A equipe de transição do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) é formada por economistas que têm visões opostas sobre qual modelo seria ideal para a reforma tributária. De um lado estão Adolfo Sachsida e Alexandre Ywata, que defendem o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA). Do outro, está Marcos Cintra, que é contra o IVA e prefere reunir os tributos atuais em um imposto único sobre transações financeiras, de modo semelhante a como funcionava a CPMF.
Um grupo dentro da equipe de transição foi formado para avaliar qual modelo será mais adequado e possível de ser aprovado Congresso. E, segundo apurou O Estado de S. Paulo, há uma outra possibilidade em estudo, além das propostas de IVA e do imposto sobre transações bancárias: simplificação tributária. Ainda não se sabe qual vai ser a opção escolhida, mas as duas primeiras são o motivo de discórdia entre a equipe.
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Isso porque Sachisda e Ywata, ambos diretores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), assinam, em conjunto com outros três pesquisadores, uma proposta de IVA dual. Essa proposta é uma das que estão em avaliação pela equipe de transição, da qual Sachisda e Ywata fazem parte. Já Marcos Cintra, que também faz parte do grupo e que foi trazido por Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, é o autor da ideia de imposto único sobre transações financeiras, que também está em avaliação pela equipe. Cada autor é contra a ideia um do outro.
Cintra chegou a publicar um artigo no dia 5 defendendo-se das acusações que sua proposta é um retrocesso, marcando o retorno de um imposto nos moldes da CPMF. Para ele, a cobrança de imposto sobre as transações financeiras é a “forma menos impactante para a economia e um meio que se ajusta à realidade digital”. Já o IVA, afirma, é um modelo “burocrático” que se tornou “problema nos quatro cantos do planeta”.
Ernesto Lozardo, presidente do IPA que assina a proposta de IVA ao lado de Sashida e Yawa, diz que a imposto sobre valor agregado deveria ser a “prioridade zero” de qualquer governo. Para ele, é preciso mudar primeiro os impostos sobre consumo. “Não queremos criar uma jabuticaba tributária no Brasil”, disse em entrevista ao Estado, ao se posicionar contra imposto nos moldes da CPMF.
Apesar de ainda não estar claro qual modelo será adotado, o presidente eleito Jair Bolsonaro já afirmou diversas vezes que o retorno da CPMF está descartado. Em entrevista ao Datena, na Band, mostrou-se visivelmente contrariado ao saber do artigo de Cintra. “Esse cara [Marcos Cintra] já foi deputado e está lá na equipe de transição. Já falei com ele para não falar aquilo que não tiver acertado com o [Paulo] Guedes e comigo. Parece que certas pessoas não podem ver uma lâmpada que se comportam como mariposa”, disse o presidente eleito. “A decisão que eu tomei, quem criticar qualquer um de nós publicamente, eu corto a cabeça”, acrescentou.
Vantagens e desvantagens:
Mas, afinal, qual modelo é melhor? Não há um consenso entre os especialistas em tributação, apesar de parte apontar que, no Brasil atual, seria mais fácil aprovar o IVA. Primeiro, devido à impopularidade da CPMF, um imposto sobre as transações bancárias criado em 1997 e que durou por dez anos. Segundo, dada à complexidade do nosso sistema e aos interesses de cada ente federado, que dificilmente abririam mão de seus impostos.
Imposto único sobre transações financeiras
Mas ambas as propostas têm pontos positivos e negativos. O imposto único sobre movimentações financeiras tem como vantagens: reunir todos ou quase todos os impostos em um único tributo, com alíquota única; é mais fácil ser fiscalizado, já que incide sobre qualquer movimentação financeira; reduz a sonegação; é possível ter uma arrecadação elevada mesmo com uma alíquota baixa e única; tem baixo custo administrativo; e seria mais eficaz dentro da atual economia digitalizada.
Já entre os seus pontos negativos, estariam o fato de ele ser cumulativo (incidir em várias etapas, no caso, qualquer movimentação bancária); desincentivar o uso do sistema bancário, já que tudo será cobrado; ser um imposto regressivo, agravando a contração de renda depois dos tributos, já que proporcionalmente atingiria os mais pobres; e não ser usado pela grande maioria dos países.
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Os pesquisadores do Instituo Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), dizem, em artigo publicado na revista Conjuntura Econômica de outubro, que um novo imposto na linha da velha CPMF “não equaciona o fiscal e, com a nova conjunta e a revolução digital, provocará um novo e enorme problema no sistema bancário, e ainda agravará ainda mais a iniquidade marcante do atual sistema tributário”.
Já Cintra se defende dizendo que as críticas sobre cumulatividade, desincentivo do sistema bancário e regressividade não se sustentam. Ele também explica que sua proposta não seria a volta da CPMF, já que o imposto criado substituiria os atuais. Só que o funcionamento – incidência sobre transações bancárias – é o mesmo do “imposto do cheque”, como ficou conhecida a CPMF.
Ricardo Balistiero, coordenador do curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia, diz que dificilmente teremos um imposto único no país, devido à guerra fiscal entre os estados. “Do ponto de vista teórico, é uma proposta interessante, porque é eficiente do ponto de vista fiscalizatório. Permite, por exemplo, fazer monitoramento das transações financeiras com o Imposto de Renda. Mas não me parece [uma proposta] factível. É muito difícil compensar a gama de tributos atual em um único imposto devido à guerra fiscal”, explica.
Imposto sobre Valor Agregado (IVA)
Já o IVA é o modelo mais comum em todo o mundo. Ele é usado em mais de uma centena de países. Entre as suas vantagens, estão substituir vários tributos atuais em um imposto; ser não cumulativo; incidir sobre o consumo, e não a produção; ter alíquota única, o que simplificaria o sistema; ser cobrado no destino (e não no estado de origem), o que diminui a guerra fiscal; ser mais fácil de ser gerido pelas empresas e pelo governo na comparação com os impostos atuais; e não precisar mexer na Constituição, o que facilita aprovação no Congresso.
Suas desvantagens seriam ser mais passível a fraudes do que o imposto sobre transações financeiras e ser um imposto baseado em cadeias produtivas, o que não estaria adequado à economia digital e a uma economia de serviço e com cadeias pulverizadas, caso do Brasil.
Outro ponto que pesa contra é o fato de Roberto Campos, um dos criadores do IVA no Brasil, ter virado um crítico do sistema a partir dos anos 1980. Ele afirma que o imposto de valor agregado é burocrático, tem elevado custo de arrecadação e estimula à sonegação.
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Os defensores, porém, alegam que a tributação sobre o consumo é mais eficiente do que a tributação em cascata (hoje, em funcionamento no país). Ela também seria socialmente justa, já que trata-se de um imposto sobre vendas somente ao consumidor final e não em toda a cadeia produtiva. Seria, também, operacionalmente viável.
“É um imposto moderno, menos complicado do que o nosso sistema atual. Ele vem para eliminar tributação em efeito cascata, que é o imposto sobre imposto. Ele só vai ser cobrado uma única vez no final da cadeia produtiva. Ele também simplifica a guerra fiscal entre os estados sobre quem é o ente tributante”, diz Daniel Veisid, advogado especialista em Direito Tributário do Higasi, Veisid, Andrade Advogados.
Simplificação, sem aumentar carga, é o consenso
Apesar das divergências sobre os modelos, as duas propostas em discussão pela equipe econômica têm dois pontos em comum: aglutinam impostos, simplificando o sistema, e propõem a adoção de alíquota única para esses impostos que foram unificados. Tudo sem mexer na carga tributária, ou seja, sem aumentar impostos, o que pesaria sobre o setor produtivo e a população, e nem diminuir, o que prejudicaria a arrecadação em um momento em que o governo está com as contas no vermelho. Essa era uma das promessas presentes no plano de governo e no discurso de campanha de Bolsonaro: simplificar a desburocratizar o sistema tributário, sem aumentar impostos.
“Ambas partem de um fundamento que é muito positivo, que é a simplificação tributária e o combate à sonegação. Quando simplifica, fica mais difícil buscar brechas para não pagar o tributo. Outro mérito é que não se está falando na criação de novos tributos”, conclui Ricardo Balistiero.
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