usado por ele em Atibaia, interior paulista, e outras duas feitas na semana por Rodrigo Janot, que acusou Lula e Dilma de organização criminosa e obstrução de Justiça no escândalo de corrupção na Petrobras.
Apesar disso, a estratégia da defesa do ex-presidente seguirá a mesma – negar as acusações e acusar a prática de lawfare, termo em inglês para guerra jurídica, contra ele. Em nota publicada após o depoimento de Palocci vir à tona, o Instituto Lula voltou a qualificar Moro como juiz de “notória parcialidade” e afirmou que “os processos contra o ex-presidente Lula na Operação Lava Jato em Curitiba não obedecem o devido processo legal”.
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“Os fatos desmoralizaram totalmente o Janot. O Ministério Público Federal age politicamente. Não se fala mais na denúncia contra a esposa do Moro [a advogada Rosângela Wolf Moro, que, segundo a revista “Veja”, atuou como correspondente de um advogado investigado pela Lava Jato]. Eles tinham que reagir ao sucesso da caravana do Lula”, argumentou Rosinha.
O ex-deputado não faz parte do chamado campo majoritário – ao qual pertence, por exemplo, o casal de ex-ministros Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo, ambos também alvos da recente denúncia de Janot –, e foi eleito recentemente para comandar o PT paranaense. Inquirido pela reportagem a respeito de uma eventual manifestação de autocrítica do partido – à exemplo do que fez recentemente o PSDB –, ele tergiversou. “O PT tem feito isso. Talvez falte sinalizar à sociedade. Mas basta ver as pesquisas com Lula na cabeça, mesmo com o processo político de perseguição a ele. E somos o partido que mais tem obtido filiados no Brasil”, disse, citando dado que a reportagem não pôde confirmar. “Acho que está de bom tamanho”.
Do outro lado, promessa de “surpresa”
Na trincheira oposta, movimentos de apoio à Lava Jato – habitualmente mais barulhentos quanto o alvo são integrantes do PT – aguardam uma reunião com a secretaria da Segurança Pública, também marcada para a segunda-feira (11), para decidir o que fazer.
“Mas vamos às ruas, é óbvio. Virão lideranças de movimentos de fora. Pessoas de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo já confirmaram. Elas esperam a uma definição para marcar suas passagens. Não seremos numerosos, mas representativos”, prometeu a aposentada Narli Resende, 60, que se tornou uma espécie de porta-voz de cinco grupos distintos: Curitiba Contra a Corrupção, Acampamento Lava Jato, Brasil Futuro, Movimento de Fiscalização Popular e Lava Togas.
“Da outra vez [que Lula veio depor na cidade, em maio], tivemos 300 pessoas [se manifestando ao lado do Museu Oscar Niemeyer]. Não acredito que agora tenhamos menos que isso. Muita gente pega o avião e vem, sem entrar em contato”, falou.
Quando a entrevista foi realizada, ainda não viera à tona que Geddel Vieira Lima, do PMDB baiano, que ocupou cargos nos governos Lula e Dilma, tornou-se conspirador de primeira hora contra a então presidente e foi recompensado por Michel Temer com um ministério, escondia R$ 51 milhões em espécie num apartamento em Salvador. Ainda assim, Narli disse acreditar que os escândalos em série no governo do peemedebista devem engrossar suas fileiras na quarta-feira (13).
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“Acredito que haverá muita gente em Curitiba, dessa vez, porque as pessoas estão irritadas”, disse. “Não somos antipetistas, mas a favor de que se puna a corrupção, pegue a quem pegar. Não nos sentimos representados pela atual classe política. Eles são as desgraças do nosso país. Por mim, Temer estaria preso. Ele é um bandido. O PT, como passou dos limites do razoável, ficou estigmatizado. Mas, pelo que o Joesley [Batista, da JBS] falou, não tem ninguém limpo. Nenhum partido me representa”, resumiu.
Apesar do “não somos antipetistas”, Lula merecerá “atrações especiais” de seus antagonistas, prometeu a ativista. “O Pixuleco [boneco gigante que representa o petista vestido com roupa de presidiário] não vem, mas teremos surpresas. Temos um plano B, só não posso falar qual é, senão o pessoal me mata”, ela riu.
Segurança deve repetir esquema
Ainda que tudo indique que o 13 de setembro será um dia menos atribulado que o 10 de maio passado, a secretaria da Segurança Pública deverá repetir, ao menos em parte, o gigantesco esquema montado para a primeira vinda de Lula – que envolveu o fechamento de várias ruas próximas à Justiça Federal, no Ahú, o uso 3 mil policiais, parte deles vinda do interior, atiradores de elite e quatro helicópteros.
Um sinal é a convocação, emitida pela Polícia Militar, para que jornalistas se cadastrem para ter acesso ao perímetro do prédio onde trabalha Sergio Moro – o que indica que ruas serão novamente bloqueadas.
Procurada pela reportagem, a secretaria respondeu apenas que “já iniciou tratativas com a Justiça Federal e Polícia Federal, assim como representantes do ex-presidente Lula, para iniciar um planejamento operacional. Na segunda-feira (11), haverá uma reunião final com todos os envolvidos”. Só depois disso, finaliza a nota, o esquema será tornado público.
Em maio, todo o aparato custou R$ 150 mil aos cofres do estado, o que levou o próprio Moro a sugerir a Lula realizar o depoimento por videoconferência, de São Paulo – o petista negou-se. Numa entrevista realizada no dia seguinte ao do depoimento, o secretário da Segurança Pública, Wagner Mesquita de Oliveira, irritou-se com perguntas de jornalistas que questionaram o aparente exagero da estratégia e abandonou a sala. Deixou repórteres falando sozinhos.